Sexo e Obsessão
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Retorno à cidade pervertida
O Benfeitor encontrava-se algo preocupado. Para aquela reunião fomos convocados nós outro, Dilermando, o médium Ricardo acompanhado pela sua Mentora, o psicoterapeuta espiritual Felipe e mais alguns assessores, formando um grupo de oito desencarnados e dois reencarnados.
Respirava-se uma atmosfera de paz, embora todos pressentíssemos a gravidade do cometimento que se estava delineando. Guardava vivas na memória as imagens degradantes e sombrias que tivera ocasião de encontrar na cidade da perversão, podendo detectar que nova excursão se fazia necessária, a fim de melhor entender as ocorrências da obsessão em referência às condutas sexuais desregradas.
Convidada a proferir a oração, que deveria assinalar o início das atividades espirituais, a nobre Benfeitora madre Clara de Jesus concentrou-se e, à medida que se interiorizava, transformava-se em um foco de suave claridade azul-violeta com graduações de difícil definição.
A meiga voz adquirira tonalidades musicais penetrantes, e ela exorou: Amoroso Jesus, Companheiro dos desditados e esquecidos!
Evocando a Tua jornada terrestre, quando desceste ao abismo das misérias humanas, a fim de nos ergueres ao esplendor da Tua morada, também nós, servos imperfeitos da Tua seara, preparando-nos para ascender no Teu rumo, através do mergulho no dédalo das aflições espirituais, vimos suplicar-Te apoio e inspiração.
Dulcifica-nos interiormente os sentimentos, alargando as nossas possibilidades de amor, de modo que auxiliemos sem exigências, participemos das angústias do próximo sem nos entristecermos e, sejam quais forem as circunstâncias em que se encontrem os irmãos do carreiro da agonia, não nos permitamos julgá-los ou censurá-los, compreendendo-os sempre, sem o que estaremos incapacitados para servi-los e socorrê-los.
Nesse tremedal em que se encontram por vontade própria, após o desrespeito às Soberanas Leis da Vida, não vigem a solidariedade nem a misericórdia, antes campeiam as arbitrariedades e as loucuras do desregramento moral e espiritual do ser que perdeu o endereço de si mesmo.
Apieda-Te deles, concedendo-lhes novo recomeço, qual nos conferiste quando nos encontrávamos sem rumo e a Tua voz nos alcançou, convidando-nos a seguir-Te, maneira única existente de nos libertarmos das paixões primitivas.
Reconhecemos as próprias deficiências para o labor que iniciaremos, por isso mesmo suplicamos-Te sejas o nosso Guia e Condutor, para que todos os nossos sejam passos seguros sobre as Tuas pegadas e a nossa se transforme na ação do Bem Infinito, não obstante os nossos limites e as nossas deficiências.
Senhor, aceita-nos a Teu serviço em nome de Nosso Pai!
Quando silenciou, com lágrimas que lhe orvalhavam os olhos, vimos mirífica luz argêntea que, descendo de ignoto ponto, a envolveu, espraiando-se em nossa direção e albergando-nos a todos na sua claridade.
Nesse momento, vimos chegar dois jovens Espíritos, cada um dos quais, conduzindo um mastim de expressivo porte, mas bem amestrados e mansos.
Era a primeira vez que, participando de uma excursão espiritual, a mesma fazia-se integrada por almas de animais desencarnados.
A questão da alma dos animais sempre me interessara, mesmo quando me encontrava na Terra. Afinal, qual o destino reservado aos nossos irmãos da escala zoológica dita inferior, alguns deles revelando uma percepção do instinto tão aguçada, que se expressava na condição de uma inteligência embrionária?
Embora as informações fornecidas pelos Espíritos nobres da Codificação em torno do período em que eles permanecem no mundo espiritual, mas não em estado de erraticidade, retornando ao mundo físico quase imediatamente, agora encontrava aqueles mastins que seriam utilizados pelos trabalhadores do Bem, demonstrando que haviam sido selecionados para auxiliar-nos em tarefas relevantes, nas quais poder-nos-iam ser de grande utilidade.
Os jovens, que os conduziam, pareciam excelentes amestradores, que os iniciaram na identificação dos fluidos perniciosos e das vibrações deletérias das regiões espirituais inferiores, porquanto se apresentavam exultantes face à possibilidade de contribuírem em favor do êxito do empreendimento em pauta.
