Da Manjedoura A Emaús

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CAPÍTULO 16

Cenário Intelectiual da Época

Ninguém vos domine a seu bel-prazer com pretexto de humildade e culto dos anjos, metendo-se em coisas que não viu; estando debalde inchado na sua carnal compreensão, (Colossenses 2:18)
Para que o pensamento de Jesus fosse ambientado no planeta, a Terra viveu verdadeira revolução por volta do século VI a.C., recebendo, entre seus grandes povos, a reencarnação de missionários incumbidos de organizar o pensamento religioso e filosófico, de iniciar o homem na investigação da natureza e torná-lo um cultor de diversas artes.
Várias das grandes religiões e sistemas de comportamento ético floresceram nesse período.
Novas atitudes e crenças, visando a uma vida melhor ou a uma compreensão mais ampla da vida, borbulhavam em muitas partes do mundo. Era como se a humanidade estivesse sendo impelida no sentido de aspirar a coisas maiores, um plano de existência mais elevado. (HYSLOP, 1991, p. 10.)
A “elevação do espírito” — proporcionada por meio do refinamento intelectual, da purificação do sentimento religioso e do desenvolvimento do senso estético — foi essencial para que surgissem condições vibratórias e espaços mentais e emocionais apropriados nos seres humanos, sem o que a mensagem do Cristo não ressoaria.
Na Índia, os quatro livros do Saber, os 5edas, convidaram o homem a meditar no sentido profundo da vida, um milênio e meio antes de Jesus, embora para as massas a ênfase estivesse na prática dos sacrifícios de seres vivos, nos gestos e palavras rituais, que obrigariam os próprios deuses a distribuir saúde e prosperidade.
Séculos após, o desenvolvimento filosófico do Vedismo conduziu ao pensamento clássico do Bramanismo, que sistematizou liturgicamente a tradição védica e cantou a força e a generosidade do deus Varuna, o luminoso e justo conservador da ordem. “O Canto do Bem-aventurado”, o Bhagavad-Gita, surgiu como o coração do Hinduísmo, convocando à ascensão por meio das sucessivas reencarnações. O Upanishad contém textos que enriqueceram a filosofia indiana em torno do século VII a.C., mediante elaborada doutrina filosófico-religiosa, acentuando a importância do conhecimento para dissipar a ilusão e preceituando uma moral ascética, que exerceria imensa sedução sobre a alma indiana, numa febre de renúncia ao mundo material. (PADOVANI, 1990, p. 69.)
Pouco depois, o príncipe Siddharta Gautama (VI a.C.), o Buda, faria de sua vida um modelo de iluminação destinado a influenciar a humanidade milênios afora, propondo a superação dos desejos, das ilusões e do individualismo, que, ao lado da ignorância, seriam as raízes do sofrimento. Para ele, a vida era um curso tormentoso e trágico, e todos tinham o direito de se libertar dela, devendo-se calcar, para isso, no papel do conhecimento contra a escravidão dos sentidos, na renúncia ao mundo, na despreocupação acerca de Deus como caminho para a quietação no nada, o nirvana.
A filosofia indiana, não obstante sempre ligada à tradição religiosa, acabaria resvalando para o ateísmo, ou por confundir o mundo com Deus ou por se concentrar no problema da libertação da vida material, desinteressando-se de Deus.
Nessa fase recuada da história, o I Ching — Livro das mutações — sugeria a existência de duas forças opostas e complementares no cosmo, o yin e o yang, que seriam fundamentais para as duas grandes correntes religiosas chinesas: o Taoísmo, organização das antigas crenças pelo Velho mestre, isto é, Lao-Tsé (VI a.C.), que procurava oferecer ao homem um caminho de harmonia com a natureza, enfatizando a alegria existente na aceitação dos ritmos naturais; e o Confucionismo, sistema religioso- político-familiar de Confúcio (Kong-fu-tze – VI a.C.), cuja pretensão, ao inverso, era harmonizar a natureza com o homem.
Zoroastro (VII a.C.) havia depurado o complexo panteão de deuses e crenças da Mesopotâmia, dando à Pérsia um único deus, Ahura-Masda, que viveria na mente de cada homem. A Pérsia marchava para seu apogeu, nos séculos 6 e V a.C., com Ciro, o Grande, Cambises e Dario, conformando um império de 5 milhões de quilômetros quadrados, 10 milhões de súditos e uma das mais assombrosas riquezas de todos os tempos.
A poderosa civilização grega micênica, do período épico cantado por Homero, havia se desintegrado, fazendo dos séculos 9, VIII e VII a Idade das Trevas da Grécia.
Mas um novo surto de progresso, com o desenvolvimento das cidades-estados da civilização grega jônica, introduziu conceitos novos: instituição, democracia e cidadania, cuja vivência na praça pública desafiava a palavra, o discurso e a razão (ABRÃO, 2004, p. 17), desenvolvendo um novo modo de pensar, agora racional, opostamente ao pensamento antigo, mitológico. À medida que o pensamento racional ocupava o cenário político, essa metodologia de pensar se difundia para outras áreas do saber, voltando-se para outras questões da vida humana e ensejando o nascimento da filosofia clássica, que teve em Sócrates (469– 399 a.C.), o maior expoente, considerado, mesmo hoje, o grande nome da filosofia do Ocidente.
Até a aparição de Sócrates, o pensamento racional grego estava inquieto com dois campos de indagação: de um lado, a política; de outro, o universo e a natureza.
Rompendo com a concepção mitológica, os pensadores jônicos propuseram uma explicação puramente racional do universo.
A partir de Sócrates, a filosofia passa a se ocupar mais com as questões humanas, originando o período antropológico, cuja preocupação central era o homem e o espírito no sistema do mundo.

