Primícias do Reino
Versão para cópiaNICODEMOS, O AMIGO
O plenilúnio vestia Jerusalém de prata. [12] A torre Antônia, altaneira ao lado do Templo, parecia um vigia de pedra assestado sobre a cidade dos profetas, observando os movimentos suspeitos em toda parte. . .
Fora dos muros circunjacentes, as terras de Acra e Bezeta estuavam de verdor, carreando o vento frio na direção da urbe em repouso.
No Templo deserto, a essa hora da noite, crepitam as chamas da perpétua vigília.
Transeuntes noctívagos conduzem archotes, embora a claridade de Celene espalhada sobre o basalto do piso.
As casas, de portas cerradas, estão mergulhadas em profundo silêncio.
Jesus, em casa de amigos, espera.
Aquela entrevista, Ele a concedera prazerosamente, sem qualquer impedimento. Recebera a solicitação e, como se a desejasse, aquiescera generoso.
Àqueles dias, enquanto visitava Jerusalém, preparava os acepipes para o banquete do dia esperado, a que sempre se reportava.
Às vésperas, estivera no Templo vilmente convertido em balcão de usura.
Tomara enérgicas atitudes, enquanto os vendilhões se puseram de pé como que ultrajados. . . ultrajados pela Verdade.
Setenta eram os doutores da Lei, escolhidos em Israel entre os letrados e os de ascendência nobre.
Nicodemos [13] era dos mais jovens entre os respeitáveis mestres, que desfrutavam o privilégio de ocupara alta Corte do Sinédrio.
Fariseu, além de ser doutor da Lei, era chefe dos judeus.
Sequioso da verdade, não se contentava com as velhas fórmulas da exegese religiosa e sentia, depois daqueles tormentosos séculos em que Israel se vira privada de revelações, que algo de estranho e grandioso pairava no ar.
De caráter nobre, era severo na interpretação da Lei e zeloso cumpridor dos deveres.
Sentia que em todo lugar havia ânsia incontida de renovação.
Surgiam notícias, exageradas algumas, viáveis outras, de profetas novos que insuflavam nas massas infelizes robustez de ânimo, coragem e esperança.
Ouvira falar de João, o pregador itinerante do Jordão, mas receara ir vê-lo.
Sabia que seu verbo quente e apaixonado poderia situá-lo mal entre seus pares, em Jerusalém.
A cidade era um covil de espiões, o que o amargurava cruelmente.
Digladiavam-se quase publicamente Anás e Caifás, sogro e genro, respectivamente, que disputavam supremacia, e a rede de intrigas espalhava suas malhas em toda parte; Herodes aliciava milicianos, que se misturavam ao povo, disfarçados em todos os recintos, e Roma vigiava dominadora. . .
Desejava a verdade, não a ponto de prejudicar-se na posição que desfrutava.
Soubera de Jesus.
O Messias, de Quem ouvia falar, parecia atraí-lo vigorosamente.
Tivera contato com muitos daqueles que o conheciam, beneficiários de Seu socorro.
Fora informado sobre o conteúdo novo e revigorador dos Seus discursos.
Aguardava, desde há muito, alguém que possuísse os evidentes sinais de coragem e equilíbrio, do destemor e discernimento como um excelente filho de Deus para conduzir o povo sofrido de Israel e esclarecer as mentes apanagiadas pelo rigorismo da aplicação da Lei ou ludibriadas pela usurpação dos bens de órfãos e viúvas, trocados por falsas orações, em criminosas maquinações às quais se entregavam.
Ele estava em Jerusalém. . .
Ia recebê-lO; ouvi-lO-ia.
A entrevista estava marcada para altas horas da noite. Seria mais discreto.
Um amigo o levaria ao lar de outro amigo comum, onde Ele pernoitava, no vale do Cédron, além dos muros. . .
Quando chegou à casa, conduzido por devotado discípulo d’Ele, e O viu, não pôde dominar a emoção que o assaltou de chofre.
Experimentou a impressão de conhecê-lO.
Também Ele parecia identificá-lo cordialmente, como se o conhecesse e esperasse o encontro.
Num átimo de minuto, procurou recordar, no coração, onde O vira, quando O encontrara. Foi inútil.
Na acústica da mente parecia ouvi-lO dizer: eu te conheço, Nicodemos bar Nicodemo, desde antes. . .
Recompôs-se, ligeiro, dominando as emoções e predispôs-se à entrevista.
O largo alpendre, com latadas floridas, deixava divisar os muros de Jerusalém adormecida.
A noite sonhadora e estrelada prateava os campos ondulantes ao vento jornaleiro.
A sala iluminada por lâmpadas de óleo crepitante agasalhava os dois hóspedes a se defrontarem, silenciosos.
Em Nicodemos a expectativa é imensurável. De Espírito arrebatado, conhecia as glórias mundanas e saturara-se da bajulação.
Representava a Humanidade inquieta, instável, ansiosa.
Jesus personificava a paz. Sereno, auscultava o amigo que fora interrogá-lO.
Eram bem dois mundos distintos. . .
Sem mais poder dominar o corcel das emoções desordenadas, o Doutor da Lei indagou:
— Rabi, bem sabemos que és Mestre vindo de Deus; porque ninguém pode fazer esses sinais que Tu fazes, se Deus não for com ele.
A face do Mestre, coroada pelos cabelos encaracolados e caídos sobre os ombros, parecia transfigurada. Os olhos brilhavam com estranho e claro fulgor,
— Que desejas de mim? —, perguntou Jesus.
— Que é mister fazer — retrucou, emocionado, o fariseu —para fruir das excelsitudes da paz com a mente reta e o coração tranquilo?
. . . e depois, gozar as delícias do Reino?
Há quanto tempo a pergunta lhe queimava o pensamento?!
Desejava o roteiro, mas temia encontrá-lo.
Gostaria de saber a verdade, e receava conhecê-la.
A verdade fora a razão da sua busca incessante, mas não ignorava que, conhecê-la, era morrer para todas as ilusões, suportando o fardo opressor das incompreensões e lutas, de Espírito firme nos alicerces do seu conhecimento.
Vendo o Mestre, e impregnando-se do Seu magnetismo, sentia ser aquele o momento decisivo de toda a sua existência.
Aguardava a resposta. Começaria a viver, morrendo para tudo quanto reunira na vida. . .
As interrogações quedavam na sala.
Sentindo aquele homem de Espírito nobre, perdido nos dédalos das convenções, asfixiado pelas exterioridades enganosas, o Rabi respondeu:
— Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o Reino de Deus. . .
A resposta era complexa e profunda.
Que seria "nascer de novo"? -, pensou, e sem cobrar fôlego, interveio:
— Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura, pode tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?
O Mestre fitou-o demoradamente.
Nicodemos sentiu-se embaraçado.
— Quando me refiro a nascer de novo prosseguiu o Rabi — desejo elucidar quanto à necessidade de nascer da água e do Espírito O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é Espírito. Não te maravilhes de te ter dito: necessário te é nascer de novo. O Espírito sopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito.
Estranha informação.
Nicodemos pensa: então os Esseus estavam informados quanto ao Reino de Deus? Também eles falavam, como os Antigos e a Tradição, a respeito dos renascimentos.
Sabia que, nos mistérios egípcios, além da metempsicose com que se ameaçavam os maus, os sacerdotes falavam aos iniciados sobre os diversos Avatares do Espírito para se despojarem dos crimes e das imperfeições. Seria, então, esse "nascer de novo" igual ao da doutrina das vidas sucessivas a que se reportavam os hindus e os gregos?
Parecia-lhe lógica a necessidade de renascer. Pagar numa vida os débitos angariados noutra. Refazer o caminho percorrido, retificando erros, corrigindo arestas.
Não podia, no entanto, perder-se em cismas.
Como se despertasse do ensinamento, indagou, procurando robustecimento:
— Como pode ser isso?
— Es Mestre em Israel — retorquiu Jesus — e não sabes isto?
Todos os que compulsam os velhos pergaminhos conhecem a trilha da evolução. "Dizemos o que sabemos, e testificamos o que vimos; e não aceitais o nosso testemunho. " Essas são informações do currículo terreno. Outras poderia dizê-las, celestiais, mas não as compreenderias. O Espírito é imperecível, e na sua jornada infinita estaciona para refletir e recomeça para ascender. Os compromissos não regularizados ou complicados hoje, amanhã serão ressarcidos. . .
A emoção vibrava nos lábios do Rabi.
Era quase um monólogo.
Talvez Ele estivesse falando à Humanidade inteira.
Desejando imprimir no ouvinte perplexo e atento a diretriz de segurança e identificando-se como o Enviado, prosseguiu:
— Ninguém (da Terra) subiu ao Céu, senão o que desceu do Céu, o Filho do Homem, que está no Céu. E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado, para que todo aquele que n
`Ele crê, tenha a vida futura. . .
Que desejava Ele dizer com "a serpente"? Salomão a ela se referia como símbolo de sacrifício, - pensou Nicodemos.
Seria necessário que o Rabi fosse sacrificado para que a verdade se espalhasse nos corações e os homens a pudessem identificar?
Percebeu intimamente que já O amava e surda preocupação começou a assomar-lhe à mente.
Nicodemos tinha os olhos nublados.
O Rabi estava de pé.
A sala ampla mergulhou em silêncio.
Os astros fulguravam ao longe.
A entrevista estava concluída.
Nicodemos fitou o Mestre banhado de prata. Despediu-se e, embrulhado no fez, desapareceu na noite, rumando para Jerusalém.
A verdade ficaria abrindo rotas nas mentes e guiando Espíritos.
A Doutrina das Vidas Sucessivas fora ensinada por Jesus. A reencarnação decifraria os enigmas da vida pelos tempos do porvir.
João, emocionado com a entrevista reveladora, alonga comentários com o Mestre, na noite sublime, e escreverá sobre a vinda do Filho do Homem. Reconhecido, talvez, a Nicodemos, a quem guarda na mente, a ele se referirá, mais tarde, após o sacrifício da cruz. . .
O Evangelho anunciava, através do diálogo com Nicodemos, o amigo que buscara Jesus, a excelência da revelação. Já não há dúvidas.
No zimbório em sombras o alcatifado dos astros refulgentes, e na Terra sombria aquele que é "a Luz do Mundo", rutilando a verdade nos corações.
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João 3:14
E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado;
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João 3:4
Disse-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? porventura pode tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?
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João 3:3
Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.
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João 3:8
O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz; mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito.
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João 3:2
Este foi ter de noite com Jesus, e disse-lhe: Rabi, bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus: porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com ele.
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João 3:6
O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito.
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João 3:7
Não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo.
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João 3:9
Nicodemos respondeu, e disse-lhe: Como pode ser isso?
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João 3:10
Jesus respondeu, e disse-lhe: Tu és mestre de Israel, e não sabes isto?
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João 3:11
Na verdade, na verdade te digo que nós dizemos o que sabemos e testificamos o que vimos; e não aceitais o nosso testemunho.
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João 3:13
Ora ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do homem, que está no céu.
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