Antologia dos Imortais

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Capítulo XXII

Bulhão Pato


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Abisma-se minha alma aos impulsos da prece,

Fitando a dor além que a muitos entristece…


Pelos campos da morte onde o mal prepondera,

O ente humano enfermiço agita-se qual fera.


A voragem hiante eletriza e arrebata

O espírito rendido à revolta insensata.


Na grande inquietação do ser que a tudo anela

E que descobre, alfim, que a carne se esfacela,


A alma forte que ria, hoje chora a sofrer

Na vastidão do umbral que transfigura o ser.


Cavernas e pauis, precipícios e furnas…

Mausoléus de quem vive em névoas taciturnas…


Neblina e fetidez… O tempo, em caos, dormita…

Horrendos animais em urros, choro e grita…


Cada vulto é um dragão que indignado ulula

Preso à inveja, à vingança, à dissensão, à gula…


E arrasta-se a sentir remorsos de culpado

Em frio enregelante e em calor abafado.


A populaça brame… E avança o turbilhão

No gargalhar febril de caminho malsão!


Os farrapos da vida, errantes pelo espaço,

Pervagam sem parar, gemendo a passo e passo…


Mas todos saldarão os seus mais torvos crimes,

Sob a luz do porvir, em vitórias sublimes,


Quando renascerão na carne redentora

Guardados pela dor, nossa mestra e tutora!


E o visitante, em meio aos seres padecentes,

Rega a senda que pisa em lágrimas pungentes.


Alguém pode esquecer, no imo de si mesmo,

Tantas almas na dor a chorarem a esmo?…


Reflete, amigo, assim, que aí em teu remanso

O pranto irado e hostil profana o luar manso…


Quando em fúria te açoite a borrasca do inverno,

Aceita a provação que é luz do Sol Eterno!


Há muito companheiro entregue ao sofrimento,

Sob materialismo ingrato e virulento.


O ateu, estátua viva a morrer enganado,

Acalenta consigo estranho e horrível fado…


O crime que passou, no qual ninguém mais pensa,

Resta ecoando na alma, igual rude sentença…


Oferece a quem chora o afago da ternura;

Aos frêmitos de dor, a bênção doce e pura.


O serviço do amor, sem láurea ou recompensa,

Ser-te-á nova luz na luz divina e imensa.


Não olvides jamais o conceito imortal:

Há alegria no bem e há tristeza no mal!…


Raimundo Antônio de BULHÃO PATO — Poeta, prosador e tradutor português, Bulhão Pato pertenceu à Academia das Ciências de Lisboa, tendo ido para Portugal com apenas 9 anos de idade. Afirma João Gaspar Simões que o poeta, amigo dileto de Alexandre Herculano, frequentou a roda dos maiores escritores da época. Poeta harmonioso, espontâneo e apaixonado, foi, segundo Mendes dos Remédios (, pág. 582), “o último representante da escola típica do Romantismo, cujos fundadores conheceu e tratou”. (Bilbau, Espanha, 3 de Março de 1829 — Torre da Caparica, Portugal, 24 de Agosto de 1912.)

BIBLIOGRAFIA: ; ; ; etc.


: A fim de que possamos observar o gosto do poeta para os alexandrinos dispostos em parelhas, vamos transcrever-lhe apenas pequeno trecho de “O Pinheiro Bravo” (apud Cláudio Brandão, Antol. Contemp., págs. 423-424):

“………

Da cruel granizada, em tempos de invernia,

Muita vez me abrigou a tua ramaria!


O furacão austral não te insultava a fronte —

Em-pé; robusto e só, no píncaro do monte!”



Refere-se o poeta às regiões purgatoriais da Espiritualidade.

O Espírito, no Umbral, perde a noção do tempo-hora.

O poeta faz alusão aos casos de zoantropia. Em grande parte, formas licantrópicas.

Ler com hiato: no/ i/mo e a/ es/mo.

Belíssima imagem: “o ateu, estátua viva a morrer…”

Epímone: “nova luz na luz divina”. — .

Dupla antítese.


(Psicografia de Waldo Vieira)



Francisco Cândido Xavier


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