Sócrates, filho de um escultor e de uma parteira, iniciou o cumprimento da missão que afirmou ter recebido do mundo invisível por volta de seus 40 anos. Havia aprendido a arte paterna, mas “seguiu” a profissão da mãe, procurando, com o método da maiêutica, auxiliar os “partos” do espírito. A pergunta “O que é?” constituía a base do exercício mental dos investigadores do universo e da natureza, os pré-socráticos. Sócrates transpôs essa questão para o mundo dos homens. (ABRÃO, 2004, p. 44.) Andava por Atenas, com vestes simples e rústicas, interrogando seus contemporâneos: O que é a sabedoria? O que é a verdade? O que é a justiça? O que é a virtude? Com isso, procurava levar seus interlocutores a perceber a ignorância que se ocultava nos seus supostos saberes. Então, ele empregava a maiêutica, ou arte de dar à luz, para despertar em suas mentes saberes que estavam adormecidos.
Só pratica o mal quem ignora a verdade, pensava ele. Conhecimento e virtude são forças idênticas. A mais grave das ignorâncias é a ignorância da própria ignorância. Daí seu lema: conhece-te a ti mesmo, isto é, torna-te consciente de tua ignorância.
Desde Sócrates, as questões morais não mais são tratadas como meras convenções oportunistas de cada época, mas como uma nova ciência. Surge a Ética.
Voltando-se para as causas primárias, Sócrates perguntou-se: o que é Deus? E respondeu: é a Razão Perfeita.
Platão (V a.C.), discípulo de Sócrates, e aquele que deu à filosofia sua primeira grande sistematização, compreendeu Deus como o artesão que modelou todas as coisas e seres do mundo a partir da matéria-prima do caos, tendo a Ideia do Bem por paradigma na obra universal, que é perfeita, ressalvada apenas a imperfeição da matéria-prima empregada.
Sócrates e Platão defendiam a concepção reencarnacionista, introduzida na filosofia grega por Pitágoras.
Platão propunha que o espírito é peregrino neste mundo e prisioneiro na caverna do corpo (PADOVANI, 1990, p. 115), bem como prisioneiro do senso comum, das opiniões prevalecentes e constituídas com base na ordem material. A alma não encontraria no corpo seu complemento adequado, e seu intelecto seria impedido pelos sentidos de ter a visão do mundo das ideias, uma realidade originária e invisível, da qual o mundo material é uma cópia.
Aprender (mathesis) é recordar (anámnesis), para Platão. Em Fédon, ele situa Sócrates dialogando com Cebes sobre a morte, na prisão, à espera da cicuta:
— Cebes, reputo que nada pode se opor a estas palavras e que não nos enganamos ao admiti-las. Porque é certo que há um retorno à vida,11 que os vivos nascem dos mortos, que as almas dos mortos existem, que a sorte das boas almas é melhor e das más, pior.
— Isso que estás dizendo, Sócrates, é consequência necessária de outro princípio que te ouvi expor: que nosso conhecimento é somente recordação. Se este princípio é exato, temos de ter aprendido em outro tempo as coisas de que nos recordamos. E isso não é possível se nossa alma não existir antes de receber esta forma humana. Esta é mais uma prova de que nossa alma é imortal. (PLATÃO, 2004, p. 135.)
As almas seriam classificadas em quatro categorias: aquelas que cometeram faltas inexpiáveis, destinadas à condenação eterna; as que cometeram faltas expiáveis; as que viveram conforme a justiça; e, por fim, as almas filósofas, videntes das ideias. A segunda e a terceira categorias renasceriam após mergulharem no rio Letes (palavra que significa “esquecimento”), cujas águas faziam esquecer o passado, recebendo suas penas e prêmios para realizar a sabedoria — conquistar a liberdade real —, representada pela quarta categoria, com o homem livre, para sempre, da vida temporal.
Aristóteles (IV a.C.), o criador da Lógica, necessitou admitir uma causa primeira, iniciadora do ciclo infindável das coisas, a força que pôs em movimento o universo. Se tudo tem causa, é preciso supor uma causa para o mundo, um motor incausado, imóvel, imutável e autossuficiente, na formação do cosmo.

