Sexo e Obsessão

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CAPÍTULO 21
Ilustração tribal

Recomeço feliz


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O jovem padre Mauro despertou dominado por uma disposição de efetivo bem-estar. Desde quando tiveram lugar os acontecimentos perturbadores, cujo desfecho daria início à vivência de uma nova ordem de valores, nunca se sentira tão bem, adianto naquele amanhecer. Recordava-se, fragmentariamente, de algumas das ocorrências espirituais de que participara, embora tivesse dificuldade de coordenar todos os fatos. Sentia-os interiormente e em forma de emoção restaurada, como se a chaga moral que sempre exsudava angústia houvesse recebido um penso balsâmico, refazente.


Considerava que os sonhos recentes estavam recheados de informações inabituais, e davam-lhe a impressão de que vivia uma dicotomia [30]

de apoio de anjos em luta contra demônios que o sitiavam e afligiam. A verdade é que, tomado de impulso enriquecedor de paz, acercou-se do oratório, na capela próxima ao quarto e, ajoelhando-se, conforme a disposição religiosa da fé que abraçava, envolveu-se nas delicadas vibrações que defluem da prece ungida de sentimentos elevados.

Buscando o refúgio espiritual e a comunhão com Deus, sua mãezinha acercou-se-lhe, e em doce colóquio de mente a mente procurou restaurar-lhe algumas lembranças das atividades vividas, há pouco, em nossa Esfera, a fim de que ficassem impressas definitivamente, servindo-lhe de apoio e de segurança, assim como de roteiro para a plena libertação.

A blandícia proporcionada pela oração, quando bem entendida pela criatura humana, proporcionar-lhe-á no seu exercício o reconforto e a coragem para todos os momentos, sempre que recorrendo aos seus tesouros e o fazendo com mais frequência do que lhe é habitual. Quando o ser humano ora, penetra nos arcanos espirituais e refaz-se, adquirindo paz e enriquecendo-se de sabedoria, por estabelecer uma ponte de vinculação com as fontes do conhecimento, de onde promanam os bens da Imortalidade.

A prece seria, a partir de então, o bastão de apoio emocional do jovem sinceramente arrependido e preparado para o recomeço da luta. Sob a inspiração da genitora devotada e o amparo dos Mentores aos quais ela havia recorrido, ser-lhe-ia possivel avançar vencendo os obstáculos, que não seriam poucos, e que deveria ultrapassar.

Sucede que cada qual somente pode colher aquilo que haja semeado anteriormente, cabendo-lhe o discernimento para, enquanto recolhe os cardos deixados pelo caminho, realizar nova ensementação, agora de luz e de bênçãos, que lhe constituirão a seara futura por onde transitará.

Naquele momento, portanto, a abnegada genitora, utilizando-se da percepção acentuada do jovem sacerdote, intuiu-o de que a luta seria áspera, e ele se veria a braços com situações muito perturbadoras, teria ensejo de voltar aos mesmos vícios, seria induzido, pelo pensamento e pelas circunstâncias, a reincidir nos anteriores gravames, cabendo-lhe fugir da tentação através da oração e da ação beneficente, renovadora.

A prece propicia forças espirituais e morais, mas a ação preenche os vazios existenciais, facultando vigor e superação das falsas necessidades a que o indivíduo, pelos hábitos doentios do passado, se afervora.

Através da linguagem silenciosa do pensamento advertiu-o sobre as influências dos seres perversos que rondam as criaturas humanas e as induzem a atitudes vergonhosas e comprometedoras através do crime, elucidando, também que, concomitantemente, anjos benfeitores protegem os seus tutelados, infundindo-lhes valor e inspirando-os na luta do bem invariável.

Ele permaneceu por largo período no refúgio espiritual da oração, mergulhando nas esperanças do futuro. E porque estivesse assinalada uma nova entrevista com o Sr. Bispo para aquela tarde, d. Martina deixou-o nos deveres que lhe diziam respeito, a fim de que, no momento aprazado, com o nobre Instrutor pudéssemos acompanhar o desdobramento da terapia curadora do querido enfermo.

