Augusto Vive
Versão para cópiaOitenta janeiros
Prezado irmão, permita-me transcrever aