Jesus e o Evangelho (Série Psicologica Joanna de Ângelis Livro 11)
Versão para cópiaCruzes - Ev. Cap. XXIII - Item 12
E o que não leva a sua cruz. . .
Os seres humanos transitam no seu processo evolutivo, invariavelmente, crucificados aos problemas que elaboraram para eles mesmos, experimentando dores e amarguras graves, de que somente se libertarão quando se resolverem pela transformação interior, adotando comportamentos saudáveis. A verdadeira saúde é um estado íntimo de equilíbrio, de harmonia entre os desafiantes conflitos que a todos assaltam a cada instante, considerando-se a vulnerabilidade emocional e vivencial de que se encontram constituídos.
Não equipados interiormente para o autoenfrentamento, de que fogem quanto lhe permitem as possibilidades, movimentam-se em contínuas inquietações que os afetam, quase comprazendo-se nos transtornos que terminam por vencê-los.
A esses indivíduos tomados de incompletude se dirige Jesus, convocando-os à terapia da renovação espiritual, de modo queconduzam a cruz dos problemas, tornando-a leve, antes que se deixando esmagar pela conjuntura afligente.
Aos primeiros discípulos a proposta possuía uma interpretação literal, tendo-se em vista o estágio cultural e social da época, que não admitia condutas que se diferenciassem do que era imposto pelo status predominante. A liberdade encontrava-se amordaçada pela força do poder governamental e pela sombra coletiva que pairava soberana. Vindo diluí-la com o sol vibrante do Seu verbo e da Sua conduta, Jesus sabia que os Seus discípulos teriam que pagar o atrevimento de proclamar e viver a Nova Era, livres das injunções sacrificais propiciadas pela ignorância.
Por isso, deixou explícito que segui-lo representava perder a liberdade - aliás, mínima -, o direito à existência física; no entanto, esses eram valores de pequena monta, desde que a realidade do ser transcende às injunções materiais, estendendose pelo campo adimensional da imortalidade, representando, portanto, a aspiração máxima, e a cuja realização todos devem entregar-se com afã.
Os triunfos enganosos que não sobrevivem ao corpo, as honrarias que perdem o significado ante os sofrimentos, as alegrias da glória fantasiosa que logo passa, constituem, à luz profunda do Evangelho, distrações para o movimento físico do Espírito, ainda iludido com a transitoriedade da organização somática.
A sombra, que dificulta a visão da plenitude do ser, compraz-se com essas conquistas, anestesiando os centros do discernimento que detecta a fugacidade terrena, e que o Evangelho dilui com o esplendor majestoso do seu conteúdo moral e libertador.
O discurso de Jesus-Homem, conhecedor dos desafios e das dificuldades do ser humano, é todo um complexo processo de introspeção para o seu encontro com a realidade pessoal além da personalidade, em mergulho consciente no Self, como forma eficaz de anular os impositivos preponderantes do ego na conduta convencional.
Esse ser humano está fadado à glória estelar, que se desdobra da intimidade dos sentimentos virgens na direção da conquista dos valores imperecíveis do Espírito. No aparente paradoxo das propostas do Mestre, quais aborrecer-se dos familiares, do mundo, das paixões, preferindo o Reino de Deus, há um significado muito especial. Deixar os mortos enterrar os seus mortos, optar pela espada, pelo fogo, em vez de pela comodidade, pela paz estagnada, representa um convite severo à consciência para que se resolva pelo que lhe é mais importante. Esses ensinos estão fundamentados na lógica da imortalidade, ante a qual alteram-se as paisagens e aspirações humanas na conquista das questões secundárias ante as essenciais para a existência feliz, aquela que é duradoura e real.
Torna-se, inevitavelmente, necessária a decisão pela vida futura enriquecedora, que já começa no momento em que o ser desperta para a sua realidade, libertando-se dos impositivos constritores da dependência física.
Quem identifica um tesouro não mais se aquieta senão após consegui-lo, e logo se entrega à sua multiplicação de valor, de forma que possa atender a todos quantos se encontram à volta.
A família é o grupo social onde o Espírito se aprimora, aprofundando a sensibilidade do amor, lapidando as arestas das imperfeições, depurando-se das sujidades morais, limando as anfractuosidades dos sentimentos e condutas; que merece carinho, mas constitui campo de desenvolvimento e de conquistas, nunca prisão ou fronteira delimitadora e impeditiva dos grandes saltos na direção do triunfo sobre o Si.
A decisão do autoencontro, para o enfrentamento das paixões perturbadoras, rompe os interesses do clã e do grupo social sempre egoístas e temerários. A sombra que predomina empana a capacidade de compreender e de definir rumos, retendo a criatura na comodidade dos interesses próximos que dizem respeito ao ego, à segurança pessoal e ao vicioso encurralamento nos limites da proteção arquitetada e construída.
O ser, no entanto, é livre, e para tanto ama, sem reter-se ante as novas possibilidades que detecta a cada momento que cresce espiritualmente, antevendo o próprio futuro.
Nesse contexto, guerreia pela liberdade de movimento, de escolha, de direcionamento, de seleção de valores, não se demorando nos estreitos círculos dos cometimentos pessoais e dos feudos domésticos, porque a Humanidade é a sua meta, o Universo é o seu fanal. Jesus sabia dessa aspiração máxima e vivia-a integralmente, rompendo as amarras da sordidez da cultura escravagista e desprovida de infinitos.
Por isso, proclamava a espada da decisão que separa os indivíduos que se candidatam às alturas, em relação àqueles que se comprazem nos vales sombrios do imediatismo, das satisfações injustificáveis dos instintos, sem as claridades superiores da emoção.
Separar os operosos dos acomodados; dividir a sociedade, que já não se comporta feliz quando se conduzindo pela faixa da tradição, das heranças atávicas do passado sem idealismo;
romper com as imposições em predomínio na sociedade, por aspirar-se a mais amplos horizontes, àqueles que facultam visão de infinitude, eis o que propõe o Mestre sábio.
O homem parvo e comum contenta-se com um naco de pão para a sua fome do momento, sem dar-se conta de que o fenômeno se repetirá, tornando-se-lhe necessário prevê-lo e prover-se.
Esse indivíduo, porém, que desperta para uma compreensão integral da vida, não se detém mais ante os cadáveres em decomposição da sua época, as imposições sociais trabalhadas na superfície sem aprofundamento de significado, no realizar o que é conveniente em detrimento daquilo que deve fazer. . . Opta, naturalmente, pela postura desafiadora, sofrendo a incompreensão e a zombaria dos seus coevos ainda aturdidos na sombra coletiva que os envolve.
Jesus pagou pela audácia de perturbar o sono dos poderosos, de sacudir os embriagados dominadores de outras existências, de rebelar-se em relação às diretrizes da mentira acomodada, da exploração das mentes e dos corações pelos triunfadores da astúcia e da bajulação, infelizes, no entanto, todos eles, movimentando-se nos palácios vazios de objetivos enobrecedores onde se encontravam.
Desse modo, com a sua visão profunda de uma psicologia nova, propôs essa estranha moral, não convencional, revolucionária, quebrando as estruturas milenares de raça, de credo, de política, de sociedade trabalhadas na hediondez e na mentira.
Os Seus ensinos resplandecem claridade imortal, segurança emocional, harmonia estrutural, felicidade possível e próxima. A luz da Psicologia Profunda, carregar a cruz invisível é transformá-la em asas de ascensão, identificando os madeiros de dor e de sombra para alterar-lhes a constituição.
Não obstante as conquistas da inteligência, nas áreas da Ciência e da Tecnologia, ainda permanecem tabus e preconceitos que se encontram enraizados no inconsciente humano, exigindo que os idealistas, os que estão despertos, não se rebelem contra as conveniências estabelecidas, partindo para as realizações que lhes dizem respeito, na construção da sua realidade profunda e inevitável.
É óbvio que essa decisão lhes imporá cruzes de tormentos vários: no lar, em razão das conjunturas egoísticas dos familiares que se atribuem direitos sobre aqueles que lhes constituem o clã;
no grupo social, acostumado a desfrutar dos gozos que lhe são dispensados; no trabalho profissional, onde os interesses giram em torno do poder e do ter; nos relacionamentos fraternos, que sempre exigem dos outros aquilo que cada qual não consegue em relação a si mesmo. . .
Carregar, portanto, a sua cruz é não se submeter às imposições mesquinhas de quem quer que seja, tornando-se livre para aspirar e conseguir, para trabalhar e alcançar as metas da autoiluminação, tendo como modelo Jesus, que rompeu com tudo aquilo que era considerado ideal, estabelecido, legítimo, porém, predominante nos círculos viciados dos poderosos, que o túmulo também recebeu e consumiu na voragem da destruição dos tecidos, não, porém, das suas vidas.
Naqueles dias, o paganismo diluía-se, e Jesus veio no momento exato, contribuindo para a sua extinção.
As criaturas, no entanto, não se libertando totalmente das formalidades e imposições externas a que estavam acostumadas, reintroduziram no pensamento do Mestre galileu as suas formalidades asfixiantes, os seus dogmas infelizes, castrando as mais belas expressões da Mensagem.
Em face das conquistas modernas, especialmente na área das ciências psíquicas, da astrofísica, da química molecular, da física quântica, que desmistificaram a matéria, o Evangelho ressurgecom força e autenticidade confirmadas pelos imortais que retornam do túmulo para comprovar a indestrutibilidade da vida e as consequências do comportamento humano, sempre responsáveis pela felicidade ou desdita de cada um, abrindo espaços luminosos para a aquisição da paz e da felicidade. Mas, sem dúvida, é necessário que cada qual leve a sua cruz de responsabilidade, de iluminação e de eternidade.
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Lucas 14:27
E qualquer que não levar a sua cruz, e não vier após mim, não pode ser meu discípulo.
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