Quando Mauro procurou o seu pastor, ao cair da tarde, havia uma psicosfera de acentuada paz na residência episcopal. O sacerdote, cônscio dos seus deveres, considerando a gravidade da ocorrência que defrontava por primeira vez durante todo o seu ministério, não descurou de procurar uma solução adequada de forma que as consequências pudessem ser atenuadas, evitando futuros desastres dessa ou de outra vergonhosa natureza. Havia-se dedicado ao rebanho com fidelidade, confiando nos postulados da fé que elegera como roteiro de iluminação e de salvação para os fiéis que se lhe entregavam confiantes. Em razão disso, foi-lhe muito penosa a realidade dos infelizes acontecimentos. Ao tempo que assim conjeturava, compreendia também que não podia destruir a existência do jovem padre, que sempre se lhe afigurara um homem de bem, digno servidor da grei. De maneira discreta, procurou ouvir outras autoridades religiosas e psiquiatras, resolvendo encaminhar o paciente a uma clínica especializada, que vinha atendendo a casos equivalentes, como a alguns de outra natureza, quando se apresentavam transtornos depressivos, desvios esquizofrênicos. . .

Com excelente disposição psíquica recebeu o filho espiritual, e, após algumas considerações valiosas, procurou auscultar-lhe os sentimentos.

Fortemente inspirado pelo irmão Anacleto, Mauro narrou que uma incomum transformação interior nele se operara. Havia vivido experiências oníricas, semelhantes às de muitos santos e taumaturgos, conforme relatos constantes nos livros sagrados.

– Anteriormente – acrescentou, algo constrangido – sentia-me arrebatado por verdadeiros seres diabólicos que me levaram a regiões de gozo incessante e exaustivo, vampirizando-me as forças e deixando-me sequioso de vivências equivalentes. Dias houve, nesse ínterim, tão terríveis, que despertava mal humorado, infeliz, dominado por desejos incoercíveis, sendo impelido por forças cruéis a práticas abomináveis de que me arrependia e me condenava sem cessar. Nessas ocasiões, eu tinha a sensação de haver estado no Inferno, de onde retornava sob maléfica influenciação. Nos últimos dias, porém, mais de uma vez, encontrei-me em lugares de oração e de socorro, onde, não poucos seres angélicos não só me atenderam como também a outros que me pareciam familiares. . .


Calou-se, por um pouco, concatenando ideias e tentando captar melhor o pensamento do Benfeitor espiritual, para logo prosseguir:

– Nesses momentos tenho visto minha mãe que, como sabe Vossa Eminência, é falecida há quase cinco anos. Aparece-me no vigor da sua juventude, tomada de profunda compaixão pelos meus atos ignóbeis, protegeme dos seres satânicos, que a respeitam, como também me infunde ânimo para prosseguir. Não fosse esse socorro propiciado pela Divindade e ter-me-ia suicidado na mesma noite em que a professora Eutímia me surpreendeu com a criança. A vergonha, o asco [31] que, de mim próprio, senti, tomaram-me o espírito fragilizado e uma voz terrível fazia repercutir no meu íntimo que o suicídio seria a única solução para o meu miserável destino.

– Mas, você, que conhece as santas Escrituras sabe que o suicídio constitui um crime hediondo, para o qual não há perdão da Igreja nem de Deus. . .

– Sim, Eminência, eu o sei, mas sucede que a minha mente era vulcão em erupção, não havendo lugar para qualquer raciocínio lógico, para qualquer entendimento da vida nem da religião. Sentia-me assaltado por forças mais poderosas do que eu, e não vendo perspectiva para o futuro, a fuga seria a solução do momento. Felizmente, a mãezinha apareceu-me, não sei como, e libertou-me da instância do Mal, fazendo-me adormecer e conduzindo-me para um lugar fora da Terra, onde me pude refazer e recuperar. . . Na noite passada, novamente estando em uma estância de trabalho ativo, participei de uma reunião singular, onde anjos e demônios travaram uma estranha batalha, e na qual eu era uma das personagens envolvidas, ao lado de outros que me pareciam conhecidos, detestáveis alguns, amados outros. . .

– Você deve recordar-se – interrompeu-o o Sr. Bispo – que Jesus referiu-se a muitas moradas na Casa do Pai, havendo-nos prometido ir preparar lugar para nós outros, conforme anotou São João, no capítulo número quatorze do seu Evangelho. Eu sempre pensei que essas moradas são os astros que constituem o Universo, mas também são redutos onde estagiam os Espíritos após a morte antes de seguirem ao seu destino final, conforme os atos praticados no mundo. Penso que o Purgatório, por exemplo, não seja um lugar definido geograficamente, mas incontáveis regiões de dor e de sombra, na Terra e fora dela, onde os culpados expungem e se depuram, tendo ensejo, então, de ascender ou não ao Paraíso. É certo que a minha reflexão não encontra respaldo teológico. Nada obstante, não exista nada em contrário. "Continue a sua narração, e desculpe-me a interrupção, que resulta do meu entusiasmo por encontrar confirmação para um pensamento que me acomete desde há muito. . " Sem maior delonga, Mauro deu curso à narração das suas experiências fora do corpo físico.

