A Vida Conta
Versão para cópiaO irmão do caminho
Simeão era muito moço ainda Quando escutou a história de Jesus E, acendendo esperanças na alma linda, Inflamou-se de fé, amor e luz… Morando numa choça da montanha Junto de antiga estrada, sem vizinho, Era a bondade numa vida estranha, O amigo dedicado aos irmãos do caminho. Lia os ensinamentos do Senhor, Mas afirmava precisar De ação que lhe exprimisse o grande amor Na fé que decidira praticar. Na pequena morada, pobre e agreste, Cavou no solo um poço… Água de mina, Que ele, olhos em luz e sorriso na face Oferecia a quem passasse Por lembrança de paz da Bondade Divina… Viajores a pé, na vereda escarpada, Se chegavam ali, no entardecer, Podiam descansar das fadigas da estrada, Ouvindo Simeão que os fazia viver Casos da natureza simples e selvagem… Era a história das aves de viagem Que paravam por lá, na primavera, A descrição dos melros e dos ninhos Que defendiam valorosamente Os frágeis filhotinhos!… A saga do pardal inteligente Que lhe comia as uvas do quintal… Em seguida, falava aos interlocutores, Das lições de Jesus, da beleza das flores, Do sol no amanhecer e das flautas do vento… E se alguém lhe indagava de onde vinha Para a estreita choupana que o detinha, Explicava, de jeito improvisado, Que ele fora, ao nascer, um pequeno enjeitado Às portas de um convento. Crescera trabalhando em lavação de prato, Mas amava a Jesus, de tal maneira, Que, homem feito, o mosteiro lhe doara O recanto de mato, Na montanha empedrada E os restos da tapera abandonada Onde ele cultivava uma antiga parreira… Quando a noite avançava, O irmão do caminho Colocando em trabalho a candeia de azeite, Dava a cada viajante A tigela de leite Que provinha das cabras que criava… Mas, não ficava nisso… Fizera Simeão um compromisso: Recordando Jesus, Ante os primeiros doze seguidores, Lavava os pés de todos os viajores; Logo após, era, enfim, uma prece ligeira Antes que cada um tomasse a própria esteira. Simeão alcançara os oitenta janeiros, Trabalhando e servindo, dia a dia, Sem quaisquer outros companheiros Que não fossem viajantes A pedirem pousada, companhia, Uma noite de paz ou um copo de água fria. Certa noite chuvosa, escorado a um bordão De corpo recurvado para o chão, O estimado velhinho Sentia-se sozinho… De quando em quando, abria a porta, Podia haver alguém varando a noite fria e morta, Mas não vinha ninguém… Era Natal… Quase ninguém saía Dos recessos do lar A fim de relembrar A noite que trouxera o Grande Dia. Antes de recolher-se, Simeão Meditando em Jesus colocou sobre a mesa Uma flor lirial da natureza E depôs sobre ela, Qual medalha singela, Uma efígie miúda de criança Com Jesus pequenino na lembrança… Em seguida, deitou-se fatigado, Deixando, a muito custo, o apoio do cajado… O velhinho velava, ouvindo a voz do vento… Lá fora, o temporal fizera-se violento. Alta noite, uma voz chamou, baixinho: — “Simeão, Simeão!… Meu irmão do caminho!…” — “Quem sois vós?”— respondeu o interpelado. — “Um peregrino desacompanhado… Rogo pousada, irmão!” — clamou o forasteiro. Ergueu-se devagar o cansado hospedeiro. Fez luz, abriu a porta. Mas o vento apagou a chama semi-morta. — “Entrai !…” — disse o velhinho —, — “Agora sei que não estou sozinho.” Acendendo, de novo, a mecha da candeia, Ante o brando clarão que renasce e se alteia, Vê o recém-chegado a se acolher num canto… Era um homem de rosto triste e doce, Calado qual se fosse Alguém a ouvir os próprios pensamentos… Simeão enxergou-lhe os pés sangrentos, Os cabelos molhados, a tristeza… Fez fogo para dar-lhe o leite quente E, ao estender-lhe a humílima tigela Indagou-lhe o viajor Por que a flor singela Que ele notava sobre a mesa em frente… Simeão respondeu ao peregrino: — “Estamos no Natal e muitas vezes penso Que Nossa Mãe do Céu, em seu amor imenso Era uma flor de Deus, dando à luz um menino…” O homem sorriu sem nada comentar… O velhinho, entre passos mal firmados, Sempre movimentando a luz acesa, Trouxe a bacia de água morna e leve Mergulhando-lhe os pés ensanguentados… Ao ver-lhe os dedos maltratados, Disse ao viajor, tomado de surpresa: — “Quanto sangue verteis!… Como tendes andado!…” Deu-lhe o estranho viajante esta resposta leve: — “Deus te abençoe, amigo, a assistência bem-vinda!… Creio que devo andar por muito tempo ainda!…” De joelhos, Simeão, Em lhe lavando os pés com infinito carinho, A refletir nas pedras do caminho, Ao lhe tocar nas crostas das feridas A fim de removê-las, Viu que as chagas abertas Eram duas estrelas… O velhinho assombrado Buscou fitar-lhe as mãos com ternura e respeito E viu que estavam nelas Grandes marcas da cruz, luminosas e belas, Ampliando o fulgor que lhe envolvia o peito… Ele grita, chorando de alegria: — “Jesus!… Sois vós Jesus?!…” E o Senhor, levantando as mãos em luz, Disse, abraçando o ancião: — “Vem a mim, Simeão, É chegado o teu dia De repouso e de luz no Mais Além…” Simeão esqueceu a velhice e o cansaço E pousou a cabeça em seu regaço… Depois do amanhecer, outros viajantes Chegaram como dantes, Pedindo água, descanso, reconforto, Mas viram que Simeão o irmão do caminho De joelhos, parado, ali sozinho, Muito embora sorrisse, estava morto… |
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