Parnaso de além-túmulo

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À guisa de prefácio


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A teoria, tanto quanto a prática espírita, apresenta aos leigos e inscientes, aspectos e modismos inéditos, imprevistos, bizarros, surpreendentes.

Nos domínios da mediunidade, então, o reservatório de surpresas parece inesgotável e desconcerta, e surpreende até os observadores mais argutos e avisados.

Se fôssemos minudenciar, escarificar o assunto até às mais profundas raízes, poderíamos concluir que o comércio de encarnados e desencarnados, velho quanto o mundo, se indicia mais ou menos latente ou ostensivo, em todos os atos e feitos da Humanidade.

Inspirações, ideias súbitas ou pervicazes, sonhos, premonições e atos havidos por espontâneos e propriamente naturais, radicam muito e mais na influenciação dos Espíritos que nos cercam — por força e derivativo da mesma lei de afinidade incoercível no plano físico, quanto no psíquico — do que a muitos poderia parecer.

E assim como se não desloca nem se precipita, isoladamente, um átomo no concerto sideral dos mundos infinitos, assim também não há pensamento, ideia, sentimento, isolados no conceito consciencial dos seres inteligentes, que atualizam e vivificam o pensamento divino, em ascese indefinida — semper ascendens

É o que fazia dizer a Luísa Michel: «um ser que morre, uma folha que cai, um mundo que desaparece, não são, nas harmonias eternas, mais que um silêncio necessário a um ritmo que não conhecemos ainda».

Mas, não há daí concluir que a criatura humana se reduza à condição de autômato, sem vontade e sem arbítrio, porque nada à revelia da Lei se verifica; e no jogo dessa atuação constante, o ascendente dos desencarnados não vai além das lindes assinadas pela Providência; não ultrapassa, jamais, a capacidade receptiva do percipiente, seja para o bem, seja para o mal.


Não é, contudo, desse mediunismo sutil, intrínseco, consubstancial à natureza humana, que importa tratar aqui.

Nem remontaríamos aos filões da História para considerar-lhe a identidade nos templos da Índia, do Egito, da Grécia, das Gálias e de Roma, em trânsito para a Idade Média na qual os médiuns eram imolados ao mais estúpido dos fanatismos — o religioso. Hoje, fogueira e potro foram substituídos pela difamação, pelo ridículo alvar, pago em boa espécie monetária, ou ainda pelo cerco caviloso e interditório de quaisquer vantagens sociais.

A luta tornou-se incruenta, mas, nem por isso, menos áspera e porfiosa.

Assoalha-se que a mediunidade é fonte de mercantilismo: entretanto, nenhum grande médium, que o saibamos, chegou a acumular fortuna e rendimentos.

Muitos, ao invés, quais Home, Slade, Eusápia e d’Esperance, morreram paupérrimos e, o que mais é, tendo a panejar-lhes a memória o labéu de charlatães.

Mas houvesse de fato esse mercantilismo e nunca se justificaria, senão por abusivo e espúrio, de vez que a Doutrina o não autoriza, sequer por hipótese.

Porque, na verdade assim se escreve a História e o maior dos médiuns, o Médium de Deus, só escapou ao estigma da posteridade pela porta escusa do concílio de Niceia, numa divinização acomodatícia e rendosa ao formigamento parasitário e onímodo dos Constantinos que, ainda hoje, lhe exploram os feitos e o nome augusto, com bulas políticas de vulpina retórica, factícios pruridos de grosseira mistificação, em bonzolatrias de cimento armado.

Entretanto como a confirmar a tradição — «os santos Apóstolos foram, em sua maioria, humildes pescadores» — e não só a tradição como a sentença de que os últimos seriam os primeiros —, não vêm hoje os vexilários da Verdade traze-la aos magnatas da Terra, aos príncipes dos sacerdotes, escribas e fariseus hodiernos, disputantes à compita da magnífica carapuça a eles talhada e ajustada, de vinte séculos, no Capítulo XXIII de Mateus.

