A Vida Conta

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Capítulo XXVIII

Cercas


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Em tuas horas lentas

De inquietação, insegurança e luta,

Amargura e cansaço,

Ouvimos nós, noutros campos do Espaço,

As falas mudas que nos apresentas.


Muitas vezes, interrogas na oração

De espírito espantado e sofredor:

— “Se tudo o que esperei foi sonho vão,

Por que amarei assim, sem ter amor?

Por que me consagrar a filhos que amo tanto,

Se me ofertam por triste recompensa

A incompreensão imensa

Que me encharca de pranto?

Por que me dedicar com tanto empenho

Ao lar que me magoa

No qual ninguém anota as lágrimas que eu tenho

Nem considera a cruz que me agrilhoa?

Que motivo me leva a entregar-me de todo

A certo coração que me espezinha

Que me cobre de lodo


“Depois de ironizar a esperança que eu tinha?

Que razão me conserva a consciência

Presa a determinado compromisso,

Se aqueles que mais amo na existência

Não querem saber disso?”


Dói-nos ouvir, no Além, a angústia com que indagas,

Mostrando o coração aberto em chagas…


É um esposo distante, é uma esposa esquecida

Do trabalho de paz que abraçou para a vida,

É um filhinho doente,

Gradeado num leito merencório,

É um parente infeliz em sanatório,

É uma pessoa amiga a gritar-nos em rosto

Acusações sem base em vinagre e censura,

A fazer-nos enfermos de desgosto

Ou cansados de dor, às portas da loucura…


Inda que tudo isso te aconteça,

Não fujas, alma boa,

Tolera a quem te fira, ama, perdoa,

Sem que a força do amor se te arrefeça.


Não fossem as prisões que nos guardam no mundo,

Duros grilhões, sem formas definidas,

Voltaríamos nós aos erros de outras vidas

Em delírio profundo…


A prova que te oprime em ásperas refregas,

O peso enorme dos tormentos teus,

E a dor da obrigação nas cruzes que carregas

São as cercas de Deus.




Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier

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