Jesus e o Evangelho (Série Psicologica Joanna de Ângelis Livro 11)

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A desgraça real - Ev. Cap. V - Item 24

A desgraça real - Ev. Cap. V - Item 24

(. . .) pois que serão saciados.


Mateus 5:6

Desgraça é todo acontecimento funesto, desonroso, que aturde e desarticula os sentimentos, conduzindo a estados paroxísticos, desesperadores.

Não somente aqueles que se apresentam trágicos, mas também inúmeros outros que dilaceram o ser íntimo, conspirando contra as aspirações do ideal e do Bem, da fraternidade e da harmonia íntima.

Chegando de surpresa, estiola a alegria, conduzindo ao corredor escuro da aflição. Somente pode avaliar o peso de angústias aquele que lhes experimenta o guante cruel.

Há, no entanto, desgraças e desgraças. As primeiras são as que irrompem desarticulando a emoção e desestruturando a existência física e moral da criatura que, não raro, sucumbe ante a sua presença; e aqueloutras, que não são identificadas por se constituírem consequências de atos infelizes, arquitetados por quem ora lhes padece os efeitos danosos. Essas, sim, são as desgraças reais.

Há ocorrências que são enriquecedoras por um momento, trazendo alegrias e benesses, para logo depois se converterem em tormentos e sombras, escassez e loucura. No entanto, quando se é responsável pela infelicidade alheia, ao trair-se a confiança, ao caluniar-se, ao investir-se contra os valores éticos do próximo, semeando desconforto ou sofrimento, levando-o ao poste do sacrifício, ou à praça do ridículo, a isso chamaremos desgraça real, porque o seu autor não fugirá da própria nem da Consciência Cósmica.

Assim considerando, muitos infortúnios de hoje são bênçãos, pelo que resultarão mais tarde, favorecendo com paz e recuperação o déspota e infrator de ontem, em processo de reparação do mal praticado.

Sob outro aspecto, o prazer gerado na insensatez, os ganhos desonestos, as posições de relevo que se fixam no padecimento de outras vidas, o triunfo que resulta de circunstâncias más para outrem, os tesouros acumulados sobre a miséria alheia, os sorrisos da embriaguez dos sentidos, o desperdício e abuso ante tanta miséria, constituem fatores propiciadores de dolorosos efeitos, portanto, são desgraças inimagináveis, que um dia ressurgirão em copioso pranto, em angústias acerbas, em solidão e deformidade de toda ordem, pela necessidade de expungir-se e reeducar-se no respeito às Leis soberanas da Vida e aos valores humanos desrespeitados.

O Homem-Jesus não poucas vezes chamou a atenção para essa desgraça, não considerada, e para a felicidade, por enquanto envolta em problemas, mas única possibilidade de ser fruída por definitivo.

Todos os que choram os famintos e os sequiosos de justiça, os padecentes de perseguições, todos momentaneamente em angústia, logo mais receberão o quinhão do pão, da paz, davitória, se souberem sofrer com resignação, após haverem resgatado os compromissos infelizes a que se entregaram anteriormente, e geradores da situação atual aflitiva.

Aqueles, porém, que sorriem na loucura da posse, que se locupletam sobre os bens da infâmia e da cobiça, que são aplaudidos pelas massas e anatematizados pela consciência, oportunamente serão tomados pelas lágrimas, pela falta, pelo tormento. . .

São inderrogáveis as Leis da Vida, constituindo ordem e harmonia no Universo.

O Homem-Jesus, não poucas vezes, diante dos falsamente venturosos, dominadores de um dia, assim como dos amargurados e desditosos, chorou o pranto da compaixão e da misericórdia, por conhecer as causas desencadeadoras de uma como de outra conduta, no futuro chegando ou no presente agindo, inexoravelmente.

No Horto das Oliveiras misturou Suas lágrimas com a sudorese sanguinolenta pela dor experimentada e por compaixão pelos Seus algozes, que não sabiam o que estavam fazendo.

Não se tratava de um deicídio, como se vem tentando impor ao pensamento histórico, mas de um crime hediondo, e este é sempre cruel e perverso, quando praticado contra todo e qualquer indivíduo, pior ainda, quando desencadeado contra Quem somente amou, justo e pacífico, havendo vivido sob as tenazes da impiedade, do despeito e da vingança dos inimigos gratuitos. . .

Aquele homicídio traria, como ocorreu para Israel, consequências funestas, por haverem os seus filhos perdido a oportunidade rara, ademais por transformarem-na em hediondez por capricho de raça, orgulho de prestígio político, interesses comerciais do Templo.

O Homem-Jesus chorou, sim, várias vezes, o que, aparentemente, não é uma atitude masculina, a qual a chancela da tradição havia investido de frieza ante os acontecimentos, de insensibilidade diante das ocorrências.

Em muitas Academias de Medicina do mundo, por muito tempo se convencionou que o esculápio devia ser alguém que não participasse emocionalmente do drama do seu paciente, que nãose envolvesse com ele, para que se fizesse profissional, como se fosse possível dissociar o humano do social, o ser em si mesmo daquele que desempenha o papel de curador.

Resultaram consequências terríveis naqueles homens e mulheres que se viram obrigados a asfixiar as emoções, anular os sentimentos e parecer estátuas de sal diante da dor do seu próximo. Não poucos se neurotizaram, se debilitaram, se autodestruíram.

O médico é sacerdote do amor, que deve curar não apenas mediante os conhecimentos acadêmicos e as substâncias de laboratório, mas sobretudo através do sentimento de humanidade, de compaixão, de solidariedade, de convivência, de sorriso, de entendimento e fraternidade.

Quase todos os pacientes necessitam mais de uma palavra de consolação do que de um barbitúrico, de um antibiótico ou de um outro medicamento restritivo, mesmo porque, não poucas enfermidades resultam da somatização de conflitos, de problemas e aflições não extravasados. Um sorriso e uma palavra gentis são tão poderosos para acalmar uma dor quanto um anestésico.

Jesus-Terapeuta sabia-o, e por isso participava, sentia, compartilhava, convivia, discutia, escutava a dor de todos quantos d'Ele se acercavam. Nunca os impediu, nem mesmo às criancinhas bulhentas e irresponsáveis na sua infantilidade, abrindo os braços para recebê-las, por entender que muitas negativas e atitudes rudes para com elas transformam-se em vigorosos traumas que surgirão no futuro.

Há fome de amor e de compreensão, mais talvez do que de pão e de justiça, porque a sua presença na Terra é resultado da ausência desses sentimentos geradores das injustiças sociais, morais e econômicas.

Quando os sentimentos de solidariedade humana se tornarem ativos no organismo da sociedade, multiplicando os bens acumulados que serão distribuídos equanimemente, não haverá escassez de alimentos nem de paz, porque todos os homens se sentirão irmãos, protegendo-se e ajudando-se uns aos outros com o mesmo espírito de direitos e desincumbência de deveres.

A maneira providencial para vencer-se a desgraça de qualquer tipo é o comportamento no presente, mesmo que a preço de sacrifício e renúncia, construindo-se o futuro harmônico. O canto das Bem-aventuranças é o poema de maior destaque na constelação dos discursos de Jesus.

Nele começa a real proposta da Era Nova, quando os valores éticos serão realmente conhecidos e respeitados, facultando ao ser humano compreender a transitoriedade do carro físico a que se encontra atrelado momentaneamente e a perenidade da vida em outra faixa vibratória.

Jesus, que vivia as duas dimensões com naturalidade, transitando de uma para outra através do pensamento, testificou a necessidade de superação do invólucro carnal, convidando a que se acumulassem os tesouros morais, que nada consegue destruir, nem se oxidam ou se perdem.

Ele próprio, embora respeitasse os bens terrenos, nada amealhou para si, nem se preocupou com o dia de amanhã do ponto de vista econômico, material. Certamente não conclamava à imprevidência, induzindo ao parasitismo social, mas demonstrando a inutilidade de alguém afligir-se pela aquisição do que era secundário em detrimento do indispensável.

Por isso mesmo harmonizou as duas necessidades.

Durante o outono e o inverno trabalhou na carpintaria que herdara do genitor terrestre e, nos dourados e perfumados dias de primavera e verão, distribuiu os luminosos recursos que lhe foram legados pelo Pai Criador.

Não se permitiu a ociosidade nem se facultou o desperdício.

(. . .) E contemplando a multidão de famintos de pão, peixes e frutas secas, concluiu, que eles serão saciados no Reino da justiça plena e da harmonia perene.



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Mateus 5:6

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos;

mt 5:6
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