O deus de Aristóteles não interfere no curso do mundo. Para ele, Deus estaria prisioneiro em uma eterna autocontemplação, incomunicável e alheio, absolutamente imóvel e satisfeito com isso.
Aristóteles concebia uma espécie de alma para cada ser vivente, mas só o homem, o animal político, possuiria alma racional. A alma, porém, só existiria no corpo, e não seria imortal.
Vê-se, por esse breve contraste, como foi grande e impróprio o esforço da Igreja medieval para consagrar Aristóteles como o filósofo patrono da Antiguidade e afastar as influências reencarnacionistas de Platão, que era o filósofo mais admirado entre os primeiros pais da Igreja. São Tomás de Aquino (XIII d.C.), o “Doutor Angélico”, aristotélico, foi alçado à condição de mais importante teólogo, deslocando Santo Agostinho (IV–V d.C.), platônico, para plano menor.
O pensamento mitológico do tempo de Homero concebia Destino como uma divindade terrível, que não apenas comandava a vida dos homens, como também a existência dos próprios deuses, o que ensejava um destino cego e implacável aos homens.
“Nada, certamente, é mais desventurado que o homem, entre todas as coisas que respiram e caminham na Terra”— disse Zeus em A Ilíada de Homero (1987, p. 194), a narrativa épica da Guerra de Troia.
Com o colapso da civilização micênica e a Idade das Trevas, a sensação de que os deuses abandonaram os homens projetou uma sombra ainda maior de pessimismo sobre a alma dos gregos, pessimismo desesperado (como se vê na literatura trágica de Sófocles, com o rei Édipo e Antígone), influenciando sobremaneira a concepção grega da vida, mesmo na madureza de seu desenvolvimento cultural. (PADOVANI, 1990, p. 93.)
Por razões distintas, as civilizações do Extremo Oriente Asiático e do Oriente Europeu estavam contaminadas por uma visão catastrófica da vida, e, em ambas, a questão fundamental era: qual é o remédio a este mal da existência?

