Da Manjedoura A Emaús

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CAPÍTULO 25

Ecce Homo

Saiu pois Jesus fora, levando a coroa de espinhos e o vestido de púrpura. E disse-lhes Pilatos: Eis aqui o homem. Vendo-o pois os principais dos sacerdotes e os servos, clamaram, dizendo: Crucifica-o, crucifica-o. Disse-lhes Pilatos: Tomai-o vós, e cruci
Quando Jesus estava com 11 anos, Arquelau, filho de Herodes, o Grande, foi deposto por César Augusto, e a Judeia e sua capital, Jerusalém, perderam também a independência política interna. Não só a Judeia, mas a Samaria e a Idumeia se transformaram também em extensão da província da Síria, cujo governador era o embaixador imperial Publius Sulpício Quirino.
Vários procuradores romanos, subordinados a Quirino, administraram a Judeia. Na sequência: Copônio, Marcos Ambívio, Anio Rufo, Valério Grato.
A partir do ano 26 d.C., por uma década, Pôncio Pilatos ocupou a função.
Nenhum outro personagem dos evangelhos possui tantas informações históricas, fora do Novo Testamento, como Pôncio Pilatos, da família Pôncia. Até uma inscrição constando seu nome foi encontrada num santuário erguido em homenagem a Tibério. E, talvez, Filo tenha sido quem mais exatamente traçou o perfil do juiz de Jesus.
Filo, o Judeu (30 a.C. a 45 d.C.), foi um dos principais representantes da escola filosófica greco-judaica. Em Alexandria, ele tentou produzir uma interpretação do Antigo Testamento com base na filosofia grega,
defendendo a preexistência da alma e sua transmigração, isto é, a reencarnação.
Para Filo, Pilatos tinha um caráter inflexível, radical, rude e obstinado, arbitrário e arrogante, insensível ao sofrimento alheio, com tendência à crueldade, responsável por inumeráveis atrocidades, entre elas a execução de pessoas sem o devido processo legal.
Era cruel, a sua frieza de coração não conhecia a misericórdia. No seu tempo reinavam na Judeia a corrupção e a violência, o roubo, a opressão, as humilhações, as execuções sem processo legal e crueldade sem limites. (apud KELLER, 1978, p. 379.)
Flávio Josefo (2005, p. 832 e
835) também descreveu um Pilatos violento:
Ele ordenou então aos soldados que escondessem cacetes debaixo da túnica e rodeassem a multidão. Quando recomeçaram as injúrias, sinalizou aos soldados para que executassem o que havia determinado. Eles não somente obedeceram, como fizeram mais do que ele desejava, pois espancaram tanto os sediciosos quanto os indiferentes. Os judeus não estavam armados, e por isso muitos morreram e vários foram feridos.
Se os métodos do procurador romano eram lamentáveis, sua competência administrativa parece ter sido apreciada por Roma, a se considerar o longo período de sua gestão sobre a Judeia: dez anos.
O Pilatos histórico é demasiado diferente daquele apresentado nas narrativas da paixão de Jesus. Diversos autores supõem que o Pilatos dos evangelhos está adulterado em virtude de necessidades apologéticas, ou seja, de defesa da fé cristã. A condenação de Jesus por uma autoridade do Império deveria refletir negativamente na difusão das ideias cristãs dentro do mundo romano. Daí a razão de os textos do Novo Testamento traduzirem Pilatos como um fraco e amedrontado a sentenciar um inocente, pela insistência inclemente e ameaçadora dos judeus.
Paul Winter (1998, p.
123) acentuou:

