Lira Imortal

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Capítulo XV

O doce missionário

Sertão hostil. Agreste serrania.

Tendo por companhia

A cruz do Nazareno, humilde e solitário,

Ali vivia Anchieta, o doce missionário,

Carinhoso pastor, espelho de bondade,

Abençoando o bem, perdoando a maldade,

Servo amado de Deus, imitador de Assis,

Que na humildade achara a vida mais feliz


Naquele dia,

Era intenso o calor.

Ninguém. Nem uma sombra se movia.

Tudo era languidez, desânimo e torpor.


Além se divisava a solidão da estrada,

Amarela de pó, tristonha e desolada.

Na clareira, onde o sol feria os vegetais,

Viam-se florescer bromélias e boninas

E, elevando-se aos céus, esguios espinhais,

Implorando piedade às amplidões divinas…


Eis que o irmão de Jesus, o humilde pegureiro

Avista um mensageiro.

Dirige-se-lhe à casa,

Pisando vagaroso o chão que o sol abrasa.


— “Meu protetor, diz ele: o bom pajé,

Convertido por vós à luz da vossa fé,

Que tem oferecido a Deus o seu amor,

Agoniza na taba, ao longe, em aflição,

Ele espera de vós a paz do coração

E implora lhe leveis a bênção do Senhor”.


— “Oh! doce filho meu, que vindes de passagem,

Que Jesus vos ampare ao termo da viagem…”


E, isso dizendo, o pastor, prestamente

Toma da humilde cruz do Mártir do Calvário,

Abandonando o ninho agreste e solitário,

Para arrancar da dor o pobre penitente.

Há solidão na estrada,

Ferem-lhe os pés as pontas dos espinhos.

Que penosa jornada,

Em tão rudes e aspérrimos caminhos!…

Pairam no ar excessos de calor,

Nem árvores com sombras e nem fontes,

Somente o sol ferino destruidor,

Que calcina, inflamando os horizontes.

Eis que a sede o devora;

Entretanto, o pastor não se deplora;

A terna e meiga efígie de Jesus,

É-lhe paz e alimento, amparo e luz.


Numa férvida prece,

Ele inda agradece:


— “Sê bendito, Senhor, por tudo o que nos dás,

Seja alegria ou dor, tudo é ventura e paz.

Eu vejo-te no alvor das manhãs harmoniosas,

No azulíneo do céu, no cálice das rosas,

Na corola de luz de todas as florinhas,

No canto, todo amor, das meigas avezinhas,

Na estação outonal, na loura primavera,

No coração do bom, que te ama e te venera,

Nas vibrações dos sons, na irradiação da luz,

Na dor, no sofrimento, em nossa própria cruz…

Tudo vive a mostrar tua pródiga bondade,

Eterno Pai de amor, de luz e caridade.

Abençoados são o inverno que traz frio

E os calores do sol nas estações do estio…”


Terminando a sorrir a espontânea oração,

Inspirada na fé de santa devoção,

Anchieta escuta em torno os mais sutis rumores.


Eis que nos arredores,

Congregam-se apressadas

Todas as avezinhas


E, asas aconchegadas,

Juntinhas,

Numa ideal combinação

Formam um pálio protetor

Cobrindo o doce irmão

Que ia ofertar amor,

Luz e consolação

Em nome do Senhor.


Pelos caminhos,

Foi-se aumentando

O meigo bando

Dos bondosos e ternos passarinhos,

Aureolando com amor o Discípulo Amado,

Modesto, casto, humilde e isento de pecado,

Que ia seguindo,

Lábios sorrindo,

Em meiga mansuetude.

O enviado do bem e da virtude

Agradecia ao céu, o coração em luz,

Evolando-se puro ao seio de Jesus.


Chegara ao seu destino. Ia caindo o dia…

No poente de paz e de harmonia,

Brilhava nova luz, feita de crença e amor:

Era a bênção dos céus, a bênção do Senhor…




Augusto de Lima
Francisco Cândido Xavier

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