Da Manjedoura A Emaús
Versão para cópiaCAPÍTULO 1
Em Nazaré
Tendo recebido um aviso em sonho, partiu para região da Galileia e foi morar numa cidade chamada Nazaré, para que se cumprisse o que foi dito pelos profetas: Ele sará chamado Nazareu. (Mateus 2:22 )
A lua nova marca o início de um novo mês. É o começo de março, ano 761 da fundação de Roma (7 d.C.).
Em Nazaré, passam-se os meses e apenas se modificam os ritmos da natureza.
Após longa procissão de chuvas desde outubro, o inverno chega ao fim.
É sexta-feira.
A madrugada se embalsama dos perfumes silvestres. A estrela da manhã já empalidece.
O menino acorda e sai.
No futuro, registrarão seu hábito peculiar: “De madrugada, estando ainda escuro, Ele se levantou e retirou-se para um lugar deserto, e ali orava”.1 (MARCOS1:35 .)
Pouco além dos limites da aldeia, uma rocha se projeta do monte e abaixo surge um vale.
As manhãs costumam encontrá-lo ali, absorto. O menino conta 12 anos.
Daí a pouco, rumores nas casas próximas recordam-no de que é tempo de voltar às obrigações cotidianas.
Nazaré — que significa aquela que guarda, um lugar de sentinela — formou-se nas encostas da colina, entre as muitas e salientes pedras de seu solo, a despeito da terra fértil.
As ruas começam a ser ocupadas, sobretudo por mulheres indo à fonte com seus potes. A manivela ajuda os braços femininos a puxarem os vasos com água, e, durante a tarefa, as mulheres conversam. O poço é um local de aproximação social.
O menino encontra sua mãe tirando leite da cabra. Em instantes, o leite estará balançando numa bolsa de pele, para coagular e produzir coalhada; ou fazer queijo, depois de drenado o soro por um pano de linho.
Sua casa é típica do lugar — três cômodos, de tijolos de barro, pedra e cal, com um terraço feito de ramos entrelaçados, apoiados em madeira e cobertos de argila. Quase tudo está no chão. Peças de cerâmica, de utilidades variadas, estão por perto. Num tear rústico, lã e linho são tecidos. O moinho manual produz a farinha para o alimento básico: o pão. Lá fora, um forno portátil de barro serve para cozinhar.
As crianças auxiliam suas mães nas atividades domésticas, do amanhecer ao pôr do sol. Contudo, há momentos para brincar. Bonecas, animais de estimação... e bolas de couro. A ideia é manter uma bola (ou duas) em movimento, jogando um para o outro, com as mãos, até cair e se definir, assim, o vencido. Há, ainda, os brinquedos de madeira.
Nazaré é o povoado dos carpinteiros.
Para Israel, o trabalho manual é sagrado. Os rabinos ensinam que o artesão dedicado a sua obra não precisa se levantar diante do mais importante dos doutores.
Os carpinteiros, em particular, fruem de elevada consideração e ocasionalmente são chamados à condição de árbitros em questões judiciais, talvez pelo hábito de operarem em seu ofício com medidas exatas.
Jesus atravessa uma fase de novas responsabilidades familiares e sociais. Em algumas semanas, irá à Jerusalém para a peregrinação anual da Páscoa. Aos 13 anos, será um homem. Diminuem suas tarefas domésticas e agora passa mais tempo na oficina do pai. Vai-se iniciando no ofício da broca e do martelo, do formão e do serrote, conforme a tradição familiar. Ele aprende os rudimentos da preparação de portas, móveis, carroças, rodas e ferramentas agrícolas, trabalhando com tal disposição o pequeno carpinteiro de Nazaré, que enche a casa de ânimo com sua alegria.
Quando o sol vai alto, uma parcela dos quase 500 habitantes já ocupa as ruas de chão batido de Nazaré. Esteiras e tendas se estendem pelas margens, seja para as ofertas de serviço seja para as de comércio, em especial, de frutos e legumes. É uma aldeia agrícola. Mas há, também, os utensílios da olaria: panelas, bacias, tigelas, potes, lamparinas; como ainda o artesanato de cestas trançadas de junco ou dos filamentos que crescem entre as tâmaras. O linho é outra especialidade — a Galileia é rica em campos de linho e hábeis tecelãs.
A permuta é o método frequente das transações, e restrita é a circulação do dinheiro.
Sob uma tenda, um escriba formaliza negócios, casamentos, redige cartas.
À chegada da tarde, porém, as pessoas se apressam um pouco. Logo, ao poente, iniciará o Shabat (descanso), que durará até o poente do dia seguinte.