Em Marcos, Pilatos é descrito como um dignatário provincial tolo e vacilante, porém bem-intencionado, a quem falta, ao ser confrontado com o clamor da multidão inquieta, a força de caráter para absolver um homem que considera inocente. No entanto, Josefo nos mostra que Pilatos costumava lidar com multidões em desordem de um modo nada suscetível às delicadezas da persuasão.
Uma curta passagem do Evangelho de Lucas apoia o retrato composto por Filo e Josefo sobre o prefeito imperial. Durante um discurso de Jesus, “vieram algumas pessoas que lhe contaram o que aconteceu com os galileus, cujo sangue Pilatos havia misturado com o das suas vítimas”. (LUCAS 13:1-2.)
Por outro lado, dramaticamente, Lucas faz Pilatos defender Jesus perante os judeus, sucessivas vezes: a) “Pilatos disse, então, aos chefes dos sacerdotes e às multidões: Não encontro nesse homem motivo algum de condenação” (23:4); b) “Vós me apresentastes este homem como um agitador do povo; ora, eu o interroguei diante de vós e não encontrei neste homem motivo algum de condenação, como o acusais” (23:14); c) “Tampouco Herodes, uma vez que ele o enviou novamente a nós. Como vedes, este homem nada fez que mereça a morte. Por isso eu vou soltá-lo, depois de o castigar” (23:15 e 16); d) “Pilatos, querendo soltar Jesus, dirigiu-lhes de novo a palavra. Mas eles gritavam: Crucifica-o! Crucifica-o! Pela terceira vez, disse-lhes: Que mal fez este homem? Nenhum motivo de morte encontrei nele!” (23:20 a 22).
O procurador romano chega até aventar a troca entre Jesus e Barrabás.
Teria sido Pilatos remodelado de maneira a não inspirar aos romanos rejeição à fé cristã? Teria sido transformado numa testemunha da inocência de Jesus? O comportamento de Pilatos, segundo os evangelistas, é uma ficção?

Não há dúvidas de que a imagem de Pilatos foi melhorada pelos evangelhos canônicos e, em seguida, pelo movimento cristão em formação.
Aristides (séc. II) poupa Pilatos ao salientar que os judeus entregaram Jesus e “condenaram-no à morte na cruz”, acrescentando: “Ele foi crucificado (suspendido) pelos judeus”. Os Atos de João afirmam que “os judeus o crucificaram numa árvore”. Melito de Sárdis (séc. II) adverte Israel: “Aquele para quem até Pilatos lavou as mãos, vós o matastes”. Para alguns, Pilatos era até cristão. Tertualiano (séc. II) disse: “Pilatos [...] já cristão, por sua consciência”. Cláudia Prócula, mulher de Pilatos, foi elevada à condição de santa na 1greja Grega — uma mulher pagã, com sonhos supostamente enviados por Deus, e que teria tentado salvar Jesus. (WINTER, 1998, p. 131)
O Evangelho de Pedro apresenta, equivocadamente, um só julgamento, num só lugar, presentes todas as autoridades pertinentes, religiosas e civis: os integrantes do Sinédrio, Herodes Antipas e Pilatos. Nele, o procurador romano é poupado até de julgar Jesus: “o governador não teve qualquer participação na condenação e na execução de Jesus”. (apud WINTER, 1998, p. 131.) Pilatos se retira do julgamento, que prossegue com os demais, responsáveis pela condenação. Herodes entrega Jesus ao povo, e o povo escarnece Jesus, crucifica-o e retira-o da cruz.
Considerou Paul Winter (1998, p. 133-134):
Há uma ligação crucial entre os dois fatos: quanto mais o Estado romano persegue os cristãos, mais generosa se torna a descrição de Pôncio Pilatos [...]. Sofrendo sob os imperadores e as autoridades romanas graças à sua confissão, os cristãos empregaram a técnica de mostrar Pilatos como amigo de Jesus, de modo a repreender seus atuais perseguidores [...] recorreram ao expediente de mostrar um Pilatos que agia contra a vontade, pressionado, apesar de considerar a condenação injusta.
Quando, porém, o Cristianismo deixa de ser para o Império Romano a exitiabilis superstitio (funesta superstição), por meio do Édito de Milão

(313 d.C.), pelo qual Constantino retirou de sobre a fé cristã o caráter de seita proscrita, a reputação de Pilatos se estabiliza em alguns meios cristãos, e em outros se deteriora, surgindo, lentamente, referências a sua sordidez, avareza, crueldade e soberbo desdém pelos direitos alheios.
Apesar dos favorecimentos posteriores à imagem de Pilatos, os evangelhos não se enganam ao retratá-lo sensível à inocência de Jesus.
Naquela manhã de sexta-feira — conta MATEUS 27:1-2 — todos os chefes dos sacerdotes (nobreza clerical) e anciãos do povo (nobreza leiga) convocaram o Conselho contra Jesus, “a fim de levá-lo à morte”. Depois, amarraram-no e o entregaram a Pilatos.
JOÃO 18:28-29 narra que os judeus não ingressaram nas dependências do Pretório (o tribunal do procurador romano, localizado na Fortaleza Antônia), para não se contaminarem e ficarem impedidos de participar da ceia pascal. Pilatos precisou sair ao encontro dos acusadores de Jesus e questionou:
— “Que acusação trazeis contra este homem?”
Segundo João, os representantes da comitiva responderam:
— “Se não fosse um malfeitor, não o entregaríamos a ti”.
Mas, conforme LUCAS 23:2, a resposta que se ouviu foi:
— “Encontramos este homem subvertendo nossa nação, impedindo que se paguem os impostos a César e pretendendo ser Cristo Rei”.
Logo, os judeus não acusam Jesus de blasfêmia diante de Pilatos.
Três títulos aparecem na acusação contra Jesus durante seu julgamento: Filho de Deus, Messias e Rei. Num julgamento judaico, atribuir-se a condição de Filho de Deus importaria em gravíssima blasfêmia. Dizer-se Messias constituiria grave infração seja numa corte judaica, seja romana. Contudo, autoproclamar-se Rei representaria um gravíssimo delito num tribunal romano.
Naturalmente, Pilatos percebe que o prisioneiro é um assunto de ódio farisaico e sacerdotal, e inclina-se a não acreditar nas acusações.

Pilatos procura se desvencilhar da causa e recomenda que os judeus julguem Jesus:
— “Tomai-o vós mesmos, e julgai-o conforme a vossa Lei”. (JOÃO 18:31.)
Eles, no entanto, redarguem:
— “Não nos é permitido condenar ninguém à morte”.
Sobre isso — já discutido — há fortes evidências de que a jurisdição judaica abrangia fatos criminais e tinha poderes para aplicar a pena capital.
O acusador, o réu e o juiz são os protagonistas de um processo penal no direito romano. Os chefes dos sacerdotes e membros do Sinédrio formaram a coletividade que acusou Jesus.
Pilatos entra no Pretório e dirige sua primeira pergunta a Jesus, referente à acusação que importava a seu tribunal:
— “Tu és o rei dos judeus?” (JOÃO 18:33.) Nos evangelhos sinópticos a resposta é: — “Tu o dizes”.
João acrescenta à resposta de Jesus:
— “Falas assim por ti mesmo ou outros te disseram isso de mim?” Pilatos faz sua segunda pergunta:
— “Que fizeste?”
Jesus prossegue com a questão anterior:
— “Meu reino não é deste mundo. Se meu reino fosse deste mundo, meus súditos teriam combatido para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas meu reino não é daqui”. (JOÃO 18:36.)
Ele esclarece à autoridade romana que não possui pretensão política; a sua não é uma soberania de ordem terrena, não objetiva contrapor-se a Roma.