– Na noite anterior – continuou, algo relutante acompanhando as ocorrências que não me estão muito claras na mente, mas que retornam agora, como que sob uma ação mágica em um caleidoscópio vivo da memória, fui convidado à renovação e foram desenhadas possibilidades para o meu reencontro e equilíbrio, devendo dedicar-me a Jesus e à Sua mensagem, especialmente reabilitando-me mediante a edificação de um lar para crianças profundamente marcadas, infelizes, inspiradoras de constrangimento e de compaixão, em cujo convívio poderei superar as minhas más tendências e tornar-me um verdadeiro servidor do Evangelho. . . A princípio, fui tomado de espanto e medo, pensando nos riscos de estar ao lado das tentações mais graves e com imensas possibilidades de repetir os crimes de que me desejo libertar. No entanto, nobre ser espiritual me elucidou que a ternura e a misericórdia ante as deformidades que as caracterizarão, ser-me-iam o bastão de apoio e o medicamento salutar para manter-me em saudável equilíbrio, enquanto a caridade seria uma luz na noite da minha solidão. Confesso que estou animado com a possibilidade e espero poder recuperar-me de todo o mal que pratiquei, através de todo o bem que poderei fazer. . .

– Alegro-me sobremaneira com essas informações – interrompeu-o o eclesiástico, emocionado – porque o Senhor da Vida espera que as ovelhas que se tresmalham retornem ao redil, não ficando no abismo ao qual se arrojam.

Recordemo-nos da parábola do Filho pródigo e, consequentemente, da imensa alegria que invadiu o pai, quando o jovem tresvariado e infeliz retornou ao lar, preferindo mesmo enfrentar qualquer reação do genitor, caso a houvesse negativa, a continuar entre os porcos conforme estava. Há sempre esperança no Bem, quando há honestidade no arrependimento e interesse no recomeço.

Todos erramos, face à nossa estrutura de humanidade, às imperfeições que nos caracterizam, tendo porém o dever de nos reabilitarmos, trilhando a mesma estrada no sentido inverso, reconstruindo, passo a passo, tudo aquilo quanto danificamos ou malbaratamos. Somos contínuos aprendizes da vida em processo de crescimento para Deus. Não poucas vezes, nos meus devaneios espirituais interrogo-me se uma existência única é suficiente para alcançar-se a meta, para adquirir-se a sabedoria, para a conquista da plenitude. Diante do Infinito, a nossa relatividade de tempo expõe-nos a situações muito perturbadoras, que nos impossibilitam alcançar os patamares superiores do êxito, especialmente quando defrontamos limites de vária ordem. Como poderia Deus exigir de pessoas diferentes, portadoras de valores diversos, resultados idênticos? Como entender a salvação dos réprobos morais, que já nasceram assinalados pelas deformidades do caráter, ou vítimados pelas heranças genéticas degradantes irreversíveis. . .

Percebi que o irmão Anacleto havia colocado a destra sobre a fronte do Bispo, infundindo-lhe coragem e lucidez de raciocínio, de forma que, naquele momento, suas anteriores reflexões encontrassem maior campo de discernimento e de claridade, a fim de assegurar-se da exatidão dos seus raciocínios.


Quase iluminado pelo contato com o nobre Benfeitor, não pôde sopitar o entusiasmo, prosseguindo:

– Alguns pensadores da Igreja cristã primitiva, tais Orígenes, Tertuliano, Santo Agostinho, Ambrósio, para citar apenas alguns, acreditavam na transmigração das almas em diversos corpos, por cujo meio adquiriam sabedoria, depuravam-se e cresciam para Deus. Os seus erros, por mais hediondos, sempre podiam ser reparados na Terra mesmo, onde haviam sido cometidos. Todos os crimes e práticas comprometedoras eram reparáveis, o que explicaria as aberrações físicas e morais que caracterizam muitos seres, aprendendo na dor a valorizarem o amor, aprisionadas no cárcere carnal, caso não hajam sido alcançadas pela justiça que as não corrigiu nem edificou. Dessa forma, Deus concederia iguais oportunidades a todos os filhos, facultando-lhes o crescimento interior a esforço pessoal, sem que alguns sejam agraciados em detrimento de outros que teriam que lutar para alcançarem os mesmos recursos e fruírem os mesmos direitos. Sem contestar o estabelecido pela Igreja, a mim me parece muito mais compatível com a justiça de Deus a doutrina da transmigração das almas por muitos corpos, do que a vida única, com imediatas consequências de felicidade total ou punição eternas. Sei que isso pode incidir em blasfêmia, porque o II Concílio de Constantinopla, reunido no ano de 552, condenou as doutrinas de Orígenes, objetivando, essencialmente, negar a reencarnação.