Ao contrário, esses esculcas do Além parece preferirem os operários modestos, modestos e rústicos, rústicos e bons, como tão sutilmente os define o Eça em magistral mensagem:

“Tipos originais, mãos calosas que se entregam aos rudes trabalhos braçais, a fazerem a literatura do além-túmulo; homens a que Tartufo chama bruxos e Esculápio qualifica de basbaques, mistificadores, ou simples casos patológicos a estudar”…

É verdade tudo isso; mas, convenhamos, também o é para maior glória de Deus.

Não ignoramos que homens de alta cultura e renome científico têm versado o assunto, investigado, perquirido e proclamado a verdade, acima e além das conveniências e preconceitos políticos, científicos, religiosos. Nomeá-los aqui, seria fastidioso quanto inútil.

O vulgo que não lê, ou que lê pela cartilha do Sr. vigário nos conselhos privados da família beata, não deitaria os seráficos olhares a estas páginas e seguiria clamoroso ou contente, de qualquer forma inconsciente, — infinitus stultorum numerus — a derrota do seu calvário, no melhor dos mundos, à Pangloss.

O outro, o vulgo que lê e compreende, mas para o qual o magister dixit é a melhor fórmula de concessão e acomodação consigo mesmo, estômago e vísceras em função, sofra quem sofrer, doa a quem doer — esse, basofiando ciência em gestos largos de animalidade superior, se estas linhas chegasse a ler, haveria de esboçar aquele sorriso fino e bom que Bonnemère não sabia definir se seria de Voltaire, ou do mais refinado dos idiotas…


Adiante, pois, na tarefa nada espartana de apresentar esta prova opima das esmolas de luz que nos chegam em revoada de graças, a encher-nos o coração de alvissareiras esperanças.

Quem quiser certezas maiores, explanações técnicas e eruditas do fenômeno em apreço, que as procure no livro Do País da Luz, obra similar, editada há uma vintena de anos, psicografada pelo médium português Fernando de Lacerda, e que fez, nas rodas profanas de Lisboa, o mais ruidoso sucesso.

Nessa obra, o ilustre Dr. Sousa Couto, em magistral prefácio, esgotou o assunto ao encará-lo sob todos os prismas de uma severa crítica, para concluir pela transcendência do fenômeno, rebelde a todos os métodos de classificação científica e, sem embargo, realíssimo em sua especificidade.

Pois, a nosso ver, maior é o mérito, por mais opulenta a polpa mediúnica, desta obra.

É que lá, em Do País da Luz, avulta a prosa, com raras exceções; ao passo que aqui desborda o verso, mais original, mais difícil, mais precioso como índice de autenticidade autoral.

Lá, as mensagens características são exclusivas de escritores lusos, únicas que podem, a rigor, identificar pelo estilo os seus autores.

As de Napoleão I, Teresa de Jesus etc., são incontestavelmente belas no fundo e na forma, mas não características de tais entidades.

Aqui, pelo contrário, não só concorrem poetas brasileiros e portugueses, como retinem cristalinas e contrastantes as mais variadas formas literárias, como a facilitarem de conjunto a identificação de cada um.

Romantismo, Condoreirismo, Parnasianismo, Simbolismo, aí se ostentam em louçanias de sons e de cores, para afirmar não mais subjetiva, mas objetivamente, a sobrevivência dos seus intérpretes.

É ler Casimiro e reviver Primaveras, e recitar Castro Alves e sentir Espumas flutuantes; é declamar Junqueiro e lembrar a Morte de D. João; é frasear Augusto dos Anjos e evocar Eu.

Senão, vejamos:


Oh! que clarão dentro dalma,

Constantemente cismando,

O pensamento sonhando

E o coração a cantar,

Na delicada harmonia

Que nascia da beleza,

Do verde da Natureza,

Do verde do lindo mar!


É Casimiro…


Há mistérios peregrinos

No mistério dos destinos

Que nos mandam renascer;

Da luz do Criador nascemos,

Múltiplas vidas vivemos,

Para à mesma luz volver.


É Castro Alves…


Pairava na amplidão estranho resplendor…

A Natureza inteira em lúcida poesia

Repousava, feliz, nas preces da harmonia!…

Era o festim do amor,

No firmamento em luz,

Que celebrava

A grandeza de uma alma que voltava

Ao redil de Jesus.


É Junqueiro…


Descansa, agora, vibrião das ruínas.

Esquece o verme, as carnes, os estrumes.