Pilatos, mesmo assim, repergunta, procurando confundi-lo e surpreendê-lo em eventual culpa, jogando com a lógica humana:
— “Então, tu és rei?”
— “Tu o dizes”.
Jesus responde à segunda pergunta do juiz romano e informa a natureza de suas atividades no mundo:
— Para isso nasci [...] para dar testemunho da verdade. (JOÃO 18:37.) O magistrado indaga:
— “Que é a verdade?”
Pilatos, contudo, indiferente à resposta, levanta da cadeira de juiz (que ficava no centro do tribunal, elevada e em forma de arco) e dá as costas a Jesus, para ir novamente tratar com os judeus, fora do Pretório.
Pilatos estava impressionado com a altivez do prisioneiro. Lucas indica que nesse momento Pilatos, pela primeira vez, declarou não encontrar culpa no acusado. Os judeus disseram a ele:
— “Ele subleva o povo, ensinando toda a Judeia, desde a Galileia, onde começou, até aqui”. (LUCAS 23:5.)
Conta o Espírito Emmanuel, em seu célebre romance autobiográfico, que Pilatos mandou reunir, então, alguns dos mais ilustres romanos que se encontravam em Jerusalém naquela oportunidade, entre os quais o senador Publius Lentulus, uma das encarnações mais conhecidas de Emmanuel.
A convocação foi justificada para “resolver um caso de consciência”. (XAVIER, 2013f, Pt. 1, cap. VIII, p. 107.)
Uma vez no palácio do governo provincial, o senador se juntou a pequeno grupo de patrícios, e Pilatos apresentou-lhes uma síntese dos acontecimentos, ao final confessando:
“Eu, francamente, não lhe vejo culpa alguma, senão a de ardente visionário de coisas que não posso ou não sei compreender,
surpreendendo-me amargamente o seu penoso estado de pobreza.” (XAVIER, 2013f, Pt. 1, cap. VIII, p. 107.)
Foi Publius Lentulus quem sugeriu a Pilatos, nesse momento, que enviasse o prisioneiro ao regente da Galileia, Herodes Antipas.
Certificando-se o governador de que Jesus era galileu, súdito, portanto, de Herodes Antipas, remeteu-o à jurisdição do tetrarca da Galileia, que estava presente em Jerusalém, em seu faustuoso palácio, para acompanhar a Páscoa.
Herodes alegrou-se com a decisão de Pilatos, gesto que significou a reconciliação entre os dois políticos. Sentiu-se envaidecido pela deferência do governador romano.
LUCAS 23:12 registrou, em nota peculiar, que “nesse mesmo dia Herodes e Pilatos ficaram amigos entre si, pois antes eram inimigos”.
Os Atos 4:27-28 reforçam isso:
[...] contra o teu santo servo Jesus, a quem ungiste, verdadeiramente coligaram-se nesta cidade Herodes e Pôncio Pilatos, com as nações pagãs e os povos de Israel, para executarem tudo o que, em teu poder e sabedoria, havias predeterminado.
Herodes desejava conhecer Jesus, pelo que falavam dele. Esperava presenciar alguma das maravilhas que se difundiam como obras de Jesus, que ele suspeitava ser João Batista ressuscitado. Interrogou-o insistentemente, em vão. Jesus nada lhe respondeu, não tinha do que se defender. Herodes, tratando-o com desprezo, cobriu-lhe com uma veste alva, uma sobrecapa de gala, principesca, coroou-lhe a cabeça com espinhos, pôs-lhe uma cana imunda nos braços à maneira de cetro, e o reenviou a Pilatos.
O tetrarca da Galileia “era um príncipe preguiçoso e sem valor, favorito e adulador de Tibério”. (RENAN, 2003, p. 125.)
Na volta ao Pretório, muitos soldados cercavam Jesus para impedir que populares furiosos o agredissem. A praça estava cheia, e a gritaria era ensurdecedora.
Pilatos, de acordo com os evangelhos, retomou o caso de Jesus e renovou tentativas de salvá-lo, inutilmente. A multidão fora trabalhada pelo ódio das classes superiores e exigia a morte do Justo com insana inclemência.
Polibius, um assistente de Pilatos, foi à sala onde o prefeito romano se reunia com os patrícios notáveis e lhe disse, segundo a narrativa de Emmanuel (XAVIER, 2013f, Pt. 1, cap. VIII, p. 109-110):
— Senhor governador, a multidão enfurecida ameaça invadir a casa, se não confirmardes a sentença condenatória de Jesus Nazareno, dentro do menor prazo possível...
— Mas isso é um absurdo — retrucou Pilatos emocionado. — E, afinal, que diz o Profeta, em tais circunstâncias? Sofre tudo sem uma palavra de recriminação e sem um apelo oficial aos tribunais de justiça?
— Senhor — replicou Polibius igualmente impressionado —, o prisioneiro é extraordinário na serenidade e na resignação. Deixa-se conduzir pelos algozes com a docilidade de um cordeiro e nada reclama, nem mesmo o supremo abandono em que o deixaram quase todos os diletos discípulos da sua doutrina!
[...]
— Homem extraordinário!... — revidava Pilatos [...].
Pilatos requereu a Polibius uma alternativa que livrasse Jesus da morte, e o assistente sugeriu a pena dos açoites.
O governador ordenou que o portador da Verdade fosse flagelado, para que a exposição do seu corpo seviciado abrandasse a avidez de sangue dos seus perseguidores. Mas foi em vão.
Os romanos não tinham uma regulamentação do número de golpes que poderiam ser dados na flagelação. Na Judeia, a lei judaica definia um limite de 40 golpes (DEUTERONÔMIO 25:3), o que costumava ser respeitado pelos romanos. Paulo relatou que, por cinco vezes, recebeu a pena dos 39 açoites (II CORÍNTIOS 11:24).
Na flagelação, comumente, a vítima era despida e amarrada pelos pulsos numa coluna rebaixada, o que a deixava curvada. Dois carrascos se sucediam em golpes nas pernas e nas costas, alcançando o peito. O chicote mais usado era o flagrum, cujas três correias (ou até mais) possuíam esferas de chumbo nas pontas ou dilacerantes pedaços de ossos de carneiro. Cada golpe causava 3 lacerações e os 39 produziam 117.
Abundante hemorragia baixava rapidamente o volume de sangue (hipovolemia) e reduzia drasticamente as forças do indivíduo; os golpes nas costas e no peito fraturavam costelas e lesionavam músculos, gerando muita dor a cada vez que o açoitado tentava recuperar o fôlego; vômito, tremores, desmaios, estado de choque, eram comuns. (FRANCO, 1993, p. 127; ZUGIBE, 2008, p. 32 e 37.)
O senador Publius Lentulus se aproximou de Jesus durante a flagelação:
Aquele rosto enérgico e meigo, em que os seus olhos haviam divisado uma auréola de luz suave e misericordiosa, nas margens do Tiberíades, estava agora banhado de suor sangrento a manar-lhe da fronte dilacerada pelos espinhos perfurantes, misturando-se de lágrimas dolorosas; seus delicados traços fisionômicos pareciam invadidos de palidez angustiada e indescritível; os cabelos caíam-lhe na mesma disposição encantadora sobre os ombros seminus e, todavia, estavam agora desalinhados pela imposição da coroa ignominiosa; o corpo vacilava, trêmulo, a cada vergastada mais forte, mas o olhar profundo saturava-se da mesma beleza inexprimível e misteriosa, revelando amargurada e indefinível melancolia.
Por um momento, seus olhos encontraram os do senador, que baixou a fronte, tocado pela imorredoura impressão daquela sobre-humana majestade. (XAVIER, 2013f, Pt. 1, cap. VIII, p. 111.)
Há mais de um século os botânicos vêm discutindo qual planta teria sido utilizada para a coroa de espinhos.

Os mais renomados especialistas em botânica da Palestina preferem hoje limitar o debate ao espinheiro-de-cristo sírio (Ziziphus spina-christi) e ao espinheiro-de-cristo (Paliurus spina-christi). São duas espécies de plantas espinhosas parecidas. Mas outras vêm sendo apontadas, como a acácia-do-nilo (Acacia nilotica), muito comum nas proximidades de Jerusalém. Os botânicos especializados em plantas da Palestina têm predileção pela hipótese do espinheiro-de-cristo sírio. (ZUGIBE, 2008, p. 43.)
Ao receber Jesus, Pilatos gritou aos judeus:
— “Vede, eu vo-lo trago aqui fora, para saberdes que não encontro nele motivo algum de condenação”. (JOÃO 19:4-5.)
Jesus foi levado para fora, coberto com a coroa de espinhos e o manto. E Pilatos lhes disse:
— “Eis o homem” (Ecce homo).
Os inimigos de Jesus, os príncipes do clero, longe de se sensibilizarem com sua imagem transfigurada pela violência, apenas sentiram o ódio exacerbar. E gritaram: “Crucifica-o! Crucifica-o!”.
Publius Lentulus então perguntou a Pilatos se não havia algum prisioneiro com processo consumado que pudesse substituir Jesus na cruz naquele dia, satisfazendo a sede de sangue da massa.
O pretor recordou-se de Barrabás. Na verdade, Jesus Barrabás, isto é: Jesus, filho de Aba; ou, Jesus, filho do mestre; conforme Ieshu bar (R)Abba(n). Alguns poucos códices evangélicos (o sinaíta siríaco, o harcleano siríaco, a versão armênia, o Códice Koridethi) guardaram o nome completo de Barrabás, incluindo o prenome Jesus. Tudo indica que copistas posteriores excluíram o prenome por entenderem ofensiva a ideia de alguém como Barrabás possuir o nome do “Filho de Deus”.
Marcos relata que Barrabás estava preso com outros amotinadores, os quais durante a revolta cometeram um assassinato. Deixa, portanto, incerta sua condição de homicida. Lucas declara Barrabás autor de homicídio. João se refere a ele como “bandido” ou, de acordo com alguns tradutores,

“ladrão”, “revolucionário”. Mateus se limita a dizê-lo “preso famoso”. Emmanuel disse que ele era “conhecido e odiado de todos pelo seu comprovado espírito de perversidade”. (XAVIER, 2013f, Pt. 1, cap. VIII, p. 111.)
Pilatos ofereceu à multidão uma espécie de indulto, a libertação de um prisioneiro em homenagem à festa — o que ficou conhecido como Privilegium Paschale.
Redundaram sem sucesso todas as pesquisas sobre a existência desse costume. Documentos judaicos e romanos da época nada comentam sobre essa regra.
Vários especialistas concordam acerca da existência histórica de Barrabás. Era muito difundida a narrativa do prisioneiro Jesus Barrabás, salvo pela intercessão do povo.
O indulto a Barrabás causa estranheza, porque somente o imperador dispunha da prerrogativa de anular os efeitos de uma sentença (provocatio ad imperatorem).
O privilégio da Páscoa, possivelmente, nunca existiu; foi apenas o modo como os seguidores de Jesus interpretaram a tentativa de Pilatos em salvar Jesus, dando ao povo o sangue de outro, de acordo com a sugestão do senador Publius Lentulus.
Frustrada essa estratégia, hesitante, sem saber como solucionar o impasse, Pilatos socorreu-se do senador Publius Lentulus.
O senador foi ambíguo. Disse que, se dependesse dele, afrontaria a multidão à pata de cavalo, para submeter o prisioneiro a regular processo, mas não se sentia em condições de determinar isso. De sua parte, acreditava que tudo fora feito para salvar o prisioneiro. Como homem, estava contra a multidão irresponsável; mas, como romano, achava que aquela província não passava de uma unidade econômica do Império, não competindo aos patrícios interferir nas questões morais daquela população. Concluiu que a morte do Justo era da responsabilidade do povo e seus sacerdotes ambiciosos.

Por fim, a covardia moral de Pilatos foi rendida quando os judeus evocaram sua lealdade a César, argumento político ao qual era sensível (JOÃO 19:12):
— “Se o soltas, não és amigo de César! Todo aquele que se faz rei, opõe-se a César”.
JOÃO 19:15 descreveu, ainda, o momento em que Pilatos apresentou Jesus uma última vez à multidão:
— “Crucificarei o vosso rei?!”
Os sacerdotes principais redarguiram:
— “Não temos outro rei a não ser César”.
A massa estava alucinada, duplamente manietada, seja pelas influências dos profissionais do ódio, travestidos de sacerdotes, seja pela insana turba espiritual que operava sobre as mentes precárias de valores. O magistrado pediu água — conta MATEUS 27:24 — e lavou as mãos à vista da multidão, num gesto tipicamente judaico (e não romano), de isenção moral quanto à medida sanguinária:
— “Estou inocente desse sangue. A responsabilidade é vossa”. Responderam, aceitando o desafio:
— “O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos”.
Flávio Josefo (2005, p.
832) anotou: “Os mais ilustres dentre os de nossa nação acusaram-no perante Pilatos, e este ordenou que o crucificassem”.
Três características marcam o direito romano: primeira, o seu formalismo; segunda, os direitos da vítima são privilegiados; e, terceira, o indivíduo não desfruta de qualquer proteção quando é acusado.
Os soldados do governador, levando Jesus outra vez para o interior do Pretório, reuniram-se em torno dele para hostilizá-lo fisicamente e escarnecê-lo. Ajoelhavam-se diante dele, vestido com a capa, com a coroa de espinhos e o caniço nas mãos, e diziam-lhe, caçoando: “Salve, rei dos Judeus!” E cuspindo nele, tomaram o caniço e batiam-lhe na cabeça. Depois da zombaria, despiram-lhe a capa e tornaram a vesti-lo com as suas próprias vestes, e o levaram para crucificar. (MATEUS 27:29-31.)
Os maus-tratos e humilhações faziam parte da pena. Por isso, em nada perturbaram a autoridade romana.
Yann Le Bohec (2003, p.
91) afirmou:
“Do ponto de vista estrito do direito romano, não há nenhuma ressalva a fazer na maneira como Pôncio Pilatos conduziu o processo”.
Essa afirmativa é equivocada, pois, a não ser interrogar o acusado, nenhuma outra providência legal foi tomada para instruir o processo com provas. Não houve confissão de culpa. E não se pode esquecer a desobediência às formalidades legais próprias do direito romano.
Pilatos perdia oportunidade inigualável para sua alma.
Observa Amélia Rodrigues (FRANCO, 1988, p.
200) que, “lavando as mãos, Pôncio Pilatos não limpou a consciência ultrajada, que permaneceria exigindo-lhe retificação de conduta”.
Três anos depois — no ano 36, de acordo com Amélia Rodrigues; ano 35, de acordo com Emmanuel (XAVIER, 2013f, Pt. 1, cap. X, p.
168) — com as denúncias de suas atrocidades, Lucius Vitellius, governante da Síria, ordena a Pilatos que se apresente perante César Tibério a fim de se justificar; porém durante sua viagem a Roma, o imperador morre em Anacapri, sendo sucedido por Calígula. Deste, o procurador romano não obteve o que nunca dera: clemência. Calígula não aceitou sua defesa e nomeou Marulo para substituí-lo, sendo Pilatos deportado para região próxima à Suíça, em exílio perpétuo (FRANCO, 1988, p. 200).
Emmanuel (XAVIER, 2013f, Pt. 1, cap. X, p.
168) especificou o lugar do banimento: Viena, nas antigas Gálias. Para lá o acompanhou sua neurose de culpa, a expressar-se num contínuo lavar as mãos, como nos explica Amélia Rodrigues (FRANCO, 1988, p. 200):

O olhar do Inocente era, na sua lembrança, duas estrelas de intensidade ímpar penetrando-lhe os esconsos redutos da alma sofrida. Desarmado de fé e corroído pelos remorsos incessantes, com o sangue nas mãos, da vítima que representava todas as vítimas que lhe sofreram a injunção criminosa, que se avolumava, e sem valor moral para a reabilitação através do bem, atirou-se, inerme, infeliz, na cratera profunda de um vulcão extinto.
Decorridos três anos no exílio — informou Emmanuel —, “ralado de remorsos, de privações e de amarguras” (XAVIER, 2013f, Pt. 1, cap. X, p. 168), Pilatos suicidou-se, mais se perturbando.
O antagonismo entre o Pilatos da História e o dos evangelhos se explica não por sua mudança de caráter; afinal, ele deu as costas ao emissário da Verdade, após questionar o significado da verdade. Algo, todavia, o modificara para além de sua frieza habitual. Emoções desconcertantes parecem tê-lo dominado. A presença de Jesus lhe causou profunda impressão. Sua alma intuiu a gravidade de seu momento espiritual, tendo em vista o passado e o futuro na longa estrada das reencarnações. Cláudia Prócula, sua mulher, que a tradição conta ter sido admiradora dos ensinos de Jesus, mandara-lhe a advertência: “Não te envolvas com este justo, porque muito sofri hoje em sonho por causa dele”. (MATEUS 27:19.)
Emmanuel, testemunha daquela hora, analisou:
Pilatos hesitava. Seu coração era um pêndulo entre duas forças poderosas... De um lado, era a consciência transmitindo-lhe a vontade superior dos Planos Divinos, de outro, era a imposição da turba ameaçadora, encaminhando-lhe a vontade inferior das esferas mais baixas do mundo. [...]. Na qualidade de homem, Pôncio Pilatos era portador de defeitos naturais que nos caracterizam a quase todos na experiência em que o nobre patrício se encontrava, mas como juiz, naquele instante, seu imenso desejo era de acertar. Queria ser justo e ser bom no processo do Messias Nazareno, entretanto, fraquejou pela vontade enfermiça, cedendo à zona contrária ao bem. (XAVIER, 2003, p. 55 e 56.)
A despeito do abrandamento de sua índole, moldado pelos textos da cristandade primitiva, os esforços do pretor romano para a libertação de Jesus foram sinceros; no entanto, insuficientes para que não se deixasse intimidar pelas astúcias políticas dos sacerdotes judeus, rendendo-se ao interesse próprio, relegando a responsabilidade de juiz e o valor da justiça.



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Lucas 13:1

E NAQUELE mesmo tempo estavam presentes ali alguns que lhe falavam dos galileus cujo sangue Pilatos misturara com os seus sacrifícios.

lc 13:1
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Mateus 27:1

E, CHEGANDO a manhã, todos os príncipes dos sacerdotes, e os anciãos do povo, formavam juntamente conselho contra Jesus, para o matarem;

mt 27:1
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

João 18:28

Depois levaram Jesus da casa de Caifás para a audiência. E era pela manhã cedo. E não entraram na audiência, para não se contaminarem, mas poderem comer a páscoa.

jo 18:28
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Lucas 23:2

E começaram a acusá-lo, dizendo: Havemos achado este, pervertendo a nossa nação, proibindo dar o tributo a César, e dizendo que ele mesmo é Cristo, o rei.

lc 23:2
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

João 18:31

Disse-lhes pois Pilatos: Levai-o vós, e julgai-o segundo a vossa lei. Disseram-lhe então os judeus: A nós não nos é lícito matar pessoa alguma.

jo 18:31
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

João 18:33

Tornou pois a entrar Pilatos na audiência, e chamou a Jesus, e disse-lhe: Tu és o rei dos Judeus?

jo 18:33
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

João 18:36

Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo: se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus: mas agora o meu reino não é daqui.

jo 18:36
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

João 18:37

Disse-lhe pois Pilatos: Logo tu és rei? Jesus respondeu: Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz.

jo 18:37
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Lucas 23:5

Mas eles insistiam cada vez mais, dizendo: Alvoroça o povo ensinando por toda a Judeia, começando desde a Galileia até aqui.

lc 23:5
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Lucas 23:12

E no mesmo dia Pilatos e Herodes entre si se fizeram amigos; pois dantes andavam em inimizade um com o outro.

lc 23:12
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Deuteronômio 25:3

Quarenta açoites lhe fará dar, não mais; para que, porventura, se lhe fizer dar mais açoites do que estes, teu irmão não fique envilecido aos teus olhos.

dt 25:3
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II Coríntios 11:24

Recebi dos judeus cinco quarentenas de açoites menos um.

2co 11:24
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João 19:4

Então Pilatos saiu outra vez fora, e disse-lhes: Eis aqui vo-lo trago fora; para que saibais que não acho nele crime algum.

jo 19:4
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João 19:12

Desde então Pilatos procurava soltá-lo; mas os judeus clamavam, dizendo: Se soltas este, não és amigo do César: qualquer que se faz rei é contra o César.

jo 19:12
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João 19:15

Mas eles bradaram: Tira, tira, crucifica-o. Disse-lhes Pilatos: Hei de crucificar o vosso Rei? Responderam os principais dos sacerdotes: Não temos rei, senão o César.

jo 19:15
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Mateus 27:24

Então Pilatos, vendo que nada aproveitava, antes o tumulto crescia, tomando água, lavou as mãos diante da multidão, dizendo: Estou inocente do sangue deste justo: considerai isso.

mt 27:24
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Mateus 27:29

E, tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha na cabeça, e em sua mão direita uma cana; e, ajoelhando diante dele, o escarneciam, dizendo: Salve, Rei dos judeus.

mt 27:29
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Mateus 27:19

E, estando ele assentado no tribunal, sua mulher mandou-lhe dizer: Não entres na questão desse justo, porque num sonho muito sofri por causa dele.

mt 27:19
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