Palavras do Infinito

Versão para cópia

Dois sonetos de Hermes Fontes

Não me bastou, Senhor, velar atento

A misteriosa luz com que, à procura

De um luminoso céu em miniatura,

Vivi sonhando em meu deslumbramento!


Dentro do meu ideal supus, que, isento

De toda a dor, de toda a mágoa obscura,

Alcançasse o castelo da Ventura

Na glorificação do Pensamento.


Mas, ai de mim! meu barco pequenino

Perdeu-se em meio à torva tempestade

Sem divisar a luz de qualquer porto;


E as minhas esperanças de menino

E os anelos de amor e mocidade

Naufragaram no grande desconforto.




SONHO INÚTIL

Em minha juventude estive à espera

De um malogrado sonho superior.

Esperança divina que eu quisera

Ver aureolada, por um grande amor!


Mas não pude esperar quanto devera

Nos carreiros aspérrimos da dor,

Sem fé, que era aos meus olhos a quimera

Do pensamento mistificador.


Meu erro foi descrer, porque, deserto

O coração, somente acreditei

Na Morte, o grande abismo, o nada incerto!…


Oh! o maior dos enganos perpetrados!

Pois no meu sonho altíssimo de rei

Achei a dor dos grandes condenados!




(Versos recebidos em Pedro Leopoldo a 22 de maio de 1935)



Hermes Fontes
Francisco Cândido Xavier

Apresentação

A reedição do livro Palavras do Infinito encontra natural explicação no rápido escoamento que tiveram os cinco mil exemplares da publicação anterior, cujos pedidos vindos de toda a parte, denotaram o interesse dos que leem pelas coisas da espiritualidade.

Muito a animou também, concorrendo para a nova tiragem, a boa vontade do digno confrade Francisco Cândido Xavier, a cuja mediunidade e solicitude se devem estas encantadoras comunicações, enviando-nos mais crônicas, mensagens e alguns versos inéditos que tanto ilustram e exortam esta segunda edição.

Humberto de Campos, graças à infinita bondade do Criador, continua a escrever para os “que ficaram”, fazendo-o aliás com a irrecusável autoridade de repórter verdadeiro e sobretudo insuspeito para tratar de assuntos do Além, pois, tivesse ele sido, na Terra, espírita praticante, não faltariam opositores fanáticos que viessem refutar os luminosos conselhos que manda às almas encarceradas sobre a “face nevoenta” do planeta com o objetivo de edificá-las para a vida eterna no apostolado do trabalho e da dor.

O humilde psicógrafo Francisco Cândido Xavier com tais produções vem, mais uma vez, firmar os foros justíssimos que goza de médium assombroso, legítimo expoente da fenomenologia espírita, vaso escolhido do Senhor para a grandiosa missão de provar, sob aspecto estritamente intelectual, a sobrevivência do ser e a imortalidade da alma humana.

E essa prova incontrastável aqui está. Contra ela pode levantar-se o “argumento dubitativo”, mas a hipótese única que a explica é a do Evangelho, pela Ressurreição de Jesus, sobre a qual se assenta todo o edifício moral, filosófico e científico do Espiritismo.

Mais abundante, copiosa, imensa, entretanto, ela se nos depara no “Parnaso de Além-Túmulo”, onde o moço de instrução rudimentar, que vive pobre e triste na sua pequena vila de Pedro Leopoldo, sem biblioteca e sem professor, consegue captar produções de trinta e dois poetas, brasileiros e portugueses, figurando entre eles nomes gloriosos, como Artur Azevedo, Batista Cepelos, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Emílio de Menezes, Fagundes Varela, Hermes Fontes, Olavo Bilac, Raimundo Correia, Antero de Quental, Antônio Nobre, Augusto dos Anjos, Guerra Junqueiro, João de Deus, Júlio Diniz, D. Pedro de Alcântara e tantos mais. Ler este livro surpreendente, maravilhoso, e porque não dize-lo, comovedor, é verificar 190 produções psicográficas de Chico Xavier, das quais 118 sonetos magistrais num total de 6.538 versos! É realmente admirável a farta messe de poesias e prosa com que o Além concorre para provar aos homens que todos os poetas escritores falecidos, sem distinção, são imortais porque são todos acadêmicos do Grand Trianon, vivendo, sentindo, amando e pensando “sem miolos na cabeça…”

O que mais empolga nessas produções não é só o estilo mas a perfeita identidade literária dos autores, estilo e identidade que se vislumbram quer na cadência do verso, quer na forma, quer na ideia ou no fundo filosófico.

João Ribeiro, citado por Manuel Quintão, “mestre que tal se fez, indene de rabularias acadêmicas”, ao referir-se ao “Parnaso” disse que o médium não atraiçoara nem um dos poetas.


Estas considerações à guisa de apresentação do folheto já vão excedendo o limite razoável. Antes porém de concluir é nosso desejo agradecer a Humberto de Campos, a Humberto espírito e coração imortais, a bondade com que atendeu à solicitação que lhe fizemos para prefaciar as “Palavras do Infinito”, e o nosso agradecimento é tão mais profundo quão extraordinariamente belo e edificante é o prefácio do saudoso escritor patrício. Possam as suas crônicas e bem assim as poesias e mensagens contidas neste opúsculo tocar os corações endurecidos e levar, a quantos o lerem, o doce orvalho da Fé, abrindo-lhes o entendimento para a compreensão da imortalidade e certeza da sobrevivência.



São Paulo, 3 de outubro de 1936.



Edição comemorativa do 30.° aniversário — Este prefácio foi redigido para a 2ª edição impressa em 1936. — Nota da Editora.


João Batista Pereira — Presidente da Sociedade de Metapsíquica de São Paulo. (Vide início do prefácio de Humberto de Campos — .)



J. B. n
Francisco Cândido Xavier

A palavra dos “mortos”


Temas Relacionados:

Pedem de São Paulo a colaboração humilde do meu esforço para a apresentação de “Palavras do Infinito” que a abnegação de um grupo de espiritistas da Sociedade de Metapsíquica do grande Estado, tendo à frente o eminente amigo Dr. João Batista Pereira, vai lançar à publicidade com o objetivo de fornecer gratuitamente, com a mensagem dos mortos, um consolo aos tristes, uma esperança aos desafortunados e um raio de claridade aos que naufragam, desesperados, na noite escura da dúvida e da descrença em meio às borrascas do oceano tempestuoso da vida.


Existem poucas probabilidades de eficácia no esforço dos mortos em favor da regeneração da sociedade dos vivos. Contudo as atividades de ordem espiritualista, na atualidade do mundo, constituem a derradeira esperança da civilização. Sou agora dos que veem de perto o trabalho intenso das coletividades invisíveis pelo progresso humano; sinto ao meu lado a vibração luminosa do pensamento orientador das sentinelas avançadas de outras esferas da evolução e do conhecimento e reconheço que somente das concepções cristãs do moderno Espiritualismo poderá nascer o novo dia da Humanidade. E embora a negação sistemática dos homens diante dessas realidades consoladoras, os túmulos vêm deixando escapar os seus profundos e maravilhosos segredos, falando a sua palavra tocada de conforto e de claridades sobrenaturais.


Na antiguidade egípcia, figurava-se o santuário da verdade ao fim de uma estrada sinuosa, rodeada de esfinges, representando os enigmas das suas essências profundas; e no seu estranho simbolismo essas imagens constituíam as esfinges da Morte, cujos umbrais de silêncio e de treva a Vida jamais poderia transpor para solucionar os problemas inextricáveis dos destinos e dos seres. O tempo, todavia, modificou a mentalidade humana, adaptando-a para um conhecimento melhor de si mesma. Em meados do século passado, quando o materialismo atingia as suas cumeadas, na expressão filosófica dos pregoeiros e expositores, eis que os mortos voltam a confabular com os vivos sobre a sua maravilhosa ressurreição. A esperança volta a felicitar a mansarda dos pobres e o coração dos oprimidos na prodigiosa perspectiva da imortalidade através de todos os mundos e os desencarnados, num heroísmo supremo, volvem aos centros de estudos e aos gabinetes dos sábios com a lição piedosa das suas experiências.


Não obstante a arrancada gloriosa dos que já haviam partido das substâncias podres da Terra para as esferas luminosas do Céu, tentando, com os seus exércitos de arcanjos, reorganizar a sociedade humana, restaurando os alicerces do Cristianismo, poucos foram aqueles que ouviram as suas trombetas ecoando no vale das lágrimas e das provações. Diante desse fenômeno universal, a religião não pôde volver dos seus interesses e da sua intransigência para identificar a espiritualidade dos seus santos e dos seus antigos reformadores; a ciência acadêmica, por sua vez, conserva-se de guarda ao seu passado e com as suas conquistas de ontem presume-se na posse da sabedoria culminante. Entretanto o dogmatismo é incompatível com o progresso, e todas as concepções científicas de cada século se caracterizam pela sua instabilidade, porque os olhos da carne não veem o que existe. Nenhuma teoria pode explicar a vida à base exclusivista da matéria. Todos os fenômenos mecânicos do Universo obedecem a uma força inteligente e nada existe de real diante da visão apoucada dos homens, porque as verdades profundas se lhes conservam invisíveis.