Retempera-te em meio dos perfumes

Cantando a luz das amplidões divinas.


É Augusto dos Anjos.

E todos, todos os mais, aí estão vivos, ardentes, inconfundíveis na modulação de suas liras encantadas e decantadas.

E na prosa — exceto a de Fernando de Lacerda, cujo estilo não temos elementos para identificar — o mesmo traço de originalidade personalíssima se impõe.

Duvidamos que o mais solerte plumitivo, o mais intelectual dos nossos literatos consiga imitar, sequer ainda que premeditadamente, esta produção.

E isto o dizemos porque o médium Xavier, um quase adolescente sem lastro, portanto, de grande cultura e treino poético, recebe-a de jato, e mais — quando de alguns autores não conhece uma estrofe!

É extraordinário, será maravilhoso, mas é a verdade nua e crua; verdade que, qual a Luz, não pode ficar debaixo do alqueire.

Foi por assim pensarmos que conseguimos vencer a relutância do médium em sua natural modéstia para lançar ao público, em geral, e aos confrades, em particular, esta obra mediúnica, que, certo estamos, ficará como baliza fulgurante, na história a tracejar do Espiritismo em nossa pátria.


Mas, perguntarão: — quem é Francisco Cândido Xavier? Será um rapaz culto, um bacharel formado, um acadêmico, um rotulado desses que por aí vão felicitando a Família, a Pátria e a Humanidade?

Nada disso.

O médium polígrafo Xavier é um rapaz de 21 anos, um quase adolescente, nascido ali assim em Pedro Leopoldo, pequenino rincão do Estado de Minas. Filho de pais pobres, não pôde ir além do curso primário dessa pedagogia incipiente e rotineira, que faz do mestre-escola, em tese, um galopim eleitoral e não vai, também em tese muito além das quatro operações e da leitura corrida, com borrifos de catecismo católico, de contrapeso.

Órfão de mãe aos 5 anos, o pai infenso a literatices e, ao demais, premido pelo ganha-pão, é bem de ver-se que não teve, que não podia ter o estímulo ambiente, nem uma problemática hereditariedade, nem um, nem dez cireneus que o conduzissem por tortuosos e torturantes labirintos de acesso aos altanados paços do Olimpo para o idílico convívio de Calíope e Polímnia.

Tudo isso é o próprio médium quem no-lo diz, em linguagem eloquente, porque simples como a própria alma cedo esfolhada de sonhos e ilusões, para não pretender colimar renomes literários.

Ao lhe formularmos um questionário que nos habilitasse a pôr de plano estes detalhes essenciais — de vez que, em obra deste quilate o que se impõe não é a apresentação dos operários, mas da ferramenta por eles utilizada, tanto quanto do seu manuseio; e não querendo, por outro lado, endossar um fenômeno cuja ascendência sobejamente conhecemos para não refusar, mas, cujo flagrante não presenciamos — ele, o médium, veio «candidamente» ao nosso encontro com Palavras minhas, nas quais estereotipa a sua figura moral, tanto quanto retrata as impressões psicofísicas que lhe causa o fenômeno.

Nós mesmo vimos, certa vez, em S. Paulo, o médium Mirabelli cobrir dezoito laudas de papel almaço, no exíguo tempo de 13 minutos marcados a relógio, enquanto conosco discreteava em idioma diverso da mensagem escrita.

É um fato. Do seu mecanismo intrínseco e extrínseco, porém, nada nos disse o médium.

Agora diz-nos este que também as produções são recebidas de jato.

Não há ideação prévia, não há encadeamento de raciocínios, fixação de imagens.

É tudo inesperado, explosivo, torrencial!

Do que escreve e sabe que está escrevendo, também sabe que não pensou e não seria capaz de escrever.

Há vocábulos de étimo que desconhece; há fatos e recursos de hermenêutica, figuras de retórica, que ignora; teorias científicas, doutrinas, concepções filosóficas das quais nunca ouviu falar, de autores também ignorados e jamais lidos!

Como explicar, como definir e transfixar a captação, a realização essencial do fenômeno?

Só o médium poderia faze-lo, e isso ele o faz a seguir, de maneira impressionante, e de modo a satisfazer aos familiares da Doutrina.

