Triunfo da Vida Sobre a Morte, O

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CAPÍTULO 36
Ilustração tribal

# JESUS E OS DISCÍPULOS DE EMAÚS


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Pela tarde desse mesmo domingo saíram de Jerusalém dois dos discípulos de Jesus, um dos quais se chamava Cléofas. Haviam acompanhado, durante três anos toda a vida e doutrina do Nazareno, ansiosos por assistirem ao advento do Reino de Deus – que eles entendiam a seu modo.

Na sexta-feira, porém, morrera o último clarão das suas esperanças. O Mestre fora crucificado, e sua promessa de ressuscitar ao terceiro dia não se realizara.

Decepcionados e tristes, abandonaram os dois a capital e iam em demanda de Emaús, uma aldeia ao oeste de Jerusalém, a uns 15 quilômetros de distância.

Iam retomar a sua vida simples de outrora, depois de enterrar o seu sonho dourado dos últimos três anos.

Pelo caminho analisavam os últimos acontecimentos relacionados com o Mestre.

Nisto percebem passos por detrás deles. Alguém se aproximava.

Ensimesmados nas suas dolorosas confidências, calaram-se; não queriam que um estranho se imiscuísse em sua sagrada tristeza. Retardaram o passo para que o estranho passasse adiante e deixasse os dois sozinhos com os seus pesares.

Mas o estranho emparelhou com eles, e, com inesperada sem-cerimônia, se meteu na conversa deles, dizendo: "Que conversas são essas, e por que andais tão tristes?" Calaram-se os dois, um tanto chocados com tanta sem-cerimônia. Por fim, um deles perguntou ao desconhecido: "Serás que tu és o único forasteiro em Jerusalém e ignores o que aconteceu nos últimos dias?" Com o podia alguém ignorá-lo, se em todas as ruas de Jerusalém só se comentava a vida e morte do profeta de Nazaré? "Que foi?" – perguntou o estranho.

Os dois, contra a vontade, se viram obrigados a contar algo do que não queriam dizer; do contrário, não se veriam livres do intruso. Finalmente, disse Cléofas: "Aquilo de Jesus de Nazaré. . . " A palavrinha "aquilo" se referia à morte de Jesus, mas como poderiam eles proferir palavra tão horrível como morte?" Por isto, Cléofas ladeou jeitosamente o doloroso assunto.

Mas o estranho não se deu por achado, e quis saber o que era "aquilo". Então os dois, por bem ou por mal, tiveram de contar-lhe brevemente algo de Jesus de Nazaré, que era um profeta, poderoso em palavras e obras. . .

Calaram-se em dolorosa reticência. . .

Finalmente, um deles prosseguiu: "Os nossos sacerdotes, e magistrados, porém, o condenaram à morte. . . " Nova reticência. "E agora já é o terceiro dia que isto aconteceu. . . " Aqui os dois omitiram tudo que o estranho devia ter ouvido para compreender o resto. Eles deviam ter contado ao desconhecido que o Nazareno havia prometido ressuscitar ao terceiro dia e eles o esperavam, mas nada acontecera. Quando pensamos intensa e dolorosamente, facilmente nos esquecemos de que um estranho não pode ouvir os nossos pensamentos. "É verdade – prosseguiu um dos dois –, algumas mulheres do nosso meio foram ao sepulcro e dizem ter visto uns anjos, mas a ele mesmo não o viram. " De repente, o entranho encarou os dois de frente, parou diante deles e lhes disse na cara: "Ó homens sem critério e vagarosos de coração para compreender tudo isto. " Em vez de condolências, o estranho se atreve a apostrofar os dois com uma censura veemente: Homens sem critério. . . vagarosos de coração. . . Depois, frisando palavra por palavra, acrescentou: "Não devia então o Cristo sofrer tudo isto para entrar em sua glória?" Eles como que despertaram de um pesadelo. Mui de leve lhes ia renascendo a esperança. . .

E o estranho passou por todas as profecias do Antigo Testamento, que falavam da necessidade do sofrimento do Messias para assim entrar em sua glória. Se tudo isto fora predito de Jesus, não era motivo de desespero, mas de esperança.

Nisto chegaram a uma bifurcação do caminho. O estranho fez menção de entrar por outro caminho, despedindo-se dos dois. Esses, porém, não o deixaram; insistiram e quase o forçaram a ir com eles, dizendo: "Fica conosco, porque o dia declinou e já vai anoitecendo. " O estranho aceitou o insistente convide. No princípio, os dois queriam vê-lo pelas costas, e agora, depois de lhes haver feito renascer as esperanças, não o querem largar mais.

Chegaram a Emaús e tomaram uma refeição em casa de um dos dois, continuando a falar no grande profeta de Nazaré. De repente, quando o estranho partia o pão e dava um pedaço a cada um, eles o reconheceram – era Jesus. . .

E neste instante, ele desapareceu.

Os dois voltaram a Jerusalém na mesma noite. Pelo caminho diziam: "Não se nos abrasava o coração, quando ele nos falava? Mas os nossos olhos estavam tolhidos e não podíamos o reconhecer. . . " Em Jerusalém se dirigiram ao Cenáculo, onde os outros discípulos de Jesus estavam reunidos – e também eles o tinham visto redivivo.

Jesus não apresenta o seu sofrimento voluntário como sendo o preço de pagamento dos pecados da humanidade, como ensinam as nossas teologias;

mas refere-se unicamente a um processo ulterior de auto-realização, ou cristificação do seu Jesus humano, processo esse que ele chama "entrada em sua glória", isto é, a entrada numa glória maior do que ele tinha antes da encarnação e do seu sofrimento voluntário. Jesus não fala de um sofrimentodébito, nem para pagamento de débito próprio, nem de débitos alheios; fala somente de um sofrimento-crédito. Pelo sofrimento voluntário aumentou ele seu crédito, a sua evolução superior, a sua glória. O equívoco de um sofrimento-débito pelos pecados da humanidade lembra um contágio do judaísmo antigo, que acreditava na possibilidade de poder alguém ser remido por sangue alheio. Esta crença judaica foi contrabandeada para o cristianismo primitivo por judeu-cristãos.

A "entrada na glória" indica a verdadeira grandeza do Cristo.







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