Ainda estava mergulhado nas reflexões em torno dos animais, quando o Benfeitor começou a explicar a finalidade da excursão em delineamento, informando:
– Ante o desbordar das paixões asselvajadas que cultivara na Terra, o marquês de Sade, residente na cidade perversa, comanda uma legião de cultores do sexo em desalinho, no mundo espiritual, que se encarregam de inspirar e preservar as alucinações de homens e mulheres terrestres que lhes caem nas malhas perturbadoras. "À semelhança de Mauro, o esposo da dama da consulta ao atendente fraterno da Casa enquadra-se como dependente da ação nefasta daquelas Entidades devassas que, em obsidiando alguns incautos, também tombam nas malhas da própria rede de perturbação, experimentando o tormento da insaciabilidade e mais experiênciando as necessidades físicas de que já deveriam encontrar-se liberados, e constituem somente impregnação dos vícios no perispírito. . . "
Fez uma pequena pausa e logo prosseguiu:
– Em nossa Esfera de ação tomamos conhecimento de que um grupo de sequazes do marquês pretende, oportunamente, assaltar esta Instituição, que se constituiu um pouso de renovação que é do vero Cristianismo, influenciando seus membros para tombarem nas urdiduras da sensualidade desavisada, assim interrompendo o ministério de amor e de dignificação que aqui se desenvolve. Conforme recordamos, no plano estabelecido pelo Soberano das Trevas a respeito das quatro torpes verdades [19] , os Espíritos do Mal investiriam com todas as suas forças contra os obreiros do Evangelho desvelado pelo Espiritismo, por estarem interferindo nos planos trabalhados em favor das obsessões coletivas. Uma dessas verdades é o uso desarmonizado do sexo, fazendo o ser derrapar na vulgaridade e no desrespeito a si mesmo como ao seu próximo. Após inúmeras tentativas frustradas, para levarem adiante o sórdido plano, solicitaram a ajuda do marquês e dos seus comparsas, que têm atraído diversos invigilantes para o desastre inevitável.
O sábio e diligente Guia silenciou por um pouco, procurando ajuizar quanto às informações que iria oferecer-nos, a fim de dar continuidade à narração do plano, referindo-se:
– Não têm sido poucos os homens e as mulheres que se reencarnaram nas fileiras da Doutrina Espírita, conduzindo altas responsabilidades em torno da sua divulgação e vivência corretas. Nada obstante, após alcançarem a notoriedade e mesmo certa respeitabilidade no Movimento, vêm tombando ante as facilidades em favor do uso do sexo irresponsável, comprometendo-se gravemente e gerando perturbação nos companheiros que, aturdidos, constatam que a sua não era uma conduta exemplar, nem autêntica. "Quando esses serviçais das paixões vis direcionam o pensamento para alguém, e concede-lhe assistência nefasta, a sua insistência é tão grande e pertinaz que são poucos aqueles que conseguem evadir-se do cerco ou superarlhes a pressão doentia, escravagista. Inspiram a mentirosa excelência do gozo, dão ideia que a pessoa está perdendo excelentes oportunidades de ser feliz, tendo em vista a predominância do prazer doentio que, afinal, a vida não pode ser de Nada tão a sério que dispense as suas concessões carnais, que o tempo monástico não mais se instalará na Terra, e que estes são dias diferentes.
Noutras vezes, auxiliam por inspiração reflexões perturbadoras, procurando diminuir a gravidade dos compromissos sem responsabilidade, a banalização dos relacionamentos apressados e das múltiplas experiências como fonte de vida, etc. em terríveis conciliábulos que, não poucas vezes, resultam exitosos para os seus delineamentos. " O gentil amigo percorreu a sala com o seu olhar percuciente, e vendo o expressivo número de Espíritos encarnados, desdobrados pelo sono, e desencarnados, buscando amparo e orientação, não se pôde furtar à emoção, prosseguindo:
– Orando sinceramente, os companheiros ergastulados na matéria, sentindo-se perturbados com as caprichosas odisseias da sensualidade e visitados pelos desejos ignóbeis, vêm rogando proteção, buscando a reflexão nas leituras de obras confortadoras, trabalhando na ação da caridade, e como o cerco prossegue, apelam, quase em desespero, pela ajuda, que nunca falta, a fim de seguirem fiéis aos compromissos abraçados com devotamento. Nesse ínterim, resistindo às influências nefastas que nem sempre lhes encontram guarida na mente ou no sentimento, tornam-se vítimas de companhias encarnadas que se corromperam e se oferecem para o banquete da loucura, alcançando-os com maior facilidade. É-lhes possivel resistir às interferências espirituais pelo pensamento, renovando-se e impondo-se ideias edificantes, no entanto, quando perseguidos por pessoas amigas que se transtornam e passam a assediá-los, o problema se lhes faz mais grave. "Por essas e mais outras razões, iremos tentar remover alguns obstáculos do seu caminho e interferir na planificação odienta que se trama na cidade da perversão contra esses trabalhadores da Era Nova. Todos sabemos que não é fácil o trânsito na esfera carnal, onde já estivemos, entre tropeços nas trevas da ignorância e o ressumar das paixões adormecidas e não superadas. " Novamente fez uma pausa, para logo concluir:
– A fim de ganharmos tempo, deveremos volitar na direção da cidade, acercando-nos dos seus arredores, conforme sabemos, muito bem vigiados por perversos guardas adestrados para capturar visitantes inoportunos. Em qualquer situação, preservemos o equilíbrio e a serenidade, certos do divino auxílio, mantendo a confiança irrestrita em Deus e conscientes dos objetivos que até ali nos conduziram. Da vez anterior, na condição de observadores, não tivemos qualquer dificuldade em adentrar-nos nos seus limites, agora, no entanto, com finalidades de trabalho específico, deveremos manter-nos mais cuidadosos.
Reinando uma verdadeira consciência de paz e de dever, vimos o médium Ricardo acercar-se da sua Benfeitora, que o envolveu em dúlcido olhar de ternura e sorriu, generosa.
Após breve concentração começamos a deslocar-nos na direção da meta que nos aguardava. Pairava uma expectativa quase ansiosa em minha mente e no meu coração. Quando alcançamos a região pantanosa próxima às cavernas escuras em cuja intimidade se homiziavam os seus infelizes habitantes, um odor pútrido invadiu-nos a pituitária, denunciando o teor vibratório de baixíssimo nível moral de onde procedia, qual ocorrera por ocasião da primeira visita.
Podíamos ouvir o clamor e o estardalhaço que se faziam crescentes, à medida que nos aproximávamos de uma das furnas de entrada. Para melhor dificultar a identificação dos vigilantes, que conduziam Espíritos metamorfoseados em animais por processos perigosos de hipnose perispiritual infelizes, fizemo-nos cobrir por mantos pesados que alteravam a nossa aparência e com a presença dos mastins, facultando que pensassem tratar-se de retornados de excursão ao planeta de onde traziam novos aficionados para o turbulento espetáculo.
Mantínhamo-nos em silêncio, não havendo despertado a atenção dos guardiães da entrada, tão certos estavam de que ninguém se atreveria a vencer as barreiras delimitadoras da comunidade alucinada.
Respondendo às questões que eram propostas pelos vigilantes de plantão, o nosso Mentor, circunspecto e concentrado, informou que se tratava de um novo grupo recém-convidado para o espetáculo da noite.
Um pandemônio reinava por toda parte. A sensualidade desbordante tomava conta dos alucinados em transe de loucura. O desfile dos carros alegóricos expressando as organizações genitais deformadas e absurdas, os atos praticados em grupos vulgares e desvairados, inspiravam compaixão, não fosse a náusea que provocavam. Tudo ali fazia recordar os lupanares de baixa categoria e os antros da mais sórdida vulgaridade sexual animalizada. Estátuas horrendas, decorações absurdas, construções aberrantes, tudo era calcado no sensualismo chocante, ao tempo em que as músicas estridentes faziam-se acompanhar por detras de conteúdo chulo e palavreado grosseiro, enquanto seres humanos transformados em bestas animalescas serviam de condução a hediondas personagens que as conduziam, utilizando-se de rédea e chicote, seminuas ou vestindo-se primitivamente com o que pareciam couro negro escuro e brilhante, tendo adereços e argolas grosseiras penduradas em várias partes do corpo, incluindo o sexo de aparência descomunal. . . Tudo eram referências às mais vis expressões da conduta desregrada do abuso sexual.
Grupos desfilavam exibindo espetáculos coletivos de caráter sadomasoquista, em que as aflições que eram infligidas aos seus membros produziam gritos e dilacerações absurdas, mutilações e flagelos entre gargalhadas estentóricas e zombeteiras, como a imaginação mais exagerada não é capaz de conceber.
A execração não tinha limites, e apesar de nunca haver sido impressionável, mesmo quando da breve visita anterior, encontrava-me quase atoleimado ante o que a mente em desalinho é capaz de produzir.
Estávamos parados numa das laterais por onde desfilava o cortejo da luxúria desgovernada. Representações de seres mitológicos se multiplicavam, sempre com destaque a área da sua perturbação ou representação sexual desconcertante; ridículos imperadores romanos do período da pré-decadência eram imitados com burlescas aparências e debochadas carantonhas; meretrizes famosas e seus amantes infelizes volviam à cena representativa, entre aplausos ensurdecedores, assobios e gritos infernais entronizando bizarros Eros, Baços, Afrodites, Apoios despudorados. . .
Nesse momento surgiu um cortejo de crianças em atitudes agressivas e grotescas de atos libidinosos estarrecedores. Apurando, porém, a atenção, pude detectar que se tratava de anões disfarçados, conforme notara anteriormente, a fim de reterem a imaginação dos pedófilos e doentes de outras expressões perturbadoras do sexo aviltado.
Não conseguia compreender toda a hediondez do espetáculo, constatando mais uma vez que, naquela cidade nefasta, muitíssimos líderes das aberrações que se apresentam na Terra iam ali buscar inspiração, em razão de estarem envolvidos com a população residente. Isso, quando não a visitavam com a frequência indispensável a uma perfeita identificação de conduta, que pretendiam transferir para o planeta.
Recordava-me daqueles que sempre proclamam pela liberdade de expressão, no seu aspecto mais grotesco e selvagem, exigindo leis que descriminem usos e comportamentos vis, em nome da falsa cultura e da liberalidade que raia sempre pelo despropósito e pelo abuso. Alguns desses companheiros terrestres, que se fizeram famosos pelos conjuntos e bandas metálicas com personificações diabólicas, ali também se encontravam no desfile, exibindo as suas mazelas e perversões com que se compraziam, a fim de despertarem no corpo físico mais tarde sob indisfarçável mal-estar, que pensavam minorar com doses de álcool e de outras drogas químicas de que se fizeram escravos. . .
Era aquela, sim, uma sociedade que emergia do passado grosseiro, solicitando cidadania nos tempos modernos. . .
Estava mergulhado nessas reflexões, quando escutei nos refolhos da alma a voz gentil do Benfeitor, chamando-me a atenção:
– Não nos encontramos aqui para avaliar ou julgar o comportamento dos nossos irmãos doentes, mas sim com o objetivo de ajudá-los. Preservemos a sincera compaixão fraternal, aprendendo a avaliar tudo quanto não mais nos cumpre vivenciar, superadas essas manifestações primárias, nas quais um dia também nós, de certo modo, estagiamos antes de alcançar o momento atual.
Oremos e vigiemos!
A advertência oportuna chegara abençoada, despertando-me para o dever da solidariedade e não da censura ou da observação malsã que me permitia, desde que somos todos filhos de Deus, em cujo amor nos movimentamos e para cujo seio nos dirigimos. Todos teremos a nossa ocasião de ascender aos páramos da luz, por mais nos demoremos nas trevas da ignorância e da perversidade.
Mudando de atitude mental, de imediato as cenas escabrosas, que continuaram da mesma forma, passaram a ter um outro sentido e significado ante a reflexão de que Deus as permitia, porque o ser humano as elaborava em favor de si mesmo, a fim de aprender a purificar-se, saindo do pântano a que se arrojara livremente na direção da paisagem de luz.
Automaticamente deixei-me embalar pela musicalidade íntima da oração de misericórdia e de ternura em favor dos Espíritos confundidos em si mesmos, necessitados todos de bondade e compreensão, experimentando outro estado interior de paz e de compaixão.