Sexo e Obsessão

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CAPÍTULO 9
Ilustração tribal

Lutas e provações acerbas


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A tarde declinava em estertores de calor. O Sol formoso deixava o seu leque de luz amarelo-avermelhada coroar as nuvens brancas em movimento, desenhando painéis de luz incomparáveis.

O Mentor convidou-nos a seguir ao Palácio Episcopal, para onde seguira Mauro, havia poucos minutos. Adentramo-nos na Casa palaciana, cujas paredes, revestidas de seda brilhante estavam adornadas com telas de grande beleza, exibindo o luxo e o poder terreno, o piso recoberto por tapetes espessos e mobiliada a caráter e capricho. Era minha primeira visita a um solar daquela natureza. Não tivemos dificuldades para encontrar o amigo que aguardava ser recebido pelo senhor Bispo, a quem rogara urgente entrevista.

Transcorrido o tempo próprio, Sua Eminência apareceu, sorridente e agradavelmente surpreendido com a presença do sacerdote que lhe recebia a simpatia e a amabilidade, porque o reconhecia com possibilidades amplas para o serviço religioso, adicionando a sua aparência física, a sua inteligência brilhante e o seu magnetismo.

O jovem, não podendo ocultar o conflito, solicitou ao dignitário que o recebesse em particular, pois necessitava do conforto de urgente confissão.

Tomado de surpresa, o pastor religioso interrogou se o assunto era tão grave, no que foi informado positivamente.


Convidando-o à intimidade da capela interna, que era mantida no edifício para celebrações particulares e reflexões pessoais, preparou-se, seguindo a convenção do ritual, persignou-se, e aguardou. O jovem aproximouse, ajoelhou-se-lhe aos pés, e cobrindo o rosto com as mãos, em tentativa infantil de ocultar a vergonha que o vergastava, desabafou:

– Pequei. . . E pequei gravemente. Para o meu erro não sei se há perdão.

O meu é o crime mais vergonhoso que pode acontecer, e quase não tenho forças para confessá-lo.

Profundamente chocado, o confessor, preservando a serenidade, solicitou-lhe a narrativa, antes que o julgamento para o qual não tinha condições, ouvindo, estupefato, detalhe a detalhe, toda a trajetória de ações ignóbeis realizadas pelo seu sacerdote. Agitou-se, mais de uma vez, fazendo esforço para controlar-se, ante a desesperação que o assaltou. Jamais imaginaria tão grave ocorrência no seio do seu rebanho, e especialmente, em alguém que fora preparado para ser pastor. Conteve-se, rogando silenciosamente a proteção de Jesus. O infeliz nada ocultou, descendo a esclarecimentos, alguns escabrosos, até a ocorrência da véspera, quando pensava em cometer mais um terrível pecado, havendo sido surpreendido pela diretora do Educandário, que o mandou sair, e não sabia o que estava acontecendo desde então. . .

A narração foi dolorosa para ambos. A experiência, porém, do senhor Bispo, e a sua sinceridade no cumprimento do dever ante a Religião que professava, puderam proporcionar alguma indicação para a tragédia existencial do atormentado rapaz.


Com a voz embargada, o dignitário interrogou:

– Mais alguém está informado desses nefandos acontecimentos?

– Que eu saiba, não, Eminência – respondeu o jovem em lágrimas.

– Apenas dona Eutímia tem conhecimento deles? – voltou a indagar.

– Penso que sim – contestou, sucumbido, o rapaz.

– Então aguardemos, porque amanhã deverei atendê-la e ao esposo, que me solicitaram uma audiência. Estamos diante de uma situação lamentável e insuportável. Como pôde, por tanto tempo, viver uma existência de abominação de tal monta, sem nada comunicar ao seu confessor? Que tem feito da fé religiosa que abraça e denigre com a sua conduta desvairada? Onde pôs o coração, ferindo vidas em formação e desencadeando a ira celeste? Que espera da Igreja, que vem sofrendo inconcebíveis perseguições, face à fuga dos seus sacerdotes e monjas, que abandonam os compromissos e se entregam às dissoluções dos costumes modernos? Tenho a impressão de que o demônio está desafiando o trono de São Pedro, corroendo-o internamente. Volte ao lar e submeta-se à penitência que lhe irei estabelecer, enquanto ouvirei a digna senhora e o seu esposo, para tomarmos as providências que o fato horrível exige.


Após um silêncio constrangedor, o Bispo informou:

– Não poderei absolvê-lo do pecado, sem conhecer a outra face da questão, que certamente me será narrada amanhã, exigindo-me meditações e consulta aos códigos do Direito Canônico, para posterior definição de rumos.

Por agora, recolha-se à Casa Paroquial, não celebrando qualquer ato litúrgico, cuja suspensão será justificada como decorrência de alguma enfermidade, até segunda ordem, quando o chamarei para apresentar-lhe o resultado das providências tomadas. Que Deus o perdoe e o ampare, porque eu não tenho condições de fazê-lo. Vá em paz e não volte a piorar a própria situação, repetindo a sandice.

O jovem levantou-se cambaleante, muito pálido, tomando o rumo do lar.

O senhor Bispo era um homem dedicado e sincero em relação àquilo em que acreditava, exercendo o seu apostolado com elevação e nobreza.

Certamente conhecia as misérias humanas, que lhe chegavam aos ouvidos com frequência, em razão das confissões auriculares. . . O trágico drama do seu sacerdote, porém, feriu-o profundamente. Homem de idade, com quase toda a existência dedicada ao pastoreio, acreditava nos dogmas da sua Fé religiosa e nas diretrizes da sua Igreja.

Assim, após a saída do jovem atônito, também ele, encurralado pelos conflitos, aproximou-se do altar-mor e ajoelhou-se, mergulhando nas águas bonançosas da oração ungida de contrição. Ali ficou-se por mais de uma hora, quando se levantou, a fim de atender aos demais compromissos que lhe diziam respeito. A confissão do desesperado, porém, continuava ressoando na acústica da sua alma sensível.

Aproximava-se a hora que deveríamos dedicar a outras atividades e, desse modo, retornamos à Instituição Espírita, a fim de acompanharmos o atendimento fraternal sob a responsabilidade do médium Ricardo.

Era dia de atividade doutrinária. A ampla sala encontrava-se repleta.

No momento próprio, o médium dissertou com facilidade e beleza sobre o tema Conquista da consciência ante o conhecimento espírita. As pessoas acompanhavam o raciocínio do expositor, extasiadas umas, comovidas outras. . .

e cochilando algumas vinculadas a Entidades que as anestesiavam para que, embora presentes, não participassem do aprendizado, não fruíssem as energias salutares que mantinham a psicosfera ambiente.

Transcorrida uma hora, mais ou menos, após o encerramento da reunião doutrinária, as pessoas passaram a conversar fraternalmente, preservando o ambiente de simpatia e de bem-estar, enquanto os candidatos ao atendimento com o médium acomodavam-se em lugares adrede reservados, facultando um pouco de refazimento ao amigo expositor.

Ato contínuo, começou a atividade espiritual relevante. Alguém se encarregava de convidar a adentrar-se em pequena sala cada um daqueles que haviam sido selecionados.

Jovial e de bom humor, o médium recebia-os, amparado pela sua Mentora, e conversava com tranquilidade, transferindo energias saudáveis aos aflitos, que se acalmavam, esperança aos alucinados e cépticos, paz aos desesperados que saíam com outras disposições, bendizendo a Deus a oportunidade da breve convivência.

Como desejávamos acompanhar-lhe o atendimento ao casal cujo filho desencarnara de maneira intempestiva e trágica, ao chegar o momento procuramos perscrutar o que iria ocorrer.

Os pais aflitos adentraram-se na pequena sala, apoiando-se um no outro. Convidados a sentar-se em frente do médium, permaneceram em singular silêncio, no qual extravasavam sem palavras toda a angústia da saudade, toda a dor da separação.


Compreendendo o que se lhes passava no íntimo, após saudá-los com bondade, o médium informou-os:

– A morte é a grande libertadora que nos merece respeito e carinho.

Não poucas vezes revoltamo-nos com a sua ocorrência, quando nos toma o ser querido, aquele que é a luz dos nossos olhos, o hálito da nossa existência, levando metade da nossa vida com aquela que arrebata. . . Tudo isso tem lugar, porque não conhecemos a Imortalidade. Quando a luz do Mundo Maior clarear nossas mentes e pudermos compreender que morrer é libertar-nos, facultando que volvamos a estar juntos mais tarde, será bem-vinda, não constituindo tragédia nem motivo de aflição.


O casal ouvia-o surpreso, pois nada houveram dito. Olhavam-no com simpatia e esperança, quando ele prosseguiu:

– Marcos, o filho querido, não morreu. Transferiu-se para um mundo melhor, sem dores, sem separação e sem amarguras. . . Ele aqui está conosco.

Posso vê-lo e ouvi-lo. . .


O pranto represado nos corações explodiu, agora em júbilos. A senhora levantou-se, num gesto intempestivo, segurou-lhe as mãos e interrogou:

– Meu filho está vivo e está conosco? Como se encontra? Sente saudades de nós?

O esposo ergueu-se também, abraçou-a, e procurou acalmá-la.


Ricardo, que se comovera ante a dor-alegria da senhora, continuou com tranquilidade:

– Ele se encontra muito bem. Já se recuperou do transe experimentado após o acidente. O que parece um grande mal foi, em realidade, uma bênção.

Desejo informá-los que a sua foi uma desencarnação ou morte por merecimento. . . Ele partiu, porque não mereciam, nem ele, nem os senhores, sofrer, caso permanecesse no corpo. O traumatismo craniano de que foi objeto, se ele permanecesse no corpo, faria que ficasse como um morto, apenas em vida vegetativa, e como o Pai é todo amor, amenizou a dor de todos, reconduzindo-o ao lar, onde os aguarda em festa, porém após os senhores concluírem os seus deveres que os manterão no mundo, já que ainda não é chegado o momento do seu retorno. Ele agradece todo o carinho que sempre recebeu dos pais queridos, a felicidade que desfrutou durante toda a existência, que não foi larga, porém o suficiente, nos seus vinte e seis anos, para realizar as metas que havia traçado.

O casal saía de uma para outra emoção-surpresa ante as naturais informações recebidas, que os convidavam a reflexões dantes jamais pensadas, agradecendo a Deus a oportunidade especial, que nunca mais esqueceriam, e que iriam mudar completamente o rumo das suas existências.

Ricardo referiu-se também ao auxílio que ele recebera ao desencarnar, quando a avozinha materna o recebera, amparando-o naqueles momentos iniciais mais difíceis.

Ali também se encontrava, envolvendo a filha e o genro em dúlcidas vibrações de carinho e de paz. Por mais alguns minutos manteve cordial conversação, rica de esperança e de esclarecimentos, oferecendo páginas mediúnicas de conforto moral e sugerindo que tomassem conhecimento dos postulados espíritas nas suas Obras básicas, que lhes fariam um infinito bem.

Aqueles corações, antes despedaçados, experimentavam agora um pulsar diferente, renovador, e, vitalizados, com palavras de profunda gratidão, saíram, sorrindo de felicidade, em retorno ao lar.


O irmão Anacleto, sempre generoso, veio em meu socorro com as suas lúcidas explicações:

– A mediunidade com Jesus é uma ponte de duas mãos que facultam a viagem de ida na direção do Senhor e traz a mensagem de volta em Seu nome.

Por mais se deseje encarcerar o Espiritismo nas facetas científica e filosófica, dissociando-o dos seus conteúdos ético-morais-religiosos, ele sobreviverá como O Consolador que Jesus nos prometeu, conforme bem o definiu Allan Kardec sob a segura orientação dos Guias da Humanidade. Como vemos, aqui não há qualquer culto ou cerimonial, intrujice ou igrejismo, superstição ou sacerdócio que caracterizam outras religiões. Verificamos nesta e em milhares de Instituições iluminadas pela Doutrina Espírita a ausência de qualquer símbolo ou motivo de sugestão, que induzam o interessado em crer sem compreender e aceitar sem raciocinar nos seus conteúdos. A dor, que despedaça as multidões, aguarda fatos e não discussões infrutíferas, socorro imediato e consolação antes da alucinação, ao invés de aguerridos combates silogísticos críticos, enquanto se cruzam os braços distantes da ação recomendada pelo Codificador e os Espíritos nobres para a caridade nas suas múltiplas expressões, sem a qual de nada adiantam os debates intelectuais presunçosos e vazios de conteúdos moral e espiritual. . .

Após reflexionar por breves momentos, chamou-nos a atenção, apontando as pessoas que se adentravam na sala modesta em grande desespero e saíam renovadas, qual ocorrera durante o atendimento fraterno e a exposição doutrinária.

– Essa é a melhor parte – aduziu ainda gentil conforme o ensinamento do Mestre a Marta, aquela que não será tirada. "Agora, voltemos à Casa Paroquial, a fim de atendermos Mauro, no desespero que o assalta, neste doloroso despertamento para a realidade. "







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