Depois de um silêncio, que se fez natural, o Sr. Bispo acrescentou:

– Desculpe-me o entusiasmo e a interrupção da sua interessantíssima narrativa, que me faz recuar a experiências semelhantes que vivenciei no passado. Gostaria de continuar ouvindo-o a respeito das suas, digamos, viagens astrais, conforme são denominadas pelo Esoterismo e outras doutrinas ocultistas. . .


Mauro, que se encontrava visivelmente reconfortado, ainda mais com as informações do seu pastor que confirmavam alguns dos acontecimentos que vivenciara quando em desdobramento da personalidade ou espiritual, sentiu-se encorajado a informar:

– No já referido encontro da noite passada, ficou estabelecido que alguns daqueles seres por quem eu sentia emoções desencontradas, deveriam voltar ao corpo, a fim de viverem comigo, em razão de vinculações profundas que nos unem. Não sabendo aquilatar o de que se trata, não obstante, senti-me muito feliz e despertei com novas disposições para o futuro, contando com o apoio e o perdão de Vossa Eminência.

Os dois sorriram, como se um conciliábulo de significado superior estivesse sendo firmado naquele momento.

– Agora – informou o prelado – passemos aos planos a respeito do seu futuro próximo, a fim de que, mediante cuidadosa terapêutica, você possa superar os desvios de comportamento e a perturbação emocional de que tem sido objeto. Também eu acredito, sinceramente, na interferência de seres demoníacos e de anjos nos atos de nossas existências. Eles sempre nos assessoram, conforme a conduta que nos permitimos. No caso em tela, essas forças do Mal, tiranizantes e perversas, tentam todas as almas que pretendem viver os preceitos do Evangelho, utilizando-se das debilidades do caráter de cada uma, para as desencaminhar, levando-as aos dédalos infernais. . . Todavia, reconhecemos que o mau hábito cria condicionamentos, e que esses devem ser tratados conforme a valiosa contribuição das ciências contemporâneas.


Medindo as palavras, a fim de atingir o auge da orientação, expôs:

– Como você há de compreender, o seu não é um caso isolado em nossa Igreja. Outros sacerdotes também, na sua condição de criaturas humanas falíveis, têm sido vítimas de situações psicológicas e mentais semelhantes ou com algumas variantes, o que tem preocupado as nossas autoridades, que vêm recorrendo ao auxílio da Medicina, para socorrer aqueles que são vítimas desses transtornos e de outros problemas na área do comportamento e da emoção. O assunto é sempre tratado com o máximo de discrição, a fim de evitar-se ampliar as proporções da ocorrência, que não trariam qualquer benefício a quem quer que seja, ao mesmo tempo buscando recuperar aquele que se haja comprometido ou tombado nas armadilhas da insensatez. Em tudo, a Igreja deve intervir com sabedoria e cuidado, amparando o equivocado e socorrendo sua vítima, mantendo o programa da paz e da felicidade possivel entre todos. Dessa maneira, entrei em contato com uma clínica psiquiátrica, que já tem recebido outros sacerdotes, a fim de que o seu caso seja estudado e você receba a orientação psicológica correspondente, recuperando-se o mais rapidamente possivel, para prosseguir nos compromissos que lhe dizem respeito.

O sacerdote encontrava-se realmente comovido. Aquela entrevista, que deveria decidir um destino em tormento, evitando graves problemas para outras vidas, ensejara-lhe, também, reflexões em torno das quais jamais se atrevera apresentar a alguém, parecendo-lhe agora tão reais e ricas de conteúdo, que lhe facultava melhor entendimento das Leis da Vida em torno dos seres humanos, amenizando aflições que o vítimavam de quando em quando, ao pensar no destino e na condenação perpétua das almas.


Por fim, concluiu a entrevista:

– Já tomei todas as providências possíveis para o seu internamento, que correrá por conta do setor competente da nossa Igreja. A partir de hoje, o meu querido filho espiritual poderá transferir-se para o seu novo domicílio.

Enquanto isso ocorre, irei estudar uma paróquia para onde transferi-lo após receber alta, na qual, entre pessoas humildes e necessitadas, você possa reerguer-se para Jesus. . . E se tudo transcorrer conforme esperamos e desejamos, estou disposto a contribuir em favor do seu Lar de crianças, mesmo que seja numa área fora da minha administração clerical. Manter-nos-emos em contato epistolar e terei imensa felicidade em abraçá-lo proximamente aqui mesmo, quando o encaminharei a novos labores, procurando deixar no passado as suas lições, que servirão de alicerce para as construções do Bem no futuro.

Que Deus o abençoe, meu filho, e que nunca mais se aparte da senda da caridade.

O senhor Bispo entregou-lhe um envelope, no qual estavam as diretrizes a respeito do internamento, com a documentação e as recomendações necessárias. Abraçou-o, afetuosamente, e o abençoou, conforme a tradição eclesiástica. Uma estranha sensação dominou-o, como se não mais viesse a ver novamente o jovem sacerdote por quem nutria peculiar afeição.

Logo após, recolheu-se em oração defronte do oratório, onde, invariavelmente, buscava a comunhão com Deus. Envolveu o jovem amigo em preces de recomendação, guardando a certeza de que as suas foram decisões acertadas e os resultados, que sempre pertencem ao Pai Celestial, seriam opimos.

Mauro afastou-se dominado por grande alegria interior, como se algemas se arrebentassem, de alguma forma libertando-o de um passado cruel.

Sentia que muitas dores o aguardariam no transcurso da existência, no entanto sabia também que nunca lhe faltaria o apoio dos Anjos tutelares, que sempre velam pelas criaturas humanas. Distanciando-se do guia espiritual, reconheceulhe a nobreza de caráter e a fidelidade à Doutrina que abraçava com amor e abnegação. As suas eram sempre atitudes nobres acompanhadas de testemunhos de amizade e de alto discernimento, adaptando sempre os impositivos da Igreja às circunstâncias e aos tempos atuais. Por isso, era tido como um verdadeiro pastor, um sábio da Doutrina Católica.

Caminhando pela rua deserta em pleno crepúsculo, teve a impressão de que também o mal que o dominava se eclipsava, a fim de passada a noite, amanhecer novo dia, que lhe seria abençoada ocasião de serviço e de paz.

O irmão Anacleto, sensibilizado com os resultados dos cometimentos, formulou votos de êxito em favor do pupilo espiritual e convidou-nos a retornar à sede das nossas atividades.

Dona Martina aproximou-se do Benfeitor com os olhos marejados de pranto de gratidão e, sem qualquer palavra, osculou-lhe a destra, envolvendo-o num olhar de afetividade profunda e imorredoura. Ela podia sentir que o filho experimentaria muitos sofrimentos, mas reconhecia que a estrada de sublimação é pavimentada com as lições da Via Crucis, perlustrada pelo Incomparável Rabi Galileu, e das estradas da Úmbria, percorridas por Francisco de Assis. Exultava, portanto, e, rica de gratidão ao Senhor da Vida, entregou-se às emoções superiores que defluem do culto reto do dever e da confiança irrestrita nas Suas Leis.

O amoroso Guia com muita habilidade desviou qualquer possibilidade de mérito pessoal, transferindo todas as honras e realizações ao Supremo Realizador.

Logo após, seguimos ao Núcleo de atividades onde estagiávamos.


Pensando nas crianças que haviam sido ultrajadas por Mauro e no pequeno que, por pouco, não se lhe tornou mais uma vítima indaguei ao nobre Guia:

– Estão sendo tomadas providências em favor daqueles que sofreram a perturbação sexual do sacerdote, tal como as que estão sendo direcionadas em seu favor?


O generoso Instrutor, sorriu, gentil, e redarguiu:

– Naturalmente. Se aquele que cometeu os delitos está recebendo ajuda para não voltar a reincidir no mal, considere as providências que estão sendo tomadas em benefício das suas vítimas! Nada fica sem conveniente atendimento, especialmente quando se trata daqueles que foram empurrados para o erro, embora os atavismos da retaguarda. Equipe especializada de nossa Esfera, igualmente parte do nosso grupo de realização, está auxiliando os pequenos vítimados e tomando providências possíveis para os ajudar em relação ao futuro, minimizando os traumas psicológicos e as dependências perturbadoras que, por acaso, venham-se-lhes apresentar. Com certa frequência temos recebido notícias das providências em curso e exultamos com os excelentes resultados que estão sendo colhidos.

Nesse momento chegamos à sede do nosso labor.







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