Enquanto Maria prepara as três refeições do repouso sagrado, Jesus arruma a oficina de seu pai, garante uma provisão suficiente de água para a casa e limpa seus cômodos modestos.
Trombetas soam três vezes. Suspende-se o trabalho.
Com o crepúsculo, Maria acende duas lamparinas, cujas chamas dançarinas deverão arder até o amanhecer, quando a família se apresentará à sinagoga. Das lamparinas, fumaça e cheiro característicos se espalham pela casa.
Maria desdobra as roupas festivas e coloca dois pães sobre a mesa.
José está na sinagoga, recitando orações e lendo textos sagrados. Depois de um tempo, ele volta para casa, onde lhe espera a família e os convidados para a refeição ritual. Na mesa, ele declama o kiddush (uma oração de santificação) sobre uma taça de vinho, evocando o repouso de Deus após a criação e a santificação do sétimo dia, e conclui: Bendito sejas tu, ó Eterno, que santificas o Shabat. O pão é partido entre todos, untando-se as porções com sal. Salmos e versículos do Antigo Testamento são entoados. E Jesus tudo observa.
O Shabat é um rico caminho para o crescimento interior. O ser humano medita em Deus, contempla sua Criação, relaciona-se fraternalmente com parentes e amigos, descobrindo que não só de pão vive o homem.
A partir dos 5 ou 6 anos, os meninos podem frequentar a escola, iniciando a alfabetização. Um professor, de estilete à mão, usa uma pequena tábua coberta de cera para escrever as letras, nomeando-as até que sejam dominadas. O próximo passo será conhecer os cinco livros da Torah, mas o programa abrangerá leitura, geografia, história, cálculo, regras sociais e religiosas. De versículo em versículo, lido, explicado, recitado várias vezes, as Escrituras são praticamente memorizadas. À medida que os estudantes crescem, outros textos são acrescentados, inserindo-os no universo dos profetas e dos livros de sabedoria. Na adolescência, penetrarão nas questões orais de interpretação das escrituras, aprendendo a aplicar a Torah na vida diária.
A sinagoga é o centro da vida social e religiosa. Não é só o templo para o qual o judeu piedoso deve voltar-se em oração três vezes ao dia. Abriga a escola, é o espaço de reunião da comunidade, um local de estudo das escrituras e um lugar de esperanças.
Nazaré estava fundada havia mais de dois mil anos.
O franciscano Bellarmino Bagatti (CROSSAN, 1994, p.
50) realizou escavações no centro da aldeia, entre 1955 e 1960. Encontrou tumbas de meados da Idade do Bronze (2000–1500 a.C.), cerâmicas da Idade do Ferro (900–539 a.C.), cerâmicas e construções do período helenístico (332–63 a.C.). Em relação ao período de Jesus, encontrou uma fonte, cisternas para água, prensas de azeitonas, tonéis de óleo e silos para grãos nos subterrâneos das moradias, onde as colheitas eram guardadas.
Flávio Josefo, historiador judeu, citou 45 cidades da Galileia. O Talmud mencionou 63 delas. O Antigo Testamento relacionou inumeráveis cidades dessa província. Nenhuma dessas fontes, curiosamente, registrou Nazaré. A aldeia foi ignorada, de tão pequenina. A primeira referência a ela, fora dos documentos cristãos, foi descoberta em 1962, nas escavações de Cesareia: um pedaço de mármore com a inscrição de seu nome. Mas sua aparição na história ocorreu no dia em que o Espírito Gabriel foi enviado a ela, à procura de “uma virgem desposada com um varão chamado José, da casa de Davi”. (LUCAS1:27 .)
Nazaré foi construída no topo do monte mais ao sul da Baixa Galileia. De lá se vê o Monte Carmelo, a oeste; o vale do Jordão, a leste; a planície do Esdrelon, ao sul; defrontando-se, a nordeste, com o lago de Genesaré. Vê-se, também, o Monte Tabor, e quase se pressentem, por trás das montanhas da Samaria, as muitas colinas ressequidas da Judeia.
Ernest Renan (2003, p.
124) escreveu, com inspiração:
Aquelas montanhas, aquele mar, aquele céu de anil, aqueles planaltos no horizonte foram, para ele (Jesus), não a visão melancólica de uma alma que interroga a natureza sobre seu destino, mas o símbolo certo, a sombra transparente de um mundo visível e de um novo céu.
A aldeia de Jesus se distanciava cerca de 150 quilômetros de Jerusalém. Mas Séforis estava a apenas uma hora de caminhada de Nazaré.
1 Nota do autor: As transcrições da Bíblia não identificadas quanto ao tradutor foram extraídas da Bíblia de Jerusalém. (São Paulo: Paulus, 1996.)
Em Nazaré, passam-se os meses e apenas se modificam os ritmos da natureza.
Após longa procissão de chuvas desde outubro, o inverno chega ao fim.
É sexta-feira.
A madrugada se embalsama dos perfumes silvestres. A estrela da manhã já empalidece.
O menino acorda e sai.
No futuro, registrarão seu hábito peculiar: “De madrugada, estando ainda escuro, Ele se levantou e retirou-se para um lugar deserto, e ali orava”.1 (MARCOS
Pouco além dos limites da aldeia, uma rocha se projeta do monte e abaixo surge um vale.
As manhãs costumam encontrá-lo ali, absorto. O menino conta 12 anos.
Daí a pouco, rumores nas casas próximas recordam-no de que é tempo de voltar às obrigações cotidianas.
Nazaré — que significa aquela que guarda, um lugar de sentinela — formou-se nas encostas da colina, entre as muitas e salientes pedras de seu solo, a despeito da terra fértil.
As ruas começam a ser ocupadas, sobretudo por mulheres indo à fonte com seus potes. A manivela ajuda os braços femininos a puxarem os vasos com água, e, durante a tarefa, as mulheres conversam. O poço é um local de aproximação social.
O menino encontra sua mãe tirando leite da cabra. Em instantes, o leite estará balançando numa bolsa de pele, para coagular e produzir coalhada; ou fazer queijo, depois de drenado o soro por um pano de linho.
Sua casa é típica do lugar — três cômodos, de tijolos de barro, pedra e cal, com um terraço feito de ramos entrelaçados, apoiados em madeira e cobertos de argila. Quase tudo está no chão. Peças de cerâmica, de utilidades variadas, estão por perto. Num tear rústico, lã e linho são tecidos. O moinho manual produz a farinha para o alimento básico: o pão. Lá fora, um forno portátil de barro serve para cozinhar.
As crianças auxiliam suas mães nas atividades domésticas, do amanhecer ao pôr do sol. Contudo, há momentos para brincar. Bonecas, animais de estimação... e bolas de couro. A ideia é manter uma bola (ou duas) em movimento, jogando um para o outro, com as mãos, até cair e se definir, assim, o vencido. Há, ainda, os brinquedos de madeira.
Nazaré é o povoado dos carpinteiros.
Para Israel, o trabalho manual é sagrado. Os rabinos ensinam que o artesão dedicado a sua obra não precisa se levantar diante do mais importante dos doutores.
Os carpinteiros, em particular, fruem de elevada consideração e ocasionalmente são chamados à condição de árbitros em questões judiciais, talvez pelo hábito de operarem em seu ofício com medidas exatas.
Jesus atravessa uma fase de novas responsabilidades familiares e sociais. Em algumas semanas, irá à Jerusalém para a peregrinação anual da Páscoa. Aos 13 anos, será um homem. Diminuem suas tarefas domésticas e agora passa mais tempo na oficina do pai. Vai-se iniciando no ofício da broca e do martelo, do formão e do serrote, conforme a tradição familiar. Ele aprende os rudimentos da preparação de portas, móveis, carroças, rodas e ferramentas agrícolas, trabalhando com tal disposição o pequeno carpinteiro de Nazaré, que enche a casa de ânimo com sua alegria.
Quando o sol vai alto, uma parcela dos quase 500 habitantes já ocupa as ruas de chão batido de Nazaré. Esteiras e tendas se estendem pelas margens, seja para as ofertas de serviço seja para as de comércio, em especial, de frutos e legumes. É uma aldeia agrícola. Mas há, também, os utensílios da olaria: panelas, bacias, tigelas, potes, lamparinas; como ainda o artesanato de cestas trançadas de junco ou dos filamentos que crescem entre as tâmaras. O linho é outra especialidade — a Galileia é rica em campos de linho e hábeis tecelãs.
A permuta é o método frequente das transações, e restrita é a circulação do dinheiro.
Sob uma tenda, um escriba formaliza negócios, casamentos, redige cartas.
À chegada da tarde, porém, as pessoas se apressam um pouco. Logo, ao poente, iniciará o Shabat (descanso), que durará até o poente do dia seguinte.
Enquanto Maria prepara as três refeições do repouso sagrado, Jesus arruma a oficina de seu pai, garante uma provisão suficiente de água para a casa e limpa seus cômodos modestos.
Trombetas soam três vezes. Suspende-se o trabalho.
Com o crepúsculo, Maria acende duas lamparinas, cujas chamas dançarinas deverão arder até o amanhecer, quando a família se apresentará à sinagoga. Das lamparinas, fumaça e cheiro característicos se espalham pela casa.
Maria desdobra as roupas festivas e coloca dois pães sobre a mesa.
José está na sinagoga, recitando orações e lendo textos sagrados. Depois de um tempo, ele volta para casa, onde lhe espera a família e os convidados para a refeição ritual. Na mesa, ele declama o kiddush (uma oração de santificação) sobre uma taça de vinho, evocando o repouso de Deus após a criação e a santificação do sétimo dia, e conclui: Bendito sejas tu, ó Eterno, que santificas o Shabat. O pão é partido entre todos, untando-se as porções com sal. Salmos e versículos do Antigo Testamento são entoados. E Jesus tudo observa.
O Shabat é um rico caminho para o crescimento interior. O ser humano medita em Deus, contempla sua Criação, relaciona-se fraternalmente com parentes e amigos, descobrindo que não só de pão vive o homem.
A partir dos 5 ou 6 anos, os meninos podem frequentar a escola, iniciando a alfabetização. Um professor, de estilete à mão, usa uma pequena tábua coberta de cera para escrever as letras, nomeando-as até que sejam dominadas. O próximo passo será conhecer os cinco livros da Torah, mas o programa abrangerá leitura, geografia, história, cálculo, regras sociais e religiosas. De versículo em versículo, lido, explicado, recitado várias vezes, as Escrituras são praticamente memorizadas. À medida que os estudantes crescem, outros textos são acrescentados, inserindo-os no universo dos profetas e dos livros de sabedoria. Na adolescência, penetrarão nas questões orais de interpretação das escrituras, aprendendo a aplicar a Torah na vida diária.
A sinagoga é o centro da vida social e religiosa. Não é só o templo para o qual o judeu piedoso deve voltar-se em oração três vezes ao dia. Abriga a escola, é o espaço de reunião da comunidade, um local de estudo das escrituras e um lugar de esperanças.
Nazaré estava fundada havia mais de dois mil anos.
O franciscano Bellarmino Bagatti (CROSSAN, 1994, p.
50) realizou escavações no centro da aldeia, entre 1955 e 1960. Encontrou tumbas de meados da Idade do Bronze (2000–1500 a.C.), cerâmicas da Idade do Ferro (900–539 a.C.), cerâmicas e construções do período helenístico (332–63 a.C.). Em relação ao período de Jesus, encontrou uma fonte, cisternas para água, prensas de azeitonas, tonéis de óleo e silos para grãos nos subterrâneos das moradias, onde as colheitas eram guardadas.
Flávio Josefo, historiador judeu, citou 45 cidades da Galileia. O Talmud mencionou 63 delas. O Antigo Testamento relacionou inumeráveis cidades dessa província. Nenhuma dessas fontes, curiosamente, registrou Nazaré. A aldeia foi ignorada, de tão pequenina. A primeira referência a ela, fora dos documentos cristãos, foi descoberta em 1962, nas escavações de Cesareia: um pedaço de mármore com a inscrição de seu nome. Mas sua aparição na história ocorreu no dia em que o Espírito Gabriel foi enviado a ela, à procura de “uma virgem desposada com um varão chamado José, da casa de Davi”. (LUCAS
Nazaré foi construída no topo do monte mais ao sul da Baixa Galileia. De lá se vê o Monte Carmelo, a oeste; o vale do Jordão, a leste; a planície do Esdrelon, ao sul; defrontando-se, a nordeste, com o lago de Genesaré. Vê-se, também, o Monte Tabor, e quase se pressentem, por trás das montanhas da Samaria, as muitas colinas ressequidas da Judeia.
Ernest Renan (2003, p.
124) escreveu, com inspiração:
Aquelas montanhas, aquele mar, aquele céu de anil, aqueles planaltos no horizonte foram, para ele (Jesus), não a visão melancólica de uma alma que interroga a natureza sobre seu destino, mas o símbolo certo, a sombra transparente de um mundo visível e de um novo céu.
A aldeia de Jesus se distanciava cerca de 150 quilômetros de Jerusalém. Mas Séforis estava a apenas uma hora de caminhada de Nazaré.
1 Nota do autor: As transcrições da Bíblia não identificadas quanto ao tradutor foram extraídas da Bíblia de Jerusalém. (São Paulo: Paulus, 1996.)
Acima, está sendo listado apenas o item do capítulo 1.
Para visualizar o capítulo 1 completo, clique no botão abaixo:
Ver 1 Capítulo Completo
Este texto está incorreto?
Veja mais em...
Marcos 1:35
E, levantando-se de manhã muito cedo, fazendo ainda escuro, saiu, e foi para um lugar deserto, e ali orava.
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa
Lucas 1:27
A uma virgem desposada com um varão, cujo nome era José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria.
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa