Parnaso de além-túmulo
Versão para cópiaJuvenal Galeno
Nascido em Fortaleza e desencarnado na mesma cidade, em 1931, com 95 anos de idade. É um vulto literário inconfundível no cenáculo do seu tempo, impondo-se justamente pela naturalidade e espontaneidade do seu estro. Chamaram-lhe — “Béranger brasileiro”. Sua musa foi elogiada por Castilho, José de Alencar, Machado de Assis, Sílvio Romero, etc.
POBRES
Mal clareia o Sol a serra, Toca a vida a despertar: O pobre se pôs há muito, Sem descanso, a labutar. Ao levantar-se da cama, Inda é espessa a escuridão, Persegue-lhe a precisão. Ao acordar, ele escuta O coração a gritar: «Quem não trabuca não come Já chega de repousar!» Busca, então, o seu trabalho, Tudo ajeita, tudo faz, Rasga a terra, corta os matos, Luta e sua, não tem paz. Planta o milho, planta a cana, Batatas, couves, feijão; Três quartas partes de tudo Pertencem ao seu patrão. Quando a semente germina E os ramos querem crescer, Vem a seca sem piedade E o pobre espera chover. Não vem a chuva, porém; Nada existe no paiol, As plantas já se amarelam, Arde a terra, queima o Sol. Quando o pobre vai à mesa, O estômago pede mais, Mas se quer repetições, Que cuide dos mandiocais. Redobra o pobre os serviços, Espalha o pé nos gerais, Ah! que a água já está pouca Nos rios, nos seringais. Contudo, ele espera sempre Do Deus que o ama, que o vê, E sempre resignado, O pobre nunca descrê. O certo é que ao fim do tempo De constante batalhar, Aguarda a minguada espiga Que decerto há-de ficar. Plenamente contentado Com o pouco do seu suor, Deus lhe dará no outro ano Uma colheita melhor. Se geme, se sofre dor, Não possui um só real Pra consultar um doutor. Então, resolve pedir Ao patrão que sempre o tem, Mas o patrão avarento Não adianta vintém. Arrasta-se e vai ao médico E lhe expõe o seu sofrer: «Não tem recomendações? Então não posso atender.» O pobre, humilde e paciente, Regressa para o seu lar, E pensa nos outros meios Da saúde lhe voltar. E põe em prática os meios: As beberagens, o chá, As promessas aos seus santos, Os vinhos de jatobá. Ai! que sorte rude e amarga Do pobre sempre a sofrer: Se vive para o trabalho, Trabalha para comer. Se a morte vem ao seu ninho E lhe rouba o filho, os pais. Não lhes pode dar a missa, Que o padre cobra demais. Dá-lhes porém seu tesouro, Sublime estrela que brilha Da mais rica devoção — A prece que nasce d’alma, Que fulge no coração. Mesmo assim quanta tortura, Que amargosa a sua dor! A todo o instante da vida Luta o pobre sofredor. Se tem pão não tem saúde, Se tem saúde, não tem Quem o ampare, quem o ajude, O braço amigo de alguém. Se outrem lhe ofende e ele pede Da Justiça a punição, A Justiça o encarcera Com a sua reprovação. Não tem casas de morada, Nem terrenos, nem ovil; Se lhe falta o pão do dia Falta azeite no candil. Se bate à porta da rico, Mormente dum rico mau, Os cães o tocam da porta, E em vez de pão, ganha pau. O pobre só tem na vida A doce mão de Jesus, Que o cura na enfermidade, Que na treva lhe dá luz. Mal do pobre se não fora O carinho dessa mão, Que o conforta na desgraça E ampara na provação. Mal dele se não houvesse A vida depois da dor, Após a morte, onde existem Justiça, ventura, amor. |
SEXTILHAS
Quando a morte chega em casa, A casa faz alarido, Parece até que se arrasa Sob as chamas de um incêndio; O povo está reunido Quando a morte chega em casa. Ela vem buscar alguém, De quem precisa por certo; Não se importa com ninguém Que chore ou que se lastime, Esteja distante ou perto, Ela vem buscar alguém. A morte não quer saber Se é preto como urubu, Se aquele que vai morrer É branco qual uma garça, Se tem pratas no baú, A morte não quer saber. Não lhe pergunta qual é A sua religião, Se Sancho, Pedro ou José É o seu nome de batismo, Nem a sua profissão Não lhe pergunta qual é. Não quer saber se ele tem Uma candeia com luz, Se pratica o mal ou o bem, Se tem mais fé com o demônio Do que mesmo com Jesus, Não quer saber se ele tem. Nem procura examinar Se tem filhos ou mulher; Se esse alguém vai-se casar, Se tem pai e se tem mãe, Nada disso a morte quer, Nem procura examinar. Para a morte não existe Anéis de grau de doutor, Nem homem alegre ou triste, Nem mulher bonita ou feia, Saúde, beleza e dor, Para a morte não existe. Para o pobre, para o rico Nunca tem contemplação; Como o corvo bate o bico Por cima de um peixe podre, Ela vem de supetão Para o pobre, para o rico… O cristão ou o pecador Ela conduz sem ruído, Não perde tempo em clamor, Em atenções e conversas, Leva sem tempo perdido O cristão ou o pecador. O que segue vai com unção, Rogando com fervor terno Ao santo da devoção Que o afaste do diabo E dos horrores do inferno, O que segue vai com unção. Mas ele mesmo é quem faz Os prantos ou gozos seus; Na tempestade ou na paz, Essa questão de ficar Com Satanás ou com Deus, É ele mesmo quem faz. |
DE CÁ
Que amargo era o meu destino!… Tristezas no coração, Tateando dificilmente No meio da escuridão… Viver na Terra e somente Remando contra a maré, Com receio de ir ao fundo… Nem tão boa coisa é. Esta vida de sofrer Trinta dias cada mês, Entremeados de prantos, Há quem estime? Talvez… Mas para mim que só fui Galeno sem nó, galé, Tantas dores em conjunto, Nem tão boa coisa é. Sentir as disparidades Das vidas cheias de dor, O mal sufocando o mundo, Marchando com destemor: Ver o rico andar de coche E o pobre correndo a pé, Tantas misérias sentir… Nem tão boa coisa é. O pranto ferve na Terra, Salta aqui, salta acolá, Nas guerras de toda parte, Nas secas do Ceará; Meus irmãos de Fortaleza, Do Crato, do Canindé, Ver uns rindo e outros chorando, Nem tão boa coisa é. Ah! morrer e ainda sentir Saudades da escravidão, Da carne, do desconforto, Da treva, da ingratidão… Não é possível porque Pobre filho da ralé, Casar-se com a desventura Nem tão boa coisa é. Mas falar demais agora, Já não é próprio de mim, Não vou gastar minha cera Com tanto defunto ruim; Patetice é ensinar Verdade aos homens sem fé. Jogar pérolas a tolos, Nem tão boa coisa é. |
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