A Vida Conta
Versão para cópiaRecado de amor
Chama-se Aurora a nobre companheira, Uma das que encontrei na hora derradeira Do corpo cujo laço me prendia; Mensageira da paz e da alegria, É um misto de menina, flor e estrela… Depois de longa convivência, Em meu novo processo de existência, Pude efetivamente conhecê-la. Para logo notei que Aurora onde estivesse, Ante os amigos de qualquer idade, Lembrava um coração que, de todo, se desse A tecer fios de felicidade Para quem lhe escutasse as palavras de luz; No entanto, aos poucos, vi que ela trazia Extenso traço de melancolia, Obscuro pesar, escondido e profundo. Sem que eu nada indagasse, certa feita, Ela me disse: — “Irmã Dolores, Devo tornar ao mundo Numa jornada estreita. Irmã, onde estiveres, onde fores, Roga ao Céu abençoe a luta que me leva A socorrer um ente amado, Para mim, tal qual filho desgarrado, Nas veredas da treva…” “Mas não podes, irmã, — perguntei, com cuidado, Ampará-lo daqui, sem renascer na Terra?” — “Não, não posso, — ela disse, é na volta que insisto, Já que em cinco existências, lado a lado, Esse filho que eu amo é um homem transtornado Que fugiu por orgulho à presença do Cristo.” Depois de semelhante entendimento, Acompanhei-a, certa vez, A fim de conhecer-lhe o ente amado A quem se afeiçoara noutras eras… Nele encontrei um cidadão prendado, Esbanjando poder, nome e talento. Conquanto homem de bem, de maneiras sinceras, Casado, pai de um filho Que ainda não chegara a contar quatro anos, Professor e eminente cientista, Emitia conceitos desumanos, Se alguém falava em fé, expondo-se-lhe à vista. Logo após, muitas vezes, Ateu maior, entre os grandes ateus, Dele escutei opiniões como estas: — “Santos e religiões nessa história de Deus São lendas de pessoas desonestas, O espírito é ilusão da mente alucinada, Quando a morte aparece, a vida é cinza e nada.” Mas Aurora voltou — afeição renascida —, Tomando dele próprio a sua nova vida. A mãezinha querida, excelente senhora, Por sugestão do Plano Superior, Deu-lhe o nome de Aurora… Tenra criança ainda, ela exprimia amor, Impressionando ao pai com o luminoso olhar… No regaço materno, era uma flor no lar. Crescendo um tanto mais, era-lhe a companhia, O pai achara nela a fonte da alegria… Cinco anos apenas e a criança Endereçava a ele assuntos tais, Que o genitor se via em profunda mudança, Nos seus próprios anelos paternais. Assim que os dois se punham mais sozinhos, Fosse em casa, nas praias, nos caminhos, A pequena fazia indagações: — “Papai, quem fez o mar assim tão grande? Quem cultiva estas plantas que nós vemos? Quem criou nossos pés para que a gente ande? Quem segura no chão a casa em que vivemos? Papai, quem dá comida aos pássaros na serra? Quem fez o sol? será que o sol assim, tão brilhante e tão quente, É uma vela de Deus, iluminando a Terra?” O pai ouvia a filha, enternecidamente, E respondia, admirado: — “Filhinha, vais crescer ao nosso lado Tudo compreenderás no momento preciso…” E parava a pensar, sob longo sorriso. Após algum silêncio, a expressar alegria, Vendo as aves saltando, ramo em ramo, Sempre agarrada ao pai, a pequena dizia: — “Papai, de tudo o que já sei Sabe o que já falei? Já falei à mãezinha que eu te amo…” Mas, um dia surgiu… Há sempre um “mas” Quando a vida feliz perde o gosto da paz. A menina adoeceu, inesperadamente E, após longa pesquisa, o médico anuncia A presença de estranha leucemia… Os pais lutaram quais leões, à frente De um perigo mortal, no entanto, hora por hora, Notam a pequenina e tema Aurora A definhar e a definhar… Até que, em certa noite, unidos a chorar Sem qualquer esperança que os conforte, Viram-na repousar no silêncio da morte. Lembrando um anjo lindo estruturado em cera, A filhinha querida adormecera. Dois meses sobre os traços da ocorrência A pedido de Aurora, Fui visitar-lhe a residência. Não mais achei ali a beleza de outrora… Tentei buscar-lhe o pai que soube ausente E encontrei-o num quadro comovente; Estava triste e só num campo santo, Tateando na lousa o nome da filhinha E, demonstrando a mágoa que o retinha, Falava em alta voz, encharcada de pranto: — “Filha do coração, embora eu viva triste, A verdade me diz que a morte não existe. Anjo de paz e amor, é impossível morrer, Vives hoje no Além, tanto quanto em meu ser… Perder-te a companhia é toda a minha dor, Não olvides teu pai, cansado e sofredor!… Nunca te esquecerei, filha dos sonhos meus, A saudade de ti trouxe-me a luz de Deus…” Então, pude anotar Naquela inteligência em supremo pesar, Mostrando o coração sem disfarce e sem véus, Que toda vida curta, ao brilhar e morrer, Para quem ama e fica, ante o mundo a sofrer, É um recado de amor no correio dos Céus!… |
Este texto está incorreto?