Capítulo VII

Pedro Ernesto

Timponi, meu caro, estamos ainda juntos. A morte não conseguiria desfazer laços tão vigorosos.

A sepultura é apenas regresso à vida maior, onde o coração prossegue, pulsando no mesmo ritmo de ideal.

Meu amigo, meu bom amigo, e a existência passou sem a realização que sonháramos. Todo aquele acervo de esperanças, aquele mundo de projetos sem fim, foram adiados, adiados pelas circunstâncias adversas que, em nos tolhendo o trabalho, sob o guante de ferro, reduziu-nos o esforço, impondo-nos inesperadas limitações. Não tenho, contudo, razões de queixa. A oportunidade foi pródiga de bênçãos e a romagem terrestre fecunda de oportunidades edificantes.

Meu erro foi apenas de visão. Entreguei-me demasiadamente ao setor de realizações transitórias convicto de que a luz viria do exterior para o interior, distraído das necessidades de renovação essencial.

Minhas preocupações políticas iam excessivamente longe. Idealizava o serviço da transformação geral por determinações de lei. Acreditava que a posse da autoridade nos poderia conferir recursos amplos para a restauração da vida coletiva. O pauperismo impressionava-me. A ignorância era objeto de minha constante preocupação. Instalar uma consciência nova no Brasil, em matéria de política administrativa, constituiu velha obsessão a reduzir-me toda a capacidade de resistência.

E supus que pudéssemos alçara bandeira renovadora tão somente alcançando a simpatia pública para concatenar, de futuro, as determinações do poder.

Não me assaltava o propósito de domínio, nem me seduziam quaisquer perspectivas de conquistas ditatoriais. Era a esperança de higienizar o ambiente para a melhoria do homem, era o anseio de estruturara ossatura das classes no gigante ciclópico do Brasil grande e feliz.

Entretanto, T., somente aqui se fez bastante luz em meu Espírito. Fascinado pelo materialismo clássico, não conseguia ultrapassar a noção de humanidade. Deixava-me arrastar dentro dos princípios, como viajante que apenas soubesse caminhar sob o manto da noite. Meu coração dormia ante a claridade para agir intensamente nos círculos de sombra. Daí, meu caro, a tardia impressão da realidade. A minha, a nossa política, deveria pairar muito mais alto. Sentíamos o chefe, sem encontrá-lo. Percebíamos a existência do mecanismo de solução justa ao problema, sem identificá-lo.

Meu estimado e inesquecível amigo, esse orientador supremo que palpitava, invisível, em nosso entendimento, era bem o Cristo de Deus, e esse mecanismo em que se deveria processar nossa tarefa é a sua Doutrina, não apenas criada e examinada com o raciocínio, mas sobretudo, sentida e vivida com o coração.

Essa, T., a descoberta maravilhosa, a que a morte me conduziu. Compreendo a dedicação com que devemos consagrar à causa pública, entendo, como indispensável o processo normal da cooperação legítima entre nós outros e os que necessitam de nos, todavia, as paixões partidárias perderam para mim aquele fogo sagrado com que as mantinha acesas, dentro dalma inquieta.

A libertação alijou-me cargas mentais muito pesadas e atingi o porto da compreensão evangélica que me faz presentemente tão calmo e feliz. Graças à Providência a sinceridade salvou-me.

Viajor de navio pesado em águas revoltas, a lealdade constituiu-me valor precioso, impedindo-me o mergulho fatal. E aqui me encontro, em sua companhia para dizer-lhe que vale a pena sofrer pelas causas nobres, que toda a glória se renova ao trabalhador infatigável do bem e que você deve aproveitar o bendito ensejo de permanência na Terra, na continuidade do belo serviço a que foi conduzido pelas Forças Superiores que lhe presidem os destinos.

Você, meu amigo, é senhor de oportunidades extensas, de dádivas desconhecidas, de tesouros ocultos. Não perca o velho contato com as linhas humildes do sofrimento, mobilize as suas energias na laboriosa atividade de socialização; entretanto, a política do Evangelho de Cristo espera-o em região de paz duradoura e luz santificante.

Infelizmente a paisagem do Brasil social e político é ainda obscura, desconcertante. Angustiosas surpresas podem surgir, de improviso, aos idealistas militantes. Que outros se atirem às águas turvas é compreensível e natural. Você, porém, meu amigo, recebeu títulos espirituais para serviço muito mais eficiente às coletividades de nossa pátria.

A administração pública, a condução dos movimentos educativos no plano social representam tarefas muito respeitáveis, mas o trabalho d’Aquele que é a Luz do Mundo, desde o princípio, constitui divina realização, repleta de glórias absolutas. Creia que para aprender semelhante lição tenho sofrido muito. Não a assimilei sem renunciação e dor. E em transmitindo-a quero apenas significar-lhe o meu carinho de amigo, o meu apreço de companheiro, a minha admiração de irmão de luta, cujo devotamento a você, nem mesmo a morte conseguiu destruir.

Guarde, pois, o coração reconhecido do seu de sempre,



(Mensagem recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier, em Pedro Leopoldo, MG, a 16 de dezembro de 1945, endereçada a Miguel Timponi, seu amigo e advogado)


ESCLARECIMENTOS

Dr. Pedro Ernesto do Rego Batista

Nascimento: 25/9/1886, Recife (PE)

Desencarnação: 10/8/1942, Rio de Janeiro (RJ)

Formado pela Faculdade de Medicinado Rio de Janeiro, destacou-se como político. Participou dos movimentos revolucionários de 1922, 1924 e 1930. Governou a cidade do Rio de Jane iro de 1931 a 1934, período de sua nomeação, pelo Presidente Vargas, como interventor do antigo Distrito Federal; e durante um ano (1935/1
936) quando foi eleito prefeito na Câmara Municipal. Quando interventor, “organizou e chefiou o Partido Autonomista. Essa agremiação política, que defendia a autonomia do Distrito Federal e a eleição do prefeito pelo povo, conseguiu vitória fácil nas eleições de 1934. Suspeito de ligações com o movimento de esquerda, Pedro Ernesto foi preso em 1935. Absolvido, ingressou em 1937 na União Democrática Brasileira, mas a partir da decretação do Estado Novo, nesse mesmo ano, passou a dedicar-se exclusivamente a atividades privadas.” (Dados colhidos na Enciclopédia Mirador) (Nota da Editora)


Miguel Timponi foi Secretário do Interior e Segurança (Justiça), no antigo Distrito Federal, em 1935, quando Pedro Ernesto era o Prefeito.

Dr. Miguel Timponi (Juiz de Fora, MG, 27/9/1893 — Belo Horizonte, MG, 13/2/1964), foi o advogado da Federação Espírita Brasileira e do médium Francisco Cândido Xavier, na década de 40, no rumoroso “caso Humberto de Campos”. E o autor dos livros A Psicografia Ante os Tribunais (O Caso Humberto de Campos) e Magnetismo Espiritual (com o pseudônimo Michaelus), ambos da FEB. (Nota da Editora)



Pedro Ernesto
Francisco Cândido Xavier

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