A volta
Versão para cópiaRomeu Azevedo de Menezes
ESCLARECIMENTOS 1NICIAIS
(Nota do Jornal Tribuna Espírita, João Pessoa, Paraíba, novembro/dezembro de 1992.)
Relato do advogado Coriolano Dias, genro do Espírito comunicante, ao confrade desembargador Orlando Jansen.
“Foi com indizível tristeza, que atingiu às raias do desespero, que a nossa família recebeu naquela trágica manhã de 28 de setembro de 1985, a notícia do acidente fatal envolvendo o chefe do clã, médico Romeu Azevedo de Menezes.
“O pranto dos entes queridos, entrecortado por crises nervosas e tocantes lamentações, emoldurava o quadro da tragédia que a todos envolvera. A inconsolável esposa Rosalina, tolhida pela dor, como que também morreu para o mundo.
“Foi aí que os familiares e amigos residentes em Brasília aconselharam uma visita ao médium Francisco Cândido Xavier, acenando com a possibilidade de receberem uma mensagem do querido morto, comprovando, assim, que a vida não termina no túmulo.
“A 16 de maio do corrente ano, encontrava-se a saudosa Rosalina, em companhia da filha e minha esposa Rosaly, no meio de uma multidão compacta que se aglomerava em torno do Chico. Era gente vinda de todo o Brasil, que nunca houvera se encontrado antes. Entretanto, um só sentimento os unia: a esperança.
“Após uma espera que se prolongou até três horas da manhã, seu nome Rosalina foi pronunciado por alguém, solicitando sua presença junto ao mediador.
“Surpresa, viu que outra pessoa já se acercava de Chico, dizendo chamar-se Rosalina. Então a mesma voz pronunciou o seu sobrenome, Rosalina Menezes.
“Tomada de emoção, comprimiu-se entre a multidão, chegando a muito custo até à presença do médium. Fitando-o de perto, notou que uma substância esbranquiçada e pastosa saía de sua boca e nariz, que alguém esclareceu ser ectoplasma.
“Concluindo a psicografia, Chico pediu, gentilmente, permissão para ler uma mensagem do seu esposo. Ela, aproveitando o evento, perguntou se ele estava bem, recebendo resposta afirmativa, pois se encontravam ao seu lado dois Espíritos muito queridos, a vovó Maroca e o Dr. Flávio Ribeiro Coutinho.”
Foi aí que, dos próprios lábios de Chico, ouviu a mensagem que transcrevemos a seguir.
(Transcrito do Jornal “A Caminho da Luz”, Volta Redonda, RJ, junho e julho de 1986).
MENSAGEM DE ROMEU AZEVEDO DE MENEZES
Querida Rosaly, minha querida Rosalina. Vocês realizaram uma façanha que não imaginava possível. Saírem de João Pessoa e varar caminhos e mais caminhos para saber minhas pobres notícias. Apesar de meu zelo de esposo e pai, agradeço-lhes o carinho e a generosidade.
Vejo você com a nossa Rosaly e com os nossos amigos Dr. João Almeida e nossa irmã Eurídice e isso me comove profundamente. Fora melhor se possível virem todos, para que eu fitasse a querida família que o enternecimento merece. Reunir o nosso Coriolano, as queridas filhas Rachel, Roseana, Rejane, Rilma e Rita de Cássia e abraçar os nossos filhos Romeu, Rodrigo, José e Carlos.
Sei, porém, que isso não seria possível, porque a Paraíba está muito longe de nós e não conseguiríamos uma frota de aviões para reunir todos os meus, para que pudesse suavizar o tamanho de minhas saudades. Esqueçamos o sonho.
Querida Rosalina, você não consegue calcular os apuros de um homem colhido de imprevisto num acidente de trágicas proporções. Eu fazia tudo para que o carro tomasse a rota habitual de Santa Rita para a Capital, quando, sem que eu possa explicar a origem daquela estranha mudança, o veículo tomou-me o governo do volante e se precipitou sobre o que me pareceu um poste monumentalizado e sofri, para logo, a carga emocional do impacto que, sem dúvida, dava para matar qualquer um. Ainda consegui alguns momentos ligeiros para refletir na problemática do homem que precisava desdobrar-se para atender às múltiplas obrigações que lhe marcam a existência, reconhecendo, porém, que a minha hora de enfrentar o desconhecido me chegara sem aviso, compelindo-me a condensar ideias que não seriam minhas razões de ser.
Confesso a você e à nossa Rosaly que chorei, naquela difícil limitação, e comecei a pedir ao Deus de Misericórdia que me amparasse. Em torno apinhava-se a pequena assembleia de curiosos, cujas perguntas não me interessavam.
Foi nesse clima de insegurança e sofrimento que me reconheci sob o pulso da morte, embora continuasse com vida.
A dor que me absorveu foi algo de indescritível. Afinal, tínhamos nós muitas aspirações a realizar. E embora confiando em sua resistência e tirocínio, considerava que sem a minha presença você era apenas a metade de energia de que tínhamos necessidade para continuar sonhando com um futuro melhor para nossos filhos.
Dentre todos o Romeu me preocupava e refletia nele quando duas pessoas se abeiraram de mim. Num relance de olhos, consegui identificá-las. Eram a vovó Maroca e o Dr. Flávio Ribeiro que me comunicavam a mudança de situação. Ouvi os dois semi-aterrado.
Eu não pensava na morte, nem a desejava. E aquelas duas entidades de nossa veneração vinham ao meu encontro para comunicar-me que o meu tempo alcançava o marco limite, além do qual não seria possível permanecer.
Chorando, sem refletir no ridículo das minhas lágrimas, vi se abeirarem de mim, antigos clientes das cidades de Araruna, de Pombal, de Catolé do Rocha, que eu considerava pobres e que me vinham estender as mãos ricas de solidariedade e de amor.
Comovi-me intensamente. Eram velhinhos remoçados que me sorriam, senhoras que me fitavam com respeitosa atenção, como se eu dispusesse de valia suficiente para ombrear com eles. Compreendi, de imediato, que eles se haviam enriquecido pela graça de Deus, pela paciência e pelo carinho com que sabiam suportar as dificuldades do nosso pedaço de chão.
Todos me desejavam boas vindas e eu, não sabia para onde me competia voltar.
Não sei, Rosalina, mas na condição de médico que eu havia sido, me senti tão pobre diante daqueles que me pareciam, em outros tempos, dignos de lástima, que minhas lágrimas aumentaram. Aquelas criaturas haviam comprado com a fé em Deus e com o espírito de aceitação no qual tinham vivido, a auréola de luz que lhes cobria as cabeças e envergonhei-me.
Havia chegado o momento de agradecer, porque a visita inesperada dos meus amigos humildes me fazia esquecer o sofrimento a que me vi atrelado entre o Espírito liberto que eu passava a ser e o corpo estragado que jazia inerte.
O pessoal do socorro se avolumava, quando o Dr. Flávio Ribeiro, patrono do nosso hospital em Santa Rita, recomendou à vovó me escorasse para a nossa volta à instituição de que eu fora um pequeno servidor. Mas a vovó Maroca não somente me escorou. Tomou-me nos braços e notei que meu corpo novo se fazia leve e de fácil remoção. O amigo Dr. Flávio me recomendava coragem e por fim aconselhou-me adormecer. Bastou o convite que, mais tarde, entendi fora uma compulsão e entrei num torpor cuja intensidade e profundeza não consigo imaginar.
Nada vi dos rumores que me disseram haver marcado aqueles sítios, porque a Bondade Infinita de Deus parece reservar um descanso estranho e obrigatório para aqueles que são defrontados pela morte. É verdade que eu achava o fim de meu veículo físico em serviço do hospital, mas isso, a meu ver, não me conferia qualquer privilégio, mas o Dr. Flávio, exercendo sobre mim uma hipnose salutar, me exortava a aceitar aquela bênção de repouso que considerava providencial.
Acordei em outro local, com a enfermagem da vovó Maroca que se fazia acompanhar por seu querido pai, o nosso papai Melchíades, e num aposento amplo e arejado em correntes de ar puro, pude estabelecer os primeiros contatos com a vida nova em que me encontro.
Não posso dizer que eu era um acidentado igual a qualquer outro, mas o nosso amigo Dr. Flávio Ribeiro incumbia das instruções de que eu necessitava para se atingir a normalidade. Ainda enfraquecido, pude voltar à nossa casa e observar as dificuldades que a minha ausência havia suscitado. Graças a Deus, encontramos em nosso amigo e genro, o Dr. Coriolano, solicitando-lhes calma e confiança no Poder de Deus.
Desde então, muito pouco a pouco, retomei a tranquilidade precisa para cogitar de minha nova situação e tenho procurado auxiliá-la na solução dos problemas que enxameiam em toda família numerosa.
Desculpem-me vocês, este longo relatório afetivo, mas para desinibir-me precisava do desafogo a que me entrego. Aconselhe as nossas filhas queridas e aos queridos filhos muita união e tolerância recíproca, a fim de vencermos neste processo de separação temporária que ainda reconheço em andamento. Agradeço as suas preces de companheira em meu benefício, o seu auxílio religioso em meu benefício e suas flores, doações de amor da esposa que não esqueci.
Perdoe-me o tempo se o tempo era estreito para doar-lhe carinho e maior atenção. O médico que jura fidelidade à sua profissão, muito dificilmente dispõe de tempo para a família e eu reconheço que lhe deixava sempre o cuidado sobre os nossos filhos, sem meditar nos sacrifícios de sua abnegação. Perdoe-me. O Senhor da vida lhe concederá os louros que eu não soube lhe doar e, com o amparo d’Ele mesmo, nosso Pai de Infinita Bondade, saberei protegê-la e abençoara nossa família para que a paz reine com todos os nossos.
Agradeço à Rosaly, ao Dr. João e à irmã Eurídice pela disposição com que ficaram em sua companhia, alentando-me o coração ralado de saudades. A vovó Maroca tem sido aqui para mim a benfeitora incansável e peço a você continuar sendo para os nossos filhos o refúgio e o exemplo, o equilíbrio e a esperança.
Querida esposa, aqui termino. A emoção me obstrui o próprio pensamento e aqui deponho o sinal do ponto, que sendo chamado de ponto final, é apenas uma promessa de continuidade em nosso intercâmbio espiritual.
Com lembranças envolvendo a todos os nossos filhos e a todos os nossos amigos, coloco em seu coração de esposa e mãe todo o meu coração reconhecido.
(Mensagem recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier, em reunião publica do Grupo Espírita da Prece, em 16 de Maio de 1986, em Uberaba, MG.)
médico, usineiro e ex-governador da Paraíba.
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