Se o Bramanismo apontava a esperança do paraíso no absoluto, após a morte, e o Budismo a esperança do paraíso no nada, a mitologia grega, até o século VI a.C., oferecia o Hades, lugar de trevas e de silêncio, onde os mortos vagueariam exangues e inconscientes, invejando o último dos mortais sobre a Terra. (PADOVANI, 1990, p. 94.)
Na Odisseia, Homero relata no capítulo “Evocação dos mortos” o complicado ritual que Ulisses realiza para fazer a alma de Aquiles recuperar por instantes a razão, pois no Hades se encontrava sem entendimento, inconsciente. Tendo procurado consolar Aquiles de sua morte em idade moça, afirmando que ele fora o mais feliz dos homens, honrado por seus contemporâneos qual se fosse um deus, Aquiles respondeu ao ex-companheiro, transmitindo-lhe uma opinião melancólica sobre a “outra vida” (HOMERO, 1981, p. 109):
Ilustre Ulisses, não tentes consolar-me a respeito da morte; preferiria trabalhar, como servo da gleba, às ordens de outrem, de um homem sem patrimônio e de parcos recursos, do que reinar sobre os mortos, que já nada são!
Para um príncipe do feitio de Aquiles, viver como um servo lavrador seria a pior humilhação; preferível, contudo, a ser rei no Hades.
A opção do retorno, a reencarnação, só se introduziu na Grécia séculos mais tarde, com Pitágoras, mesmo assim sob perspectiva também trágica: sofrer e morrer de novo.
O pensamento racional não eliminou dos gregos a sensação de abandono. Entretanto, mostrou-lhes que, justamente por esse abandono, poderiam ser livres. As cidades-estados são frutos dessa liberdade física dos homens, e a filosofia é a consequência da liberdade de pensar sem a preocupação com os deuses.
A busca pela construção de uma sociedade livre e melhor para os homens (entenda-se os indivíduos do sexo masculino, gregos, com título de cidadania) e de um pensamento emancipado da mitologia e da religião originou, respectivamente, a democracia e a filosofia. A democracia almeja um sistema jurídico mais perfeito; a filosofia anseia desvendar a lei que está acima de todas as coisas, a lei universal.
Mas derrotas militares desagregaram a Grécia aos poucos, após o período áureo.
O ideal do homem, que era ser “animal político” no seio da “pólis”,12 foi, então, inviabilizado, porque o homem grego agora era súdito dos bárbaros, seus dominadores. Sem cidade livre para o grego livre, não podia haver cidadania, cuja essência é a igualdade e o bem comum. Sem cidadania, não há realização exterior e não pode haver felicidade coletiva, senão individual.
A investigação das causas primárias e das coisas gerais perde o sentido, e a filosofia se retrai. O homem ficou só, e apenas lhe restava a possibilidade da realização interior, a felicidade na intimidade. E a filosofia grega passa ao pragmatismo, questionando o que é mais eficiente para fazer o homem viver bem e ter uma vida íntima harmoniosa, ou seja, sem sofrimento.
As respostas sugeridas fizeram surgir escolas filosóficas como o Cinismo, o Ceticismo, o Epicurismo e o Estoicismo.
O Cinismo, corrente filosófica fundada por Antístenes (V–IV a.C.),13 e seguida por seu discípulo Diógenes, o Cínico (IV a.C.),14 propôs que o conhecimento é sempre incerto, inseguro, duvidoso, como a vida e as pessoas, e o melhor a fazer é se afastar do convívio dos homens e viver à margem, isolado na natureza, fora das cidades, livre das injunções sociais e vícios. Os cínicos procuravam a felicidade por meio da libertação dos desejos, do medo, da raiva e de outras emoções; da libertação do controle religioso e público, da opinião pública e da propriedade material. Tudo o que seria preciso para viver caberia num alforje; aquele que nada tem e nada quer é realmente livre. Por isso, Diógenes vivia num tonel de madeira e, quando viu, certa vez, uma criança bebendo água com as mãos, ele retirou sua caneca do alforje e a quebrou, repreendendo a si mesmo: “Como fui idiota, carregando um peso inútil todo esse tempo!”

A essência do Ceticismo também está na vulnerabilidade e na falibilidade do conhecimento. A verdade seria inacessível. Por essa razão, Pirro de Élida (IV–III a.C.), o fundador dessa corrente, recomendava a imobilidade — nenhum movimento que trouxesse preocupação em torno da verdade e da falsidade das coisas.
Epicuro (IV–III a.C.), por sua vez, sustentou que o prazer sensível é a fonte da felicidade do homem, porque nada existiria além das coisas físicas. Todavia, o autêntico prazer é inseparável da tranquilidade interior. Nenhum prazer deve ser recusado, a não ser que seus efeitos sejam danosos. Deve-se conquistar a faculdade de gozar e não permanecer na necessidade de gozar. A filosofia é que dará a justa medida entre o prazer e a conservação da paz, evitando as doenças e os sofrimentos. O homem deve se libertar das ideias de destino e de deuses. A morte significa ausência de sensações. Sem sensações não há sofrimento. “Nunca nos encontraremos com a morte, porque quando nós somos, ela não é, quando ela é nós não somos mais”. (PADOVANI, 1990, p. 153.) Epicuro chegou a venerar os deuses, não para obter-lhes o auxílio, mas para imitá-los.
A apatia, a ausência de paixão, era o ideal ético do Estoicismo, idealizado por Zenão de Cítio (III a.C.), radicalmente materialista. (PADOVANI, 1990, p. 147.) A felicidade consistiria em viver de acordo com a razão, dedicando-se à disciplina intelectual. Desviar-se das paixões, que são sempre perturbadoras da razão, liberta o homem, mesmo que ele continue socialmente escravo ou submetido. O prazer é mórbida vaidade da alma. O suicídio é justificável. Paradoxalmente, a política e a moral estoica valorizavam a igualdade entre todos os seres, inspirando o sentimento de perdão, de caridade, para os escravos, os estrangeiros e os inimigos, originando instituições voltadas para ações humanísticas junto aos pobres e enfermos.
Ao tempo de Jesus, Sêneca impulsionará em Roma uma forma de Estoicismo transfigurada, que admitirá a existência de Deus, transcendente e acima do universo. Moralizante, esse Estoicismo romano preceituará, por razões utilitárias, que o homem deveria praticar o bem, pois assim Deus o ajudaria.

Enquanto a filosofia, nesse período, abria mão dos grandes porquês, para buscar consolo individual à frustração coletiva do homem grego, o pensamento racional, dirigido para além do animal político, lançava o homem à exploração da natureza e do universo outra vez.
Assim como Atenas estava para a filosofia, Alexandria, no Egito, estava para as ciências.
Em Alexandria, Eratóstenes de Cirene (III a.C.), analisando a incidência do Sol sobre os objetos, bem como a projeção, a partir deles, de sombras com diferentes ângulos, cujos graus variavam na proporção da distância, espantosamente consegue demonstrar a esfericidade da Terra e calcular sua circunferência, com insignificante margem de erro.
Euclides (III a.C.) dedica a vida a sistematizar as descobertas matemáticas anteriores a ele, bem como suas próprias descobertas.
Arquimedes (III a.C.), um dos maiores gênios científicos de todos os tempos, traz avanços para a Matemática, a Física e a Engenharia, além de inventos fundamentais.
Herófilo e Erasístrato (III a.C.) avançam na descrição dos órgãos do corpo humano, estudando o cérebro, o nervo óptico, o sistema vascular etc.
Ptolomeu (II a.C.) elabora a teoria geocêntrica, colocando a Terra no centro do cosmo, apesar de Aristarco de Samos (III a.C.) ter defendido a teoria heliocêntrica, pela qual o centro é o Sol, e a Terra é que gira em torno dele.
Em outra vertente, no campo da ciência jurídica, Roma, embora pobre de originalidade intelectual em outras áreas, consegue desenvolver o Direito. Se a Filosofia não falava Latim, o Direito, sim.
Nessa conjuntura global, marcada por desesperanças, contradições, misérias e desilusões, por dominadores e dominados, pode-se imaginar o efeito das palavras de Jesus incendiando as almas, antes rendidas pelo sopro frio do pessimismo.

Jesus superou as concepções anteriores sobre o homem, seu papel no mundo e seu destino, reformulando a ideia de Deus e designando-o por uma forma altamente racional e, ao mesmo tempo, sensível à emoção: Pai.
O deus dos filósofos não é Deus como Jesus vê.
Paulo de Tarso compreendeu isso (COLOSSENSES 2:8):
Tomai cuidado para que ninguém vos escravize por vãs e enganosas especulações da “filosofia”, segundo a tradição dos homens, segundo os elementos do mundo, e não segundo Cristo.
Uma das realizações mais meritórias da doutrina de Jesus foi libertar os homens do destino, refutando o fatalismo e ensinando que, livres para definir seus caminhos, os homens apenas se encontram enredados por dois determinismos: um pessoal, o das próprias obras, pois que cada um colherá aquilo mesmo que semear; outro divino, a evolução preconizada pelo “sede perfeitos”. Nem as criaturas humanas caminham a sós, nem foram abandonadas; estão sob o amparo da Providência divina.
— “Olhai as aves do céu: não semeiam, nem colhem, nem ajuntam em celeiros. E, no entanto, vosso Pai celeste as alimenta. Ora, não valeis vós mais do que elas?” (MATEUS 6:26.)
A Providência divina é solicitude, desvelo, expressão soberana de dedicação aos seres. Sua delicadeza favorável ampara todas as criaturas.
— “Não se vendem dois pardais por um asse?15 E, no entanto, nenhum deles cai em terra sem o consentimento do vosso Pai!” (MATEUS 10:29.)
Dois pardais. Aparentemente tão insignificantes! Dois asses. Tão baratos! Mas tudo encontra significado e valor na obra de Deus e, portanto, recebe sua atenção: nenhum deles vem ao solo sem sua aquiescência.
— “Quanto a vós, até mesmo os vossos cabelos foram todos contados!” (MATEUS 10:30.)

Não que Deus enumere os cabelos de seus filhos. É apenas uma expressão proverbial, terna e cativante, a dizer a quem chora: aguarde, tudo está sob o cuidado de Deus, Ele vela por todas as coisas. Onipresente, está em toda parte, silenciosamente, suprindo as necessidades de suas criaturas.
E Jesus concluiu:
— “Não tenhais medo, pois valeis mais do que muitos pardais”. (MATEUS 10:31.)
A Providência divina não é geral, é específica. Não é uma única visão sobre todas as criaturas, é uma visão única para cada criatura. Por isso, provê sem assumir as necessidades, a fim de não anular o esforço individual.
— “Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e vos será aberto. Pois todo o que pede, recebe; o que busca, acha; e ao que bate, se abrirá”. (LUCAS 11:9-10.)
É o princípio da lei do trabalho. Cada um está conforme suas obras, que definem o mérito e o progresso.
A Providência divina, porém, nem sempre se apresenta com a rutilância da luz.
Muitas vezes a ausência de um bem desejado é o modo do amor de Deus estar presente, ensinando a medida do necessário, ontem desrespeitada, a dizer que o supérfluo é ornamento com que a aflição se disfarça para se aproximar dos invigilantes.
Se a carência vem, o amor de Deus também, apenas assumindo outras expressões, mas sempre apoiando íntima e exteriormente o necessitado.
Aguardar sem exasperar!
— “Quem de vós, sendo pai, se o filho lhe pedir um peixe, em vez do peixe lhe dará uma serpente?” (LUCAS 11:11.)
Jesus admitiu que seu reino ainda não é deste mundo e até salientou que a vida material tende sempre a oferecer tribulações, não para que a vida seja um vale de sombras, trágico e fatídico, mas porque a justiça reclama a reparação do delito, e a dificuldade constitui precioso estímulo para o desabrochar da virtude.
A ciência do comportamento que Jesus ensinou, se vivida, favorece uma paz predominante, mesmo na vida física, a traduzir-se muito mais profunda e bela na vida espiritual.
A ideia do reino dos céus abriu uma nova perspectiva ao além- túmulo: morrer é se transferir para um mundo que reflete o mundo que se traz por dentro.
Mas tudo é mudança; perene, só a ascensão.
Os desafios existenciais, sejam os da vida terrestre, sejam os da vida espiritual, são as estratégias pedagógicas que impulsionam o homem ao progresso, sugerindo sempre um passo acima.
Quando Allan Kardec (2013a, q.
920) questionou aos Espíritos superiores se o homem pode gozar de completa felicidade na Terra, responderam eles: “Não, porque a vida lhe foi dada como prova ou expiação. Depende dele, porém, amenizar os seus males e ser tão feliz quanto possível na Terra”.
A paz íntima é a felicidade certa e realizável na Terra, como mundo de expiações e provas.
Construir a paz no campo interior apenas requer um refúgio consciencial ampliado pela legenda do amor ao próximo, e isso só depende de cada um.
11 Nota do autor: A tradução de Jorge Paleikat e João Cruz Costa, para a coleção “Os Pensadores”, da Nova Cultural, em vez de um “retorno à vida” preferiu “reviver”.
12 N.E.: Na Grécia Antiga, a pólis (cidade-estado) era um pequeno território localizado geograficamente no ponto mais alto da região, e cujas características eram equivalentes a uma cidade.
13 N.E.: Filósofo grego, discípulo de Górgias e Sócrates. É considerado o fundador da Escola Cínica.
14 N.E.: Filósofo grego, seguidor de Antístenes, de costumes excêntricos, opôs-se às convenções e pretendeu libertar-se das obrigações sociais e das necessidades materiais.
15 N.E.: Unidade que servia de termo de comparação para as moedas, pesos e medidas de Roma; moeda romana.



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Colossenses 2:8

Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo:

cl 2:8
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Mateus 6:26

Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas?

mt 6:26
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Mateus 10:29

Não se vendem dois passarinhos por um ceitil? e nenhum deles cairá em terra sem a vontade de vosso Pai.

mt 10:29
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Mateus 10:30

E até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados.

mt 10:30
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Mateus 10:31

Não temais pois: mais valeis vós do que muitos passarinhos.

mt 10:31
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Lucas 11:9

E eu vos digo a vós: Pedi e dar-se-vos-á: buscai, e achareis: batei, e abrir-se-vos-á;

lc 11:9
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Lucas 11:11

E qual o pai dentre vós que, se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou também, se lhe pedir peixe, lhe dará por peixe uma serpente?

lc 11:11
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa