Sexo e Obsessão
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Atendimento fraterno
Ao despertar, D. Eutímia se apresentava eufórica e otimista. Sentia que a sombra do receio havia sido diluída. Ainda no leito, começou a recordar-se do sonho que se apresentava como uma realidade de tal monta, que não pôde sopitar as emoções e, quando o marido acordou, solicitou-lhe um pouco de atenção, pois que necessitava falar-lhe.
Ali estávamos, o Instrutor Anacleto, Dilermando e nós. O Benfeitor havia pensado em assisti-la naquele momento, a fim de que a sua memória não sofresse qualquer tipo de bloqueio que lhe impedisse a claridade do pensamento.
Assim, após os primeiros atendimentos higiênicos, sentaram-se ambos, e, tranquilamente, inspirada pelo nosso Orientador, narrou com naturalidade os acontecimentos da véspera, que a haviam excruciado, e o sonho de que fora objeto.
– Temia – disse ao esposo colhido de surpresa – que explodisse um escândalo sem precedentes em nossa Escola. A partir do momento em que surpreendera o sacerdote em atitude indecorosa havia perdido minha paz. Não quis perturbar-te antes de asserenar-me suficientemente, o que agora consegui.
Havendo orado muito, fui conduzida ao mundo dos sonhos, onde me deparei com Mauro, outras pessoas, um anjo misericordioso e um demônio de aspecto repelente e perverso.
Silenciando, por um pouco, emocionada, permitiu-me reflexionar que, na sua interpretação do fato espiritual, as palavras eram colocadas conforme a crença religiosa em que se apoiava, de alguma forma sendo fiel ao que vira. . .
Continuando, explicou-lhe o desejo de manter uma entrevista com o senhor Bispo da Comunidade, acompanhada pelo esposo, assim resolvendo por definitivo a questão, e desincumbindo-se do dever, como lhe impunha a consciência pessoal, social e religiosa.
O marido, que era homem probo e austero, passado o choque inicial em torno do acontecimento, anuiu de boamente em acompanhá-la no próximo domingo à residência episcopal, antes havendo assinalado uma entrevista com o respectivo senhor.
Enquanto se preparavam para enfrentar o dia de trabalho, o irmão Anacleto nos convidou para fazermos uma visita a Mauro. Transladando-nos para a Casa Paroquial, encontramos o jovem desperto, absorto em profundo cismar. Recordava-se do acontecimento onírico com muita nitidez, mas, sobressaltado pelos efeitos danosos dos seus atos, receava as consequências que deveriam advir dos mesmos.
Resolvera não voltar ao Educandário, ficando em casa, a fim de mais meditar e aguardar o que viesse a acontecer.
O amigo Anacleto acercou-se-lhe, e após saudar a mãezinha que permanecia de plantão, a fim de evitar a interferência de algum Espírito mistificador ou ocioso que por ali se encontrasse, falou mentalmente ao aflito sacerdote, enquanto o envolvia em fluidos salutares:
– Recolhe-te em oração. Busca Jesus através do Evangelho e detém-te nos Seus momentos finais na Terra, quando, no Horto, enquanto todos dormiam, Ele sofria, apesar de estar em oração. . . Ele, que não tinha qualquer culpa, não recusou o cálice de amarguras. Assim, não penses em fugir dos calamitosos efeitos dos teus desmandos, procurando mecanismos de justificação ou precipitando-te em abismos de sombras demoradas. Levanta-te e segue no rumo da oração, entregando-te a Deus, que fará o que seja de melhor para ti.
Ante a ordem enérgica, que lhe repercutiu nos refolhos do pensamento, Mauro levantou-se, tomou do Evangelho e seguiu à Igreja. Tremia, emocionado, pois se recordava dos episódios espirituais da madrugada, agora mais lúcido, ante o psiquismo de Anacleto que o dirigia mentalmente.
Sensível ao registro de inspiração espiritual, pois que, por muito tempo, a recebia com frequência de Entidades perversas, agora, mudando o direcionamento mental ao sintonizar em faixa mais elevada, conseguia captar a presença do Mentor, que se lhe apresentava como um Anjo da Guarda, socorrendo-o naquele momento crucial da sua existência.
Buscou uma singela capela, na imensa Igreja, desprovida de adereços e quinquilharias de que não necessita a memória dos Espíritos nobres, dedicada a um santo que parecia socorrer os desesperados, ajoelhou-se, porejando suor por todo o corpo, fechou os olhos e abriu o Evangelho.
O Benfeitor conduziu-lhe os dedos aos momentos que precederam ao arbitrário arrastamento do Amigo sem amigos na direção dos Seus cruéis algozes. O texto assinalava a estada do Mestre no Horto das Oliveiras em plena agonia.
Mauro nublou os olhos com lágrimas sinceras de arrependimento e começou a ler, mergulhando profundamente o pensamento, talvez pela primeira vez, no conteúdo incomum e sublime daqueles instantes de dor e de rudes angústias do Condutor a Quem buscava servir.
Demorou-se em cada frase, perscrutou o sentido oculto de cada palavra, estabeleceu pontes com a sua conduta, recordando-se do Mestre que lhe dera a vida, enquanto permanecia adormecido na escabrosidade moral.
Experimentou um grande sofrimento, um abatimento íntimo como nunca sentira antes. Passou a considerar a magnitude infeliz dos seus atos, e resolveuse, custasse-lhe o que fosse, mudar de vida. Pensou em buscar a confissão com o seu Bispo, narrar-lhe tudo, rogar-lhe auxílio e perdão, misericórdia e oportunidade. Estava, sim, disposto a recomeçar longe dali, distante do lugar da escravidão, em campo novo, abrindo o coração a Deus e ao serviço em favor da Humanidade.
Captando-lhe o pensamento por instruções do Mentor, fomos colhidos pela nova e surpreendente decisão, que teria de partir dele mesmo, por isso que não lhe fora imposta ou aventada, sequer como hipótese, durante o encontro espiritual.
Estavam em feliz prosseguimento os planos delineados, quando o irmão Anacleto nos convidou a outras atividades, deixando o paciente entregue a si mesmo e às suas reflexões, pois que necessitava, mais do que nunca, de ouvir-se, de sentir o coração, de despertar para novos compromissos, e esse trabalho deveria ser exclusivamente seu.
A mãezinha vigilante e quase feliz, assessorava o filho envolta em vibrações de grande ternura. Simultaneamente ocorreu-lhe pensar na situação do marido desditoso que lhe infelicitara o filho. É certo que, após muitos atritos que mantiveram no reduto doméstico, que se transformara em área de batalhas doridas, ele houvera abandonado a família, e logo depois desencarnara, sem que ela houvesse tomado conhecimento da forma como sucedera o seu desenlace. Ao chegar ao mundo espiritual, tomando conhecimento das aflições do filho, passara a assisti-lo, buscando evitar que sucumbisse totalmente à ação do Mal. Mas o companheiro, indigno e doente, só agora lhe voltara ao pensamento. Por onde andaria Heraldo, o indigitado esposo e genitor cruel? – pensou, na circunstância em que se encontrava.
Nesse momento, alongando o sentimento em favor da vera fraternidade, que se estende envolvendo todos os seres, permitiu-se espraiar sua ternura e perdão em comovida oração em favor do revel, a fim de que fosse beneficiado, quando a paisagem de sombras começava a adornar-se de peregrina luz. Ele também merecia misericórdia e compaixão. Fora o intermediário físico do filho por ela muito amado, era também criatura de Deus, portanto credor de carinho e de amor.
Assim, enquanto o filho viajava mentalmente na direção do Mestre Incorruptível, ela buscava o companheiro tresvariado que sucumbira ao peso das próprias arbitrariedades.
O dia alargou-se, facultando-nos ampliar os compromissos que nos diziam respeito. A Instituição, onde nos albergávamos, mantinha um vasto programa de assistência espiritual às criaturas, além da ação da caridade ali exercida sob vários aspectos, realizando, concomitantemente, um bem programado serviço de atendimento fraterno a quaisquer pessoas que se apresentassem com necessidades, buscando ajuda.
O irmão Anacleto convidou-nos a acompanhar a faina dos obreiros devotados à caridade de iluminação de consciências e de direcionamentos para o equilíbrio, para a saúde, para a recuperação da paz. A atividade reunia duas equipes: uma constituída por Entidades generosas e trabalhadoras e a outra pelos companheiros que militavam na Casa Espírita. Haviam recebido treinamento espírita e psicológico e, periodicamente, eram reavaliados, reciclados, de modo que pudessem cooperar com bondade e discernimento doutrinário em favor dos muitos sofredores que buscavam orientação.
Em ambos os planos de atividade havia um responsável que se encarregava de orientar cada candidato, de forma que tudo transcorresse em harmonia e os resultados fossem os melhores anelados. As pessoas, que desejavam orientação, eram reunidas em uma sala ampla, na qual recebiam esclarecimento espiritual, mediante a leitura e comentários de uma página espírita e recebiam passes coletivos. Posteriormente, aqueles que desejavam informações mais profundas, eram levados a diversas salas, nas quais recebiam atendimento pessoal, discreto e carinhoso.
O gentil Instrutor sugeriu-nos acompanhar uma dama que chegara aturdida e apresentando um quadro obsessivo bem caracterizado. Havia participado da primeira parte do atendimento, e agora deveria receber a orientação que buscava.
Uma senhora de aspecto gentil, aureolada por nívea claridade que dela se desprendia, recebeu-a gentilmente, deixando-a a vontade para o cometimento. Percebi que, inspirando-a, encontrava-se uma Entidade afável, que estava encarregada do mister do nosso lado da vida.
Sem ocultar o desespero que lhe inquietava, a dama foi direta ao drama existencial, elucidando:
– Nada conheço sobre o Espiritismo. Faz muito tempo que me afastei de Deus, já que a religião que esposava não fora capaz de iluminar-me interiormente, ensejando-me a paz que tanto busco. Desculpe-me, pois, se não souber como conduzir-me nesta entrevista, que realizo por primeira vez.
A atendente fraterna sorriu, explicando-lhe:
– Esteja à vontade, sem qualquer preocupação. Afinal, aqui estou como sua amiga, propondo-me a ouvi-la com interesse e apresentar-lhe as respostas que o Espiritismo possui para os vários dramas humanos, naturalmente incluindo aquele que a aflige.
Ainda ofegante, resultado da constrição de que era vítima habitual do seu perseguidor desencarnado, que se lhe afastara quando da dissertação ouvida e dos passes coletivos que haviam sido aplicados, esclareceu:
– Minha vida tem sido um verdadeiro inferno. Seja sob o aspecto sentimental, econômico, social, com a saúde alquebrada, insônia e mil tormentos que me encarceram na revolta, tornando-me insuportável em casa, no trabalho, e principalmente comigo mesma; esses problemas alteraram completamente o meu comportamento. . .
Fez uma pausa, tentando coordenar as ideias, e logo prosseguiu:
– Alguém, que se diz médium, informou-me que estou obsidiada, e sugeriu-me que aqui viesse, a fim de conversar com o senhor Ricardo, que é um grande vidente e me poderá auxiliar.
Alongou-se em mais algumas explicações desnecessárias, sem qualquer fundamento, e perguntou o que deveria fazer.
A senhora que a atendia, sorriu com bondade, e passou a explicar-lhe:
– O nosso irmão Ricardo, ante a impossibilidade de atender a todos que lhe desejam falar, recebe somente aqueles casos mais graves, após uma triagem que fazemos os atendentes fraternais.
– Acredito que o meu é um caso muito grave, não? – interrogou, ansiosa.
– Sim – redarguiu a entrevistadora – todos os problemas são sempre muito graves. Entretanto, uns existem com mais angústias e aflições, que requerem um atendimento especializado. Felizmente, estamos em condições de atendê-la, acalmando-a e diminuindo-lhe o impacto da informação que recebeu.
– É verdade que os Espíritos maus estão comigo, conforme me disse a tal da médium? – indagou com sofreguidão.
– Todos nós – esclareceu a gentil ouvinte – vivemos cercados pelos Espíritos. Eles são os habitantes do mundo fora da matéria, como você compreenderá, porque são as almas das criaturas que viveram na Terra, agora desvestidas da indumentária material. De acordo com os nossos pensamentos atraímos aqueles que nos são semelhantes, ou sofremos os efeitos dos atos que praticamos na atual existência ou em outras que já tivemos. O Espírito viaja através de várias experiências corporais, colhendo na atual as realizações boas ou inditosas que defluem da anterior, assim desenvolvendo os valores que lhe dormem internamente e avançando no rumo da felicidade.
Novamente sorriu, fazendo uma pequena pausa, a fim de facultar o entendimento da consulente, logo dando curso à explicação:
– A reencarnação é o processo de evolução mais compatível com a Justiça de Deus, que a todos nos criou simples e ignorantes, facultando o crescimento conforme o livre-arbítrio de cada um na direção da plenitude que a todos nos aguarda. Não diria que a minha amiga e irmã é uma obsidiada. . . De certo modo, todos o somos, porque momentos há em nossas vidas em que o desequilíbrio nos toma conta, e atraímos Espíritos ociosos, perversos, vingativos, dos quais não sabemos como libertar-nos. Há, porém, um método irrefragável para conseguirmos o êxito em qualquer situação, que é o da oração e vigilância, recomendado por Jesus para todos. Acredito, sim, que você vem agindo sob inspiração perturbadora, como é natural, face aos muitos problemas que relata, mas isso não a deve afligir, porque se encontra onde poderá receber reforço de coragem e recursos para a libertação.
Novamente silenciou, dando tempo mental para que a outra assimilasse as informações fornecidas.
Mantendo-se serena e envolvendo a dama em vibração de simpatia e de paz, deu curso aos esclarecimentos:
– Sugiro-lhe que leia O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, de Allan Kardec, a fim de encontrar conforto moral e paciência para os enfrentamentos do cotidiano. A sua leitura lhe fará um grande bem, em razão dos esclarecimentos que lhe proporcionará e das diretrizes necessárias à sua paz interior e, portanto, a uma vida feliz. Igualmente proponho-lhe a terapia bioenérgica, isto é: os passes, como aconteceu há pouco, antes da nossa conversação, com o que se fortalecerá para as lutas e os desafios. Por fim, sendo-lhe possivel, venha conhecer as nossas reuniões de palestras e estudos do Espiritismo, nas quais adquirirá conhecimento para libertar-se não apenas dessa Entidade que a aturde, como também para auxiliar outras pessoas que se encontram na mesma situação aflitiva.
Inspirada pelo Espírito lúcido que a assessorava, permaneceu jovial, respondendo a algumas outras indagações da senhora, que dali saiu renovada.
Antes de ser atendida, o responsável pelo trabalho anotou-lhe o nome e o endereço, com o objetivo de colocá-la entre aqueles que se faziam beneficiados pelas vibrações habituais das reuniões especializadas. Face a essa providência, o Mentor espiritual da atividade também anotou os dados da consulente, e entregou-os a um membro da equipe de visitadores desencarnados, a fim de que oferecesse a assistência conveniente à dama, conforme a sua receptividade ao que lhe fora informado.
Fiquei sensibilizado com essa medida de auxílio, que passa despercebida a muitos trabalhadores da Seara Espírita. Observei que não fora necessário um interrogatório, que resulta dos atavismos religiosos do passado, nas incoerentes confissões auriculares, agora sob disfarce de estatística para futuros resultados; não havia ficha de identificação, na qual se anotassem os dramas das pessoas aflitas, desnudando-as aos olhos estranhos e deixando-lhes as confidências por escrito, para futuros estudos ou mesmo comentários, nem sempre felizes. Tudo era natural, conforme as disposições do pensamento espírita, que respeita a vida interior das criaturas.
Outrossim, dei-me conta que o atendente fraterno buscava mais ouvir que falar, orientando mediante a contribuição do Espiritismo, evitando as próprias conclusões e o que se convencionou denominar como achismo, mediante o qual se opina sem conhecimento de profundidade a respeito de tudo, apoiado no que se acha, no que se pensa, no que se conclui, nem sempre corretamente.
Não pude demorar-me em maiores considerações, porque mais uma senhora fora encaminhada a outra atendente, esta, porém, jovem e aparentemente sem maior soma de experiências.
A candidata ao atendimento apresentava-se mais perturbada do que aquela a que nos referimos anteriormente. Sentou-se, inquieta, e explicou:
– Não sei por onde começar, tal é a magnitude do meu drama.
– Faça-o conforme lhe parecer melhor – respondeu, gentilmente, a jovem – sem pressa, sem inquietação. Aqui estou para ouvi-la com paciência e simpatia.
– Você é casada? – interrogou, receosa.
– Ainda não – esclareceu, com um sorriso – mas isso não é importante.
O que faz sentido é o conhecimento que tenho da alma humana, de alguns dos problemas que afligem as criaturas, em razão dos estudos espíritas que me tenho permitido, e, também, por ser psicóloga clínica.
– Oh! Que bom! – exclamou a visitante – O meu caso é quase sórdido.
Sou casada há, mais ou menos, dez anos, e sempre mantive um relacionamento sexual equilibrado com o meu marido. Não me sentia plena, realizada, em nosso intercâmbio íntimo, mas pensava que era assim mesmo. As minhas amigas sempre me relatavam suas dificuldades, e resignei-me. Ultimamente, porém, percebo que o meu esposo se vem corrompendo muito, entregando-se a viagens mentais e visitas a motéis, acompanhando filmes eróticos e pornográficos, e exigindo-me uma conduta semelhante, o que me ultraja.
Silenciou, constrangida. Passados alguns segundos, continuou, sofrida:
– Agora, tornou-se-me insuportável o seu assédio, exigindo-me compartilhar das aberrações que vê nos filmes de prostituição e vulgaridade, o que me aterroriza, produzindo-me reações de ódio e nojo em relação a ele, a quem sempre amei. Não o desejo perder, mas sinto que, se não ceder às suas exigências descabidas e mórbidas, ele me abandonará. Que hei de fazer?
A jovem meditou por alguns instantes, e respondeu-lhe com brandura:
– Este é, realmente, um momento muito importante para a preservação do seu matrimônio. Vivemos um período de perversões vis em nossa sociedade, que se vêm generalizando assustadoramente. O sexo tornou-se objeto de perturbação e de infelicidade. O matrimônio, no entanto, é um contrato social e moral, de resultados espirituais, unindo duas pessoas pelos laços do amor, a fim de edificarem a família, não podendo transformar-se em bordel de excentricidades profissionais. O companheiro, de acordo com a sua narração, encontra-se doente, e necessita de terapia com um sexólogo, a fim de refazer conceitos e reencontrar o equilíbrio a fim de prosseguir feliz no lar. "Não me cabe dizer-lhe o que deve fazer, neste momento, pois que seria assumir a responsabilidade da sua futura atitude. Cada um de nós tem a liberdade de pensar e agir conforme seja melhor para o próprio entendimento.
Os resultados, porém, virão inevitavelmente, e cada qual se verá a braços com o que haja desencadeado, num campo saudável ou num terreno ingrato. . . Não obstante, seria de bom alvitre que a amiga convidasse o esposo a uma conversação serena, explicando-lhe a questão conjugal sob o seu ponto de vista, informando-o sobre as suas reações e anseios, suas necessidades afetivas, que nada têm a ver com os comportamentos doentios ora em voga. Enquanto isso, indico-lhe a oração como recurso autoterapêutico que a fortalecerá para resistir às inconvenientes e descabidas exigências, mantendo-se serena e amando o companheiro, momentaneamente desajustado. "
– E se ele não concordar? – interrogou, aflita. Perdê-lo-ei ou cederei?
Mantendo a calma e a amabilidade, a jovem psicóloga respondeu:
– Isso dependerá da sua estrutura emocional, dos seus valores morais, da sua constituição espiritual. Ninguém lhe poderá dizer o que fazer, nessa situação delicada. Pense, amadureça reflexões e estude O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, de Allan Kardec, que lhe propiciará a visão correta dos fatos e da vida. Esse é um livro de conforto moral e espiritual. No entanto, considerando a sua claridade intelectual, receitar-lhe-ei a leitura de O LIVRO DOS ESPÍRITOS, do mesmo Autor, que lhe dará dimensão do que é a vida e como deveremos experiência-la na busca da plenitude, explicando-lhe as razões dos acontecimentos no dia a dia e dos dramas existenciais que tanto nos afligem. "(. . .) E volte aqui para uma nova conversa de reabastecimento. Se possivel, venha conhecer o Espiritismo e seus paradigmas, suas lições, beneficiando-se com a psicosfera – sabe o que é? – a atmosfera psíquica de amor e de paz que reina em nossos corações e em nossos atos. E se possivel, convide o esposo, que muito se beneficiará convivendo em outro clima mental. " A dama, sinceramente confortada, que também fora beneficiada pelos fluidos do Espírito amigo que inspirava a atendente fraterna, pediu licença para abraçá-la, agradecendo com palavras repassadas de ternura.
Realmente, a função do Atendimento fraterno, na Casa Espírita, não é a de resolver os problemas das pessoas que vão em busca de socorro, mas a de orientá-las à luz da Doutrina Espírita para que cada uma encontre por si mesma a melhor solução.
Outro Espírito gentil, que recebeu o nome e o endereço da senhora, acompanhou-a na saída da sala.
Nesse momento, um casal de meia idade, assinalado pela amargura da face e a debilidade orgânica, acercou-se de um respeitável cavalheiro que aguardava o próximo cliente.
Percebendo a angústia de ambos, que se mantinham silenciosos e trêmulos, indagou, afável:
– Em que lhes poderei ser útil? Posso imaginar a dor que os alanceia, em razão da aflição refletida nos seus rostos.
Foi o suficiente para ambos se deixarem dominar pelas lágrimas. O atendente deixou-os extravasar, por alguns momentos, a angústia que os vergastava, após o que, propôs:
– Não seria bom se pudéssemos conversar um pouco? A senhora, mais fragilizada, sem poder conter-se, olhou o marido e fez-lhe um sinal para que ele expusesse a razão pela qual ali se encontravam.
O companheiro, com voz pungida, explicou:
– Perdemos o nosso filho único. A morte arrebatou-o em um acidente cruel, deixando-nos desalentados e sem razão para continuar a viver. Somente encontramos alívio pensando em morrer, porque a vida perdeu totalmente o sentido. Desejamos falar com o irmão Ricardo, para tentarmos saber se o nosso filho continua vivo, se pensa em nós, onde e como se encontra. Será possivel?
– É claro que sim – anuiu com gentileza o atento ouvinte. – Antes, porém, permito-me informá-los que ninguém perde um ser querido, quando arrebatado pela morte. A morte não é o fim da vida, antes é o começo de uma nova etapa da Eternidade. . . Recordem-se de Jesus, morrendo na Cruz, e da angústia de Sua Mãe. Logo após, no entanto, três dias, ei-Lo de volta, ressurrecto e vivo, triunfante ao túmulo e afetuoso como sempre. Pensem n’Ele e entreguem-Lhe o filho que, antes de lhes pertencer, o é também de Deus, o Pai de todos nós. Posso afiançar-lhes que ele está bem, caso o acidente de que foi vítima não haja sido resultado de imprudência ou desequilíbrio. Sempre, quando ocorre algo dessa magnitude, estamos diante do efeito de algum ato muito grave, cuja causa está no ontem próximo, nesta existência, ou remoto, em outra reencarnação. . . Desse modo, são felizes aqueles que retornam à Pátria, após cumprida a tarefa na Terra, seja qual for o mecanismo da desencarnação, conforme nós, os espíritas, denominamos a morte, que independeu do viajante espiritual querido.
Depois de confortar por alguns minutos o casal sofrido, encaminhou-o ao atendimento especializado através do irmão Ricardo. Enquanto dialogavam, o Espírito responsável pelo atendente aplicou-lhes, em ambos, energia refazente e calmante que os tranquilizou.
As consultas tiveram o seu curso normal, e eu não cabia em mim de contentamento. Ali estávamos em um Ambulatório de emergência espiritual para atendimento aos sofredores e desafortunados da Terra, sem complexidades nem exigências descabidas, nos quais o amor, a vera fraternidade, a compaixão e a caridade davam-se as mãos, em tentativas felizes de bem servir.
O irmão Anacleto acercou-se-me, sorridente, e acentuou:
– Quando o amor dirige os sentimentos e o pensamento, as ações, inegavelmente, são corretas e dignificadoras. O Espiritismo é a chave que decifra os enigmas existenciais. Vivê-lo com simplicidade, desvesti-lo das complexidades com que algumas pessoas desejam envolvê-lo, por preferirem sempre as complicações ao equilíbrio, é dever de todos nós, encarnados e desencarnados, que lhe somos afeiçoados.
Aguardaremos a noite, a fim de acompanharmos o atendimento do nosso Ricardo, que deverá receber as pessoas que lhe foram encaminhadas.