Aos outros, aos céticos, fica-lhes a liberdade de conjeturar, para melhor explicar, sem contudo negar, porque o fato aí está na plenitude de sua realidade, e um fato, por mais insólito que seja, vale sempre por mil e uma teorias, que nada explicam, antes complicam…


Como nota final aos argos da crítica, Catões e Zoilos de compasso e metro, faisqueiros de nugas e nicas, na volúpia de escandir quand même, diremos que, encarregado de apresentar esta obra, não nos dispusemos a escoimá-la de possíveis defeitos de técnica, não só por nos falecer autoridade e competência, como por julgar que tal ousio seria uma profanação.

Trata-se, precipuamente, de um trabalho de identificação autoral, e de entidades hoje mais lúcidas e respeitáveis do que porventura o foram aqui na Terra.

Tal como no-lo deram, esse trabalho melhor corresponde à sua finalidade altíssima, e o que a legítima ética doutrinária aponta é que quaisquer lacunas, ou taliscas, devem ser atribuídas ou irrogadas ao possivelmente precário aparelhamento de transmissão, ou a fatores outros, em suma, que mal podemos imaginar e que, no entanto, racional e logicamente devem existir, mais sutis e delicados do que esses que, amiúde, ocorrem na telepatia, na radiofonia, em tudo, enfim, que participa do meio físico contingente.

Que os arautos da Boa-Nova aqui escalonados, por vindos de tão alto, nos perdoem a vacuidade e a insulsice destas linhas, e que os leitores de boa vontade as desprezem como inúteis, para só apreciarem a obra que ora lhes apresentamos, na pauta evangélica que diz: A árvore se conhece pelo fruto.




M. Quintão
Francisco Cândido Xavier

Introdução

Nasci em Pedro Leopoldo, Minas, em 1910. E até aqui, julgo que os meus atos perante a sociedade da minha terra são expressões do pensamento de uma alma sincera e leal, que acima de tudo ama a verdade; e creio mesmo que todos os que me conhecem podem dar testemunho da minha vida repleta de árduas dificuldades e mesmo de sofrimentos.

Filho de um lar muito pobre, órfão de mãe aos cinco anos, tenho experimentado toda a classe de aborrecimentos na vida e não venho ao campo da publicidade para fazer um nome, porque a dor há muito já me convenceu da inutilidade das bagatelas que são ainda tão estimadas nesse mundo.

E, se decidi escrever estas modestas palavras no limiar deste livro, é apenas com o intuito de elucidar o leitor, quanto à sua formação.

Começarei por dizer-lhe que sempre tive o mais pronunciado pendor para a literatura; constantemente, a melhor boa vontade animou-me para o estudo. Mas, estudar como? Matriculando-me, quando contava oito anos, num grupo escolar, pude chegar até ao fim do curso primário, estudando apenas uma pequena parte ao dia e trabalhando numa fábrica de tecidos, das quinze horas às duas da manhã; cheguei quase a adoecer com um regime tão rigoroso; porém, essa situação modificou-se em 1923, quando então consegui um emprego no comércio, com um salário diminuto, onde o serviço dura das sete às vinte horas, mas onde o trabalho é menos rude, prolongando-se esta minha situação até os dias da atualidade.

Nunca pude aprender senão alguns rudimentos de aritmética, história e vernáculo, como o são as lições das escolas primárias. É verdade que, em casa, sempre estudei o que pude, mas meu pai era completamente avesso à minha vocação para as letras, e muitas vezes tive o desprazer de ver os meus livros e revistas queimados.

Jamais tive autores prediletos; aprazem-me todas as leituras e mesmo nunca pude estudar estilos dos outros, por diferençar muito pouco essas questões. Também o meio em que tenho vivido foi sempre árido, para mim, neste ponto. Os meus familiares não estimulavam, como verdadeiramente não podem, os meus desejos de estudar, sempre a braços, como eu, com uma vida de múltiplos trabalhos e obrigações e nunca se me ofereceu ocasião de conviver com os intelectuais da minha terra.

O meu ambiente, pois, foi sempre alheio à literatura; ambiente de pobreza, de desconforto, de penosos deveres, sobrecarregado de trabalhos para angariar o pão cotidiano, onde se não pode pensar em letras.

Assim têm-se passado os dias sem que eu tenha podido, até hoje, realizar as minhas esperanças.

Prosseguindo nas minhas explicações, devo esclarecer que minha família era católica e eu não podia escapar aos sentimentos dos meus. Fui pois criado com as teorias da igreja, frequentando-a mesmo com amor, desde os tempos de criança; quando ia às aulas de catecismo era para mim um prazer.

Até 1927, todos nós não admitíamos outras verdades além das proclamadas pelo Catolicismo; mas, eis que uma das minhas irmãs, em Maio do ano referido, foi acometida de terrível obsessão; a medicina foi impotente para conceder-lhe uma pequenina melhora, sequer. Vários dias consecutivos foram, para nossa casa, horas de amargos padecimentos morais. Foi quando decidimos solicitar o auxílio de um distinto amigo, espírita convicto, o Sr. José Hermínio Perácio, que caridosamente se prontificou a ajudar-nos com a sua boa vontade e o seu esforço. Verdadeiro discípulo do Evangelho, ofereceu-nos até a sua residência, bem distante da nossa, junto à sua família, onde então, num ambiente totalmente modificado, poderia ela estudar as bases da Doutrina Espírita, orientando-se quanto aos seus deveres, desenvolvendo, simultaneamente, as suas faculdades mediúnicas. Aí, sob os seus caridosos cuidados e da sua Ex.ma esposa D. Cármen Pena Perácio, médium dotada de raras faculdades, minha irmã hauria, para nosso benefício, os ensinamentos sublimes da formosa doutrina dos mensageiros divinos; foi nesse ambiente onde imperavam os sentimentos cristãos de dois corações profundamente generosos, como o são os daqueles confrades a que me referi, que a minha mãe, que regressara ao Além em 1915, deixando-nos mergulhados em imorredoura saudade, começou a ditar-nos os seus conselhos salutares, por intermédio da esposa do nosso amigo, entrando em pormenores da nossa vida íntima, que essa senhora desconhecia. Até a grafia era absolutamente igual à que a nossa genitora usava, quando na Terra.

Sobre esses fatos e essas provas irrefutáveis solidificamos a nossa fé, que se tornou inabalável. Em breve minha irmã regressava ao nosso lar cheia de saúde e feliz, integrada no conhecimento da luz que deveria daí por diante nortear os nossos passos na vida.

Resolvemos então, com ingentes sacrifícios, reunir um núcleo de crentes para estudo e difusão da Doutrina, e foi nessas reuniões que me desenvolvi como médium escrevente, semi-mecânico, sentindo-me muito feliz por se me apresentar essa oportunidade de progredir, datando daí o ingresso do meu humilde nome nos jornais espíritas, para onde comecei a escrever sob a inspiração dos bondosos mentores espirituais que nos assistiam.

Daí a pouco, a nossa alegria aumentava, pois o nosso confrade José Hermínio Perácio, em companhia de sua esposa, deliberou fixar residência junto a nós, e as nossas reuniões tiveram resultados melhores, controladas pela sua senhora, alma nobilíssima, ornada das mais superiores qualidades morais e que, entre as suas mediunidades, conta com mais desenvolvimento a clariaudiência. Nossas reuniões contavam, assim, grande número de assistentes, porém, a moral profunda que era ensinada, baseada nas páginas esplendorosas do Evangelho de Jesus, parece que pesava muito, como acontece na opinião de grande maioria de almas da nossa época, quase sempre inclinadas para as futilidades mundanas, e, decorridos dois anos, os assistentes de nossas sessões de estudos escassearam, chegando ao número de quatro ou cinco pessoas, o que perdura até hoje.

Não desanimamos, contudo, prosseguindo em nossas reuniões, constituindo para nós uma fonte de consolações isolarmo-nos das coisas terrenas em nosso recanto de prece, para a comunhão com os nossos desvelados amigos do Além. Continuei recebendo as ideias dos mesmos amigos de sempre, nas reuniões, psicografando-as, e que eram continuamente fragmentos de prosa sobre os Evangelhos. Somente duas vezes recebi comunicações em versos simples.

Em Agosto porém, do corrente ano, apesar de muito a contragosto de minha parte, porque jamais nutri a pretensão de entrar em contato com essas entidades elevadas, por conhecer as minhas imperfeições, comecei a receber a série de poesias que aqui vão publicadas, assinadas por nomes respeitáveis.

