Da Manjedoura A Emaús

Versão para cópia
CAPÍTULO 8

Irmãos de Jesus

Não é este o filho do carpinteiro? e não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas? E não estão entre nós todas as suas irmãs? Donde lhe veio pois tudo isto? (Mateus 13:55-56)
Todo o Novo Testamento menciona os irmãos de Jesus.
Mateus narra que Jesus, em certa ocasião, estava cercado por compacta multidão, e “sua mãe e seus irmãos” tentavam alcançá-lo. Alguém avisou Jesus, levando-o a perguntar: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?” (MATEUS 12:48).
MARCOS 3:33 e LUCAS 8:21 relatam a mesma passagem.
JOÃO 7:5 informa que “nem mesmo os seus irmãos criam nele”.
Em Atos 1:14, são contados como integrantes da comunidade cristã de Jerusalém, os apóstolos, com algumas mulheres, entre as quais “Maria, a mãe de Jesus, e com os irmãos dele”.
Paulo, na I Coríntios 9:5, também destaca “os irmãos do Senhor”. Essa passagem, inclusive, assinala que os irmãos de Jesus eram casados. Aos GÁLATAS 1:19, o apóstolo dos gentios se refere a “Tiago, o irmão do Senhor”.
“A história de José, o Carpinteiro”, texto apócrifo, cujas cópias remanescentes da Antiguidade estão em árabe e em copta, fala em quatro meninos e duas meninas provenientes do casamento anterior de José. (VERMES, 2006, p. 183.) Com base nisso, a Igreja Ortodoxa (grega) supõe Jesus cercado de irmãos e irmãs por parte de pai.

Já o “Protoevangelho de Tiago”, outro apócrifo, datado de 150 d.C., além de ligar os irmãos de Jesus a um primeiro casamento de José, nomeia pais a Maria, que são celebrados pela Igreja de Roma: Sant’Ana e São Joaquim.
Flávio Josefo refere-se à condenação de Tiago, “irmão de Jesus”.
Eusébio de Cesareia, autor de História eclesiástica (fim do século III), descreve o interrogatório que Domiciano (imperador romano entre 81 e 96 d.C.) dirigiu contra os netos de Judas, “irmão do Salvador segundo a carne”. (CESAREIA, 2002, p. 62.) Vespasiano havia ordenado a execução de todos os judeus descendentes de Davi, passíveis, pois, de pretenderem o trono em Israel. Delatados os netos de Judas às autoridades romanas, e embora tenham admitido pertencerem à linhagem de Davi, Domiciano concluiu que não passavam de camponeses pobres e inofensivos, libertando-os, quando então se tornaram “líderes das igrejas, tanto porque deram seu testemunho, como porque eram da família do Senhor”. (MIRANDA, 1988, p. 58.)
LUCAS 2:6-7 declara que José e Maria estavam em Belém quando se completaram os dias para o parto, “e ela deu à luz o seu filho primogênito”. A preferência pelo termo primogênito (gerado antes dos outros) sobre unigênito (único gerado por seus pais) favoreceria, em princípio, a hipótese de Maria ser mãe de outros filhos e afasta a hipótese de José ter filhos de uma primeira união, vez que Jesus foi consagrado como o primogênito de José no Templo. (LUCAS 2:22-23.)
A primogenitura salientada por LUCAS 2:7 sublinha a dignidade e os direitos da criança. Mas há quem proponha (MIRANDA, 1988, p.
55) que o termo grego prototokos, primogênito, permite ocasionalmente equiparação a monogenes — unigênito.
A Igreja sempre negou a existência de irmãos para Jesus, mas por duas razões: sustentar o dogma da virgindade perpétua de Maria e a doutrina do pecado original, formulada por Santo Agostinho como solução ao problema do mal (moral e físico).

Sem dúvida, esse problema foi o obstáculo contra o qual a filosofia grega debateu-se em vão: “De que modo concordar a absoluta sabedoria e poder de Deus com todo o mal que há no mundo, por ele criado?” (PADOVANI, 1990, p. 189).
Santo Agostinho negou a realidade metafísica do mal, com acerto. O mal não é ser, mas privação de ser; é a ausência do bem.
Contudo, para ele, o mal moral “entrou no mundo humano pelo pecado original e atual. Por isso, a humanidade foi punida com o sofrimento, físico e moral, além de o ter sido com a perda dos dons gratuitos de Deus”. (PADOVANI, 1990, p. 213.)
Os homens sofrem porque são concebidos em pecado, o pecado do casal original — os mitológicos Adão e Eva.
Com essa doutrina, ergueram-se 1.500 anos de hostilidade à mulher e ao sexo, no Ocidente. À Igreja do após pecado original convém imacular Maria, para fazer dela uma mulher diferente, acima das outras, que concebeu sem sexo e se perpetuou virgem.
Jacques Duquesne (2005, p.
95) criticou lucidamente a tese do pecado original: milhares de páginas foram escritas e milhares de sermões dados para explicar às massas que Deus enviou Jesus à Terra para suportar os piores sofrimentos e a morte, a fim de “apagar a mácula original e de seu pai apaziguar a ira”, como diz um velho cântico, “Meia-noite cristã”, que [...] difundiu amplamente esse absurdo. Pode-se de fato imaginar um Deus do amor — o Pai do filho pródigo, como na célebre parábola — que só consente em perdoar aos homens as tolices do primeiro casal enviando Seu Filho para se oferecer a Ele em sacrifício? É uma visão horrível de Deus, em apresentação bárbara, banhada de sangue e carregada de uma obsessão de vingança tal que Ele sacrificará a ela Seu próprio filho. Nada tem a ver com a mensagem de Jesus, o qual jamais evocou o pecado original, e sim o mal do mundo, o que é totalmente diferente.

O problema filosófico do mal recebeu do Espiritismo, a partir do século XIX, todo um desenvolvimento elucidativo. Seu paradigma dissolveu a aparente contradição espírito e matéria, falíveis e finitos, em face do Criador perfeito. Na concepção do mundo e do ser, o Espiritismo revelou a lei de evolução das formas materiais e da alma. Propôs e demonstrou na criatura humana a presença de uma essência imortal, que transpõe a fieira da ignorância e da potencialidade na direção da plenitude e do ato, cedendo aos impulsos da lei de evolução à medida que se submete à metodologia das reencarnações. Com isso, o mal se afigura somente como o vazio momentâneo do bem ainda não conquistado.
A cultura judaica, ao tempo de Jesus, não revelou complexos e morbidez quanto à sexualidade, havida como positiva e normal — parte integrante da experiência amorosa do casal, existindo até grande liberdade no convívio sexual entre marido e mulher. O Judaísmo ministrado pelos rabinos dava ao corpo a mesma importância que o Cristianismo depois deu à alma.
Os judeus, naquele tempo, acreditavam que relações sexuais no período de gravidez animavam o feto e o fortificavam. (DUQUESNE, 2005, p. 77.)
José absteve-se dessa tradição. MATEUS 1:24-25 informa que ele “recebeu em casa sua mulher. Mas não a conheceu até o dia em que ela deu à luz um filho”.
Muitos dos apóstolos eram casados. Só mais tarde, por volta de 306 d.C., a partir do sínodo de Elvira (antiga cidade, próxima da atual Granada, Espanha), o celibato a sacerdotes e religiosos se tornou obrigatório. (ARIAS, 2001, p. 168.)
Os textos gregos dos evangelhos empregaram, respectivamente, adelphos e adelphes para citar os irmãos e irmãs de Jesus. Para dizer primos, deveriam ter utilizado anepsios.
Sobre nenhum outro tema os escritos do Novo Testamento se serviram de adelphos, querendo dizer anepsios. Paulo, quando escreveu aos COLOSSENSES 4:10, enviou-lhes as saudações de “Marcos, primo de Barnabé”. Todavia, anotou anepsios, isto é, utilizou a palavra exata, correspondente a primo, em vez de adelphos. Entretanto, ao falar de Tiago, o irmão de Jesus, Paulo emprega adelphos.
Não obstante, o fato é que os irmãos atribuídos a Jesus pelos textos citados não são objetivamente seus irmãos.
O evangelista João (19:
25) situa três mulheres perto da cruz, no Gólgota: “sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Clopas, e Maria Madalena”. MATEUS 27:56 e MARCOS 15:40 acrescentam Salomé ao grupo, mãe de Tiago e João, filhos de Zebedeu.
Entre os doze, são dois apóstolos chamados Tiago, o Menor e o Maior. Durante o ministério de Jesus, destaca-se o filho de Zebedeu (o Maior); após a crucificação, destaca-se na igreja de Jerusalém Tiago, o Menor, o irmão do Senhor.
Duas irmãs Maria é algo incomum, e se explica, talvez, por alguma inexatidão, “vinda do hábito de dar às mulheres da Galileia, quase que indistintamente, o nome de Maria”. (RENAN, 2003, p. 102.)
A irmã da mãe de Jesus, de acordo com os evangelhos, era esposa de Cléofas, ou Clopas (JOÃO 19:25), ou Alfeu (MATEUS 10:3). Esses dois nomes, Cléofas e Alfeu, parecem indicar a mesma pessoa, sem que tenham a mesma etimologia. Ernest Renan (2003, p.
103) comenta ter vigorado uma substituição artificial de alguns nomes: os José, também chamados Hegésipo; os Eliakim, Alcimo. Uma substituição assim pode justificar Cléofas e Alfeu.
Essa irmã da mãe de Jesus é apresentada em MATEUS 27:56 como mãe de Tiago e José, por sua vez, apresentados como irmãos de Jesus em MATEUS 13:55. Logo, Tiago, o irmão do Senhor, é primo de Jesus.
Uma passagem reforça a unigenitura de Jesus: a entrega de Maria aos cuidados de João, o apóstolo, pelo próprio Jesus, no Calvário. Por que Ele a deixou sob a proteção do apóstolo, se ela possuía outros filhos?
Humberto de Campos, comentando os caminhos de Maria depois da crucificação, esclareceu que, dispersados os discípulos, para a causa da divulgação da Boa-Nova, a mãe de Jesus se retirou “para a Bataneia, onde alguns parentes mais próximos a esperavam”. Anos transcorreram até que João pudesse cumprir a incumbência com a qual Jesus o distinguira. Ele foi procurá-la na Bataneia e ofereceu “o refúgio amoroso da sua proteção”, conduzindo-a para Éfeso. (XAVIER, 2013a, cap. 30, p.194-195.)
Provavelmente, como creem alguns estudiosos, a palavra inserida em MATEUS 12:48-13:55 foi ah — designativo de “parentesco mais ou menos próximo”, como irmãos, primos. O hebraico antigo é tido como língua pobre no que diz respeito à diversidade vocabular, compondo-se de termos com vários e amplos significados.
Amélia Rodrigues confirmou que os supostos irmãos de Jesus eram os filhos de Maria de Cléofas (FRANCO, 1991a, p. 29):
Tiago, o Moço, Judas Tadeu, seu irmão, e Mateus Levi, o ex- publicano, eram filhos de Alfeu e Maria de Cléofas, parenta de Maria, Sua mãe, nazarenos todos, eram primos afetuosos e passavam como seus irmãos.
É essa também a opinião de Humberto de Campos (XAVIER, 2013a, cap. 5, p. 35):
[...] Levi, Tadeu e Tiago, filhos de Alfeu e sua esposa Cleofas, parenta de Maria, eram nazarenos e amavam a Jesus desde a infância, sendo muitas vezes chamados “os irmãos do Senhor”, à vista de suas profundas afinidades afetivas. [...]
Da parte do Mestre de Nazaré, não restaram dúvidas:
— “Quem é minha mãe e meus irmãos?”
E, repassando com o olhar os que estavam sentados a seu redor, disse:
— “Eis a minha mãe e os meus irmãos. Quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe.” (MARCOS 3:33-34.)