Os movimentos planetários, os turbilhões atômicos no complexo de todas as coisas tangíveis, inclusive o seu próprio corpo, o mistério da força, os enigmas da aglutinação molecular, o segredo da atração, a identidade substancial da energia e da matéria, que nunca se encontram separadas uma da outra, não se mostram aos olhos humanos dentro da sua transcendência e da sua grandeza. Todo átomo de matéria tem a sua gênese no átomo invisível, de natureza psíquica. Raios impalpáveis e ocultos trazem a vida e trazem a morte. E o homem, na sua ignorância presumida, mal se apercebe de que é o fantasma cambaleante de Édipo, vivendo na zona limitada do seu livre arbítrio, mas submetido às leis de bronze do destino e da dor, cujas atividades objetivam o aprimoramento de sua personalidade; apesar da sua vaidade e do seu orgulho, todas as suas glórias materiais caminham para a morte. Nietzsche arquiteta com Zaratustra a filosofia do homem superior para cair aniquilado sob o seu próprio infortúnio. Napoleão, depois das lutas prestigiosas que lhe granjearam a admiração universal, recolhe-se em Santa Helena para meditar nas célebres sentenças do Eclesiastes. Édison, após encher de conforto as cidades modernas com a sua imaginação criadora, sente o esgotamento de suas forças físicas para aguardar o gume afiado da morte. Os homens, com todos os pergaminhos de suas conquistas, viverão sempre no círculo de suas fraquezas e de suas misérias, enquanto não se voltarem para o lado espiritual do Sofrimento e da Vida.


A manifestação das atividades dos mortos não lhes tem fornecido as conclusões de ordem moral que se fazem necessárias ao aperfeiçoamento coletivo; com algumas honrosas exceções, despertou apenas o sentimento de suas análises, nem sempre orientadas no propósito de saber, para serem filhas intempestivas das vaidades pessoais de cada um. Disse Ingenieros nos seus estudos psicológicos, que a história da civilização representa apenas o desenvolvimento da curiosidade humana. Se isso é um fato incontestável, não é menos verdade que essa sede de revelações deve possuir uma bússola espiritual nas suas longas e acuradas perquirições do invisível. Muita experiência trouxe do mundo para acreditar que as teorias, só por si, possam operar a salvação da humanidade. Elas constituem apenas o roteiro de sua marcha onde os espíritos de boa vontade vão conhecer o caminho. São acessórios do seu esclarecimento sem representarem a compreensão em si mesmas. Toda a civilização ocidental fundou-se à base do Cristianismo; todavia o que menos se vê, no seu fausto e na sua grandeza, é o amor e a piedade do Crucificado. A atualidade está cheia de exemplos dolorosos. Povos considerados cristãos preparam-se afanosamente para as lutas fratricidas. A Liga das Nações, que alimentava o sonho da paz universal está hoje quase reduzida a uma abstração de ideólogos. A Itália e Alemanha expansionistas empunham a espada do arrasamento e da destruição. Ainda agora o general Ludendhorf acaba de entregar à publicidade o seu livro terrível sobre a guerra total.


A crença e a fé não procedem de combinações teóricas ou do malabarismo das palavras e dos raciocínios. É no trabalho e na dor que se processam e se afinam. Para a fé não há melhor símbolo que o toque de Moisés sobre as rochas adustas, fazendo brotar o lençol líquido das águas claras da vida. Só a dor pode tocar o coração empedernido dos homens e é por isso que a lição dos mortos servirá somente para constituir a base nova da sociologia de amanhã. A fé, por enquanto, continuará como patrimônio dos corações que foram tocados pela graça do sofrimento. Tesouro da imortalidade, seria o ideal da felicidade humana se todos os homens o conquistassem, mesmo nos desertos tristes da Terra.


Um grande astrônomo francês, inquirido sobre as recompensas do Céu, acentuou:

“Mesmo aqui podem as criaturas receber as recompensas do paraíso. O Céu é o infinito e a Terra é uma das pátrias da Imensidade; todos os homens, portanto, são cidadãos celestes. É aqui, na superfície triste do mundo, que as almas realizam a aquisição de suas felicidades. Estamos em pleno céu e em toda a parte veremos cada um receber segundo as suas obras…”


Sobre as frontes orgulhosas dos homens pairam os órgãos invisíveis de uma justiça imanente e sobre a Terra pode o Espírito fazer jus aos prêmios do Alto. A crença, com os seus esplendores subjetivos, é um desses maravilhosos tesouros.

Que as palavras do infinito se derramem sobre o entendimento das criaturas; cooperando com a dor, elas descobrirão para o homem as grandezas ocultas de sua própria alma, a fim de que ele aceite, em seu próprio benefício, as realidades confortadoras da sobrevivência. A voz do Além pode ficar incompreendida, mas os mortos continuarão a falar para os vivos, comandados à ordem de Alguém, que está acima das opiniões de todos os cientistas e escritores, encarnados e desencarnados. Foi a piedade de Jesus que abriu as cortinas que velavam os mistérios escuros e tristes da morte e o Divino Jardineiro conhece o terreno fecundo onde germinam as sementes do seu amor.

Os homens aprenderão à custa das suas dores, com todo o fardo de suas misérias e de suas fraquezas e as palavras do infinito cairão sobre eles como a chuva de favores do Alto. Que elas se espalhem nos corações e nas almas, porque cada uma traz consigo a claridade de um sol e a doçura de uma bênção.


(.Irmão X)

(Recebida em Pedro Leopoldo a 27 de março de 1935)



Humberto de Campos
Francisco Cândido Xavier

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