Triunfo da Vida Sobre a Morte, O
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"MEU DEUS, MEU DEUS, POR QUE ME ABANDONASTE?"
Tão estranhas são estas palavras de Jesus, momentos antes da sua morte, que os teólogos e exegetas de todos os tempos têm tentado dar-lhes outro sentido do que elas têm, quando tomadas ao pé da letra. Como poderia Jesus sentir-se abandonado por Jesus?
Alguns acham que ele teria dito: "Meu Deus, como me glorificaste!" Uma vez que a palavra aramaica "sabakthani" (abandonaste) também poderia significar, com ligeira mudança, "glorificaste".
Em 1948, quando lecionava numa Universidade de Washington, entrei em contato com o Dr. Lamsa, cuja língua materna é o aramaico e que possui o Novo Testamento nesse dialeto hebraico que Jesus falava; e ele me afirmou que o sentido real do termo é mesmo "abandonaste", e não "glorificaste".
Antes de entrarmos na explicação do mistério paradoxal desse "abandono", encaremos o fato estranho de ter Jesus confessado em público, perante amigos e inimigos, esse abandono. Estas palavras são o supremo testemunho da sua autêntica humanidade e da sua absoluta sinceridade. Ele é tão genuinamente humano como é verdadeiramente divino; nele, o "filho do homem" é idêntico ao "filho de Deus". Diz o que sente. Não tem complexos.
Não tem recalques. Não fala com segundas intenções. Não tem medo de confessar em público o que sente em oculto. No Getsêmane, não se acanha de pedir consolação a seus discípulos e lhes confessa que sua alma está "triste até à morte".
No Gólgota, confessa, perante amigos e inimigos, que se sente abandonado de Deus. Que triunfo para seus inimigos! Lá estavam os representantes da sinagoga, quiçá o próprio Caifaz; quando ouviram dos próprios lábios do crucificado a confissão do seu abandono da parte de Deus, devem ter tido um momento de suprema alegria, devem ter dado uma gargalhada de triunfo diabólico, exclamando perante o povo: "Ouvistes o que ele disse? Abandonado por Deus! Rejeitado como Messias! Se ele fosse o Cristo, o filho de Deus vivo, não poderia ser abandonado! Finalmente, no momento supremo, tirou a máscara, confessou a verdade de ser um infame impostor. Deus o abandonou!
Não tínhamos nós razão em declará-lo pseudo-profeta, falso Messias? Acaba de confirmar tudo que já sabíamos". . .
E que desapontamento para seus amigos, João, o discípulo amado; para sua mãe, para sua ardente discípula, Maria Madalena, e as outra almas dedicadas que estavam ao pé da cruz? Ouvirem dos próprios lábios do querido Mestre que Deus o abandonara, no momento supremo da vida. . . Como poderiam crer na sua missão divina, se ele mesmo se confessa rejeitado por Deus?. . . "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?". . .
Com este grito de angustia, desce Jesus ao mais profundo nadir da sua derrota (aparente) – e sobem os seus inimigos ao mais alto zênite da sua aparente vitória.
Quem pode entregar a seus mortais inimigos arma tão mortífera como esta, deve possuir dentro de si infinita segurança de vitória. . . Deve não depender de nenhum testemunho externo, de nenhuma aparência exterior. . . Quem pode fazer desabar sobre sua vida o mundo inteiro, deve ter a certeza de um alicerce eterno fora de todos os mundos. . . Um homem de menos segurança interior deve guardar solicitamente as seguranças exteriores, não pode entregar a seus inimigos a pior arma contra si mesmo, nem pode arrasar a sua reputação perante seus melhores amigos. . . Quem pode confessar-se, em público, abandonado por Deus, deve ter absoluta certeza de que "eu e o Pai somos um", de que "o Pai está em mim e eu estou no Pai". . .
Parece que o Nazareno tem uma fonte imensa de sofrimentos e humilhações e que ele mesmo procura oportunidade para saciar essa fome. Se se sentia abandonado por Deus, não poderia pelo menos calar esse abandono?. . . Não podia deixar de entregar a seus inimigos essa aparente justificação e confirmação de todas as calúnias e infâmias que já haviam espalhado contra ele?. . . Assim, é certo, procederia um homem menos seguro em sua consciência divina. Mas, quem é forte pode arriscar-se a parecer fraco, e quem é sábio pode expor-se à suspeita de ser tolo.
Mas, como explicar esse abandono de Jesus?
Difícil será a resposta para os nossos teólogos e exegetas que, como os seus colegas da sinagoga de Israel, não sabiam distinguir entre o ego humano de Jesus e o Cristo divino do eterno Lógos, o Verbo, que se fez carne na pessoa do filho de Maria. Par aqueles, porém, que, durante esses quase dois milênios, aprenderam alguma coisa, não é difícil a resposta.
Quem é que se sente abandonado? Evidentemente, não o divino Lógos, que é Deus, mas sim o humano Jesus, que embora permeado da luz do Cristo, podia sofrer eclipses momentâneos, como se vê pelas palavras do Getsêmane, e agora por seu angustioso brado nas alturas do Gólgota. Havia intermitência, oscilações de luz na pessoa humana de Jesus, momentos em que a consciência divina do Cristo sofria diminuição de intensidade.
O ego humano de Jesus – corporal, mental, emocional – sofria essas oscilações, esses altos e baixos, essas marés e vazantes, o que confirma a sua genuína natureza humana, não destruída pelo espírito divino do Lógos que "ungiu" [4] ou penetrou essa humana substância do Nazareno.
É possivel que um homem tenha plena certeza espiritual de que está em perfeita harmonia com Deus, que, nas profundezas do seu centro eterno, seu divino Eu, ele seja querido de Deus e seguramente salvo e feliz – e que, ao mesmo tempo, na zona emocional do seu ego humano, ele sinta dolorosa tristeza e lancinante angústia. É o que aparece dramaticamente, por exemplo, na vida de Paulo, de Agostinho, de João da Cruz, de Teresa de Ávila (chamada "de Jesus") e de muitos outros.
Isto mesmo aconteceu também a Jesus, antes de ele "entrar em sua glória";
devia ele "sofre tudo isto". . .
Nas profundezas do seu oceano divino reinava perfeita calma, mas na superfície da sua natureza humana rugiam tempestades, encapelando as águas, cobrindo de brancas espumas toda a extensão da superfície, de praia a praia. Erguia-se ao céu, a imóvel vertical da sua consciência divina, enquanto a movediça horizontal dos seus sentimentos humanos ziguezagueava em todas as direções.
Logo após essa curva de abandono emocional, prevalece outra vez, a grande reta da segurança espiritual, quando o crucificado diz: "Está consumado. . . Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito". . .
Passou a ligeira nuvem que encobrira a face do sol, e torna a luz solar a brilhar em sua eterna claridade, depois dum ligeiro eclipse. . .
Em outros homens, há momentâneos lampejos de luz no meio duma vasta noite de trevas – em Jesus há uns rápidos eclipses sombrios no meio dum permanente dia de luz divina. . . Ele, por ser o "filho do homem", não deixa de ser o "filho de Deus". Ele é tão divinamente humano como é humanamente divino. . .
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