Acima, está sendo listado apenas o item do capítulo 8.
Para visualizar o capítulo 8 completo, clique no botão abaixo:

Ver 8 Capítulo Completo
Este texto está incorreto?

Veja mais em...

Mateus 12:48

Porém ele, respondendo, disse ao que lhe falara: Quem é minha mãe? e quem são meus irmãos?

mt 12:48
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Marcos 3:33

E ele lhes respondeu, dizendo: Quem é minha mãe e meus irmãos?

mc 3:33
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Lucas 8:21

Mas, respondendo ele, disse-lhes: Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a executam.

lc 8:21
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

João 7:5

Porque nem mesmo seus irmãos criam nele.

jo 7:5
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Oséias 9:5

Que fareis vós no dia da solenidade, e no dia da festa do Senhor?

os 9:5
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Gálatas 1:19

E não vi a nenhum outro dos apóstolos, senão a Tiago, irmão do Senhor.

gl 1:19
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Lucas 2:6

E aconteceu que, estando eles ali, se cumpriram os dias em que ela havia de dar à luz.

lc 2:6
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Lucas 2:22

E, cumprindo-se os dias da purificação, segundo a lei de Moisés, o levaram a Jerusalém, para o apresentarem ao Senhor.

lc 2:22
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Lucas 2:7

E deu à luz a seu filho primogênito, e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem.

lc 2:7
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Mateus 1:24

E José, despertando do sonho, fez como o anjo do Senhor lhe ordenara, e recebeu a sua mulher;

mt 1:24
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Colossenses 4:10

Aristarco, que está preso comigo, vos saúda, e Marcos, o sobrinho de Barnabé, acerca do qual já recebestes mandamentos; se ele for ter convosco, recebei-o;

cl 4:10
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Mateus 27:56

Entre as quais estavam Maria Madalena, e Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu.

mt 27:56
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Marcos 15:40

E também ali estavam algumas mulheres, olhando de longe, entre as quais também Maria Madalena, e Maria, mãe de Tiago, o menor, e de José, e Salomé;

mc 15:40
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

João 19:25

E junto à cruz de Jesus estava sua mãe, e a irmã de sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena.

jo 19:25
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Mateus 10:3

Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Lebeu, apelidado Tadeu;

mt 10:3
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa

Mateus 13:55

Não é este o filho do carpinteiro? e não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas?

mt 13:55
Detalhes Capítulo Completo Perícope Completa