Serão das personalidades que as assinam? — é o que não posso afiançar. O que posso afirmar, categoricamente, é que em consciência não posso dizer que são minhas, porque não despendi nenhum esforço intelectual ao grafá-las no papel. A sensação que sempre senti, ao escreve-las, era a de que vigorosa mão impulsionava a minha. Doutras vezes, parecia-me ter em frente um volume imaterial, onde eu as lia e copiava; e, doutras, que alguém mas ditava aos ouvidos, experimentando sempre no braço, ao psicografá-las, a sensação de fluidos elétricos que o envolvessem, acontecendo o mesmo com o cérebro, que se me afigurava invadido por incalculável número de vibrações indefiníveis. Certas vezes, esse estado atingia o auge, e o interessante é que parecia-me haver ficado sem o corpo, não sentindo, por momentos, as menores impressões físicas. É o que experimento, fisicamente, quanto ao fenômeno que se produz frequentemente comigo.

Julgo do meu dever declarar que nunca evoquei quem quer que fosse; essas produções chegaram-me sempre espontaneamente, sem que eu ou meus companheiros de trabalho as provocássemos e jamais se pronunciou, em particular, o nome de qualquer dos comunicantes, em nossas preces. Passavam-se às vezes mais de dez dias, sem que se produzisse escrito algum, e dia houve em que se receberam mais de três produções literárias de uma só vez. Grande parte delas foram escritas fora das reuniões e tenho tido ocasião de observar que, quanto menor o número de assistentes, melhor o resultado obtido.

Muitas vezes, ao recebermos uma destas páginas, era necessário recorrermos a dicionários, para sabermos os respectivos sinônimos das palavras nela empregadas, porque tanto eu como os meus companheiros as desconhecíamos em nossa ignorância, julgando minha obrigação, frisar aqui também, que, apesar de todo o meu bom desejo, jamais obtive outra coisa, na fenomenologia espírita, a não ser esses escritos.

Devo salientar o precioso concurso da bondosa médium Sra. Cármen P. Perácio, que através da sua maravilhosa clariaudiência me auxiliou muitíssimo, transmitindo-me as advertências e opiniões dos nossos caros mentores espirituais, e ainda o carinhoso interesse do distinto confrade Sr. M. Quintão, que tem sido de uma boa vontade admirável para comigo, não poupando esforços para que este despretensioso volume viesse à luz da publicidade.

E aqui termino.

Terei feito compreender, a quem me lê, a verdade como de fato ela é? Creio que não. Em alguns despertarei sentimentos de piedade e, noutros, rizinhos ridiculizadores. Há-de haver, porém, alguém que encontre consolação nestas páginas humildes. Um desses que haja, entre mil dos primeiros, e dou-me por compensado do meu trabalho.

A todos eles, todavia, os meus saudares, com os meus agradecimentos intraduzíveis aos boníssimos mentores do Além, que inspiraram esta obra, que generosamente se dignaram não reparar as minhas incontáveis imperfeições, transmitindo, por intermédio de instrumento tão mesquinho, os seus salutares ensinamentos.



Pedro Leopoldo, dezembro de 1931.



Nota do médium para a 4ª edição em 1944 — Só nos últimos dias de 1931, com a graça de Deus, desenvolveram-se em mim, de maneira clara e mais intensamente, a vidência, a audição e outras faculdades mediúnicas.


Nota da Editora — Ao escrever estas palavras, o Autor não se lembrou de que as suas relações constantes com Espíritos desencarnados, mantidas desde os 5 anos de idade, pertencem igualmente à fenomenologia espírita. Pensou em fenomenologia somente como prática consciente da mediunidade nas sessões espíritas; mas todas as pessoas de sua intimidade sabem que ele, desde a infância, confunde os habitantes dos dois mundos e muitas vezes pergunta ao amigo que esteja passeando com ele. “Estás vendo ali um homem de barbas brancas, etc.?” Pela resposta do companheiro é que ele fica sabendo se está diante de um habitante do nosso mundo ou de habitante do mundo espiritual. Também isso são fenômenos espíritas. — (A Editora)



Francisco Cândido Xavier

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