Parnaso de além-túmulo
Versão para cópiaJoão de Deus
Nascido em S. Bartolomeu de Messines, Portugal, em 1830, e desencarnado em 1896, afirmou-se um dos maiores líricos da língua portuguesa. E tão bem conhecido no Brasil quanto em seu belo país. Nestas poesias palpita, de modo inconfundível, a suavidade e o ritmo da sua lira.
NA ESTRADA DE DAMASCO
Num certo dia A Ambição, De parceria Com o Orgulho, Chamou o homem Jactancioso, Rude e cioso Do seu poder E vão saber, E assim lhe disse: «Homem, tu és Senhor potente, Grande e valente Aqui no mundo; E se quiseres Tornar-te um rei Da imensa grei Da Criação, É só viveres A procurar Mais dominar Os elementos A transudar Nos sentimentos. Maior coragem Para ganhares Sempre vantagem No teu viver, E conquistares Sempre o poder Dos triunfantes. Aos semelhantes Em vez de amá-los Tais como irmãos, Faze-os vassalos No teu reinado, Glorificado De grão-senhor!» E o pecador, Ser imperfeito Se achasse embora, A seu agrado, Bem satisfeito, Foi sem demora Então chamado Por um juiz De retidão, Que é a Consciência, Nesta existência De provação, Que então lhe diz: «Mas, e o bom Deus Que está nos Céus, Que tudo vê, Sabendo assim Quanto a tua alma Dele descrê? Ele é o teu Pai, O Criador, O Deus de amor. E o bom Jesus, Nosso Senhor, Mestre da luz, O Filho amado Que à Terra veio, A este mundo Ingrato e feio A redimir, E assim banir O teu pecado? Ele te amou E te ensinou Que ao teu irmão Tu deves dar, Nunca negar A tua mão; E espalhar Somente amor, A relegar Toda a maldade, Para que um dia Te fosse dado Reconhecer. Com alegria, O solo amado Do eldorado Dos belos sonhos, Lindos, risonhos, Do teu viver. Assim, procura Melhor ventura Em só buscar, Acompanhar, Seguir Jesus Em sua dor, Em seu amor, Em sua cruz!» Mas, o tal homem Tão orgulhoso, Que já se achava Bem poderoso, Achou estranho Esse conselho: Rigor tamanho Não poderia; Isso seria Obedecer E se humilhar; E ele havia Aqui nascido Só para ser Obedecido, Tendo o poder Pra dominar. Assim, buscou E perguntou Aos companheiros; Eles, então, Lhe responderam No mais profundo Do coração: — «Esse conselho É muito velho! Deus é irrisão. E o tal Jesus, Com sua cruz E seu calvário, Somente foi Um visionário. Enquanto ele Só te oferece Amargas dores, Desolações, Tristes agruras, Cruéis espinhos, Nós concedemos Ao teu valor De grão-senhor Sublimes flores, Lindos brasões, Grandes venturas Nesses caminhos. Quem mais souber Gozar e rir, Mais saberá O que é existir. A vida aqui Só é formosa Para quem goza; E pois, assim, Vale o gozar Constantemente, Pois vindo a Parca Bem de repente, Há-de levar Esse teu sonho De amar, sofrer, Ao caos medonho Do mais não-ser; Porque a morte Tão renegada, Essa é apenas O frio nada. O louco amor Do teu Jesus, Exprime a dor E não a luz.» E assim, quando O homem fraco E miserando Mais se exaltou E se jatou, Onipotente, Chegou a Dor Humildemente, A lapidária, A eterna obreira, A mensageira Da perfeição, Nessa oficina Grande e divina Da Criação; Fê-lo abatido E desolado, Até enojado Do corpo seu: Apodreceu O seu tesouro. E o homem-rei Reconheceu Que o paraíso Dos sãos prazeres Vive nas luzes Só da virtude, No cumprimento Dos seus deveres, Na humildade, Na caridade, Na mansuetude, Na submissão Do coração Ao sofrimento, Quando aprouver Ao Deus de Amor Oferecer Rude amargor Ao nosso ser. Depois, então, De mui sofrer E padecer Na expiação, Reconheceu A nulidade, A fatuidade Da vil matéria! Na atroz miséria Dessa agonia, Só procurou Buscar se via Os seus mentores Enganadores, Altivos filhos Da veleidade Só encontrou O juiz reto, O Magistrado Incorrutível Da consciência, E que, num brado Indescritível, Em consequência, Lhe fez com ardor Ao coração Ermo de afeto, Ermo de amor, A mais tremenda Acusação! É o que acontece Em toda a idade, Com a maioria Da Humanidade; Pois sempre esquece Os seus deveres E se submerge Nos vãos prazeres. Para a alegria Fatal converge O seu viver, Para o enganoso, Efêmero gozo Do material, A esquecer Tudo o que seja Espiritual. Feliz de quem Aí procura Maior ventura No sumo bem; Porque verá, Contemplará Todo o esplendor, A eterna luz, Do eterno amor Do bom Jesus. |
PARNASO DE ALÉM-TÚMULO
Além do túmulo o Espírito inda canta Seus ideais de paz, de amor e luz, No ditoso país onde Jesus Impera com bondade sacrossanta. Nessas mansões, a lira se levanta Glorificando o Amor que em Deus transluz, Para o Bem exalçar, que nos conduz À divina alegria, pura e santa. Dessa Castália eterna da Harmonia Transborda a luz excelsa da Poesia, Que a Terra toda inunda de esplendor. Hinos das esperanças espargidos Sobre os homens, tornando-os mais unidos, Na ascensão para o Belo e para o Amor. |
ANGÚSTIA MATERNA
«Ó Lua branca, suave e triste, - A Mãe pedia, fitando o céu - Dize-me, Lua, se acaso viste Nos firmamentos o filho meu. A Morte ingrata, fria e impiedosa, Deixou vazio meu doce lar, Deixou minhalma triste e chorosa, Roubou-me o sonho - deu-me o penar Se tu soubesses, Lua serena, Como era grácil, que encantador Meu anjo belo como a açucena, Cheio de vida, cheio de amor!… » Disse-lhe a Lua — «Eu sei do encanto Dum filho amado que a gente tem; E das ausências conheço o pranto, Oh! se o conheço, conheço-o bem!…» - «Então, responde-me sem demora, Continuava, sempre a chorar: Em qual estrela cheia de aurora. Foi o meu anjo se agasalhar?…» - «Mas não o avistas — responde-lhe ela — Naquela estrela que tremeluz? Abre teus olhos… É bem aquela Que anda cantando no céu de luz.» E a Mãe aflita, martirizada, Fitou a estrela que lhe sorriu, Sentiu-lhe os raios, extasiada, E dos seus cantos, feliz, ouviu: - «Ilha pacífica, da esperança, Sou eu no mar do éter infindo; Do sofrimento mato a lembrança E abro o futuro, ditoso e lindo. Do Senhor tenho doce trabalho, Missão que é toda só de alegrias: Flores reparto cheias de orvalho, Flores que afastam as agonias.» - «Quase te odeio, luz de alvorada, Ó linda estrela que adorna o céu, Gritou-lhe a pobre desconsolada, Porque tu guardas o filho meu.» - «Se tu me odeias, se me detestas, Contudo eu te amo e pergunto: quem Não tem saudades das minhas festas? O teu anjinho teve-as também. Em mim a noite não tem guarida, Aqui terminam os dissabores; Aqui em tudo floresce a vida, Vida risonha, cheia de flores!…» A mãe saudosa, banhada em pranto, Notou de logo seu filho lindo, Todo vestido dum brilho santo, Num belo raio de luz, sorrindo… Disse-lhe o filho - «Tive deveras Muita saudade, mãezinha amada, Senti a falta das primaveras, Senti a falta desta alvorada!… Não resisti… Tanta era a saudade! Voltei do exílio, fugi da dor, Aqui é tudo felicidade, Paz e ventura, carícia e amor! Ó mãe, perdoa, se mais não pude Ficar contigo na escuridão, A Terra amarga, tristonha e rude, Envenenava meu coração. Aqui, na estrela, também há fontes, Jardins e luzes e fantasias, Sóis rebrilhando nos horizontes, Sonhos, castelos e melodias. Daqui te vejo, daqui eu velo Pelo sossego dos dias teus; Faço-te um ninho ditoso e belo, Muito pertinho do amor de Deus!…» Aí os olhos da desditosa Nada mais viram do Eterno Lar. Viu-se mais calma, menos saudosa, E, estranhamente, pôs-se a chorar… |
LAMENTOS DO ÓRFÃOMinha mãezinha, alguém me disse, Que tu te foste, triste sem mim; Já não me embala tua meiguice, E não podias partir assim. Eu acredito que tenhas ido Pedir a Deus, que possui a luz, Que de mim faça, do teu querido, Um dos seus anjos, outro Jesus. Mas tanto tempo faz que partiste, Que me fugiste sem me levar, Que sofro e choro, saudoso e triste, Sem esperanças de te encontrar. Há quantos dias que te procuro, Que te procuro chamando em vão!… Tudo é silêncio tristonho e escuro, Tudo é saudade no coração. Outros meninos alegres vejo, Numa alegria terna e louçã, Que exclamam rindo dentro dum beijo: «Como eu te adoro, minha mamã!» Sinto um anseio sublime e santo, De nos meus braços, mãe, te beijar; E abraço o espaço, beijo o meu pranto, Somente a mágoa vem-me afagar. Inquiro o vento: — «Quando verei Minha mãezinha boa e querida?» E o vento triste diz-me: — «Não sei!… Só noutra vida, só noutra vida!…» Pergunto à fonte, pergunto à ave, Quando regressas dos Céus supremos, E me respondem em voz suave: «Nós não sabemos! nós não sabemos!…» Pergunto à flor que engalana a aurora, Quando é que voltas desse país, E ela retruca, consoladora: «Depois da morte serás feliz.» E digo ao sino na tarde calma: «Onde está ela, meu doce bem?» Ele responde, grave, à minhalma: «Além na luz! Na luz do Além!…» O mar e a noite me crucificam, Multiplicando meus pobres ais, Cheios de angústias, ambos replicam: «Tua mãezinha não volta mais.» Somente a nuvem, quando eu imploro, Diz-me que vens e diz que te vê; E me conforta, do céu, se eu choro: «Eu vou chamá-la para você.» Sempre te espero, mas, ai! não voltas, Nem para dar-me consolação; Ó mãe querida, que mágoas soltas Andam cortando meu coração. Tanta saudade, e, no entretanto, Vejo-te linda nos sonhos meus; Ajoelhada, banhada em pranto. E de mãos postas aos pés de Deus. Sempre a meus olhos, estás bonita Qual uma rosa, como um jasmim! Porém conheço que estás aflita, Com o pensamento junto de mim. Então, entrego-me ao meu desejo, Tremo de anseio, calo, sorrio, Sentindo o anélito do teu beijo… Mas abro os olhos no ar vazio! Vai-se-me o sonho… Quanta amargura, Que sinto esparsa pelo caminho! Que mágoa eterna! que desventura, Para quem segue triste e sozinho. Volta depressa! guardo-te flores, Porque só vivo pensando em ti: Celebraremos nossos amores, Junto da fonte que canta e ri. Já não suporto tantos cansaços!… Se não voltares, pede a Jesus Que te conceda pôr-me em teus braços, Foge comigo para outra luz!… |
ORAÇÃO [II]Vós que sois a mãe bondosa De todos os desvalidos Deste vale de gemidos Mãe piedosa!… Sublime estrela que brilha No céu da paz, da bonança, Do céu de toda a esperança — Maravilha! Maria! — consolação Dos pobres, dos desgraçados, Dos corações desolados Na aflição, Compadecei-vos, Senhora, De tão grandes sofrimentos, Deste mundo de tormentos, Que apavora. Livrai-nos do abismo tredo Dos males, dos amargores, Protegei os pecadores No degredo. Estendei o vosso manto De bondade e de ternura, Sobre tanta desventura, Tanto pranto! Concedei-nos vosso amor, A vossa misericórdia, Dai paz a toda discórdia Trégua à dor!… Vós que sois Mãe carinhosa Dos fracos, dos oprimidos Deste vale de gemidos, Mãe bondosa! Oração: Pai de Amor e Caridade, Que sois a terna clemência E de todas as criaturas Carinhosa Providência! Que os homens todos vos amem, Que vos possam compreender, Pois tendo ouvidos não ouvem, E vendo não querem ver. (Mt) |
João de Deus
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