Lira Imortal

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Capítulo XXXIII

Alma escrava

“Por que, meu Deus, a carne inda me prende,

Por que me arrasto como um triste duende,

Em miserabilíssimos despojos?…

Era o ser encarnado que falava,

Amarguradas queixas da alma escrava,

No mais horrendo dos martirológios.


“— Como pude descer nos labirintos,

Onde os lobos vorazes dos instintos

Nos consomem nos dentes de esfaimados,

E por que idealizando puros gozos,

Busco na carne abismos tenebrosos,

Abominando todos os pecados?”


“Sou no mundo um fantasma solitário,

Só porque, um dia, um espermatozoário

Uniu-se, ansioso, ao óvulo fecundo.

E emergindo das ânsias e dos partos,

Suguei, unindo a boca a uns seios fartos,

Substâncias misérrimas do mundo…”


“Desde esse dia tormentoso e aflito

De intensa dor, envergo o sambenito

De matérias iguais aos polipeiros,

Entre as disposições hereditárias,

Chorando as mesmas dores milenárias

Dos que gemeram nestes cativeiros!…”


Nada, contudo, lhe respondeu, de perto…

A alma, porém, sozinha, no deserto,

Viu sobre o mundo um monte de destroços;

Sentiu, no Além, a vida verdadeira,

Mas contemplando, pela Terra inteira,

A carne infame, chocalhando os ossos!…




Augusto dos Anjos
Francisco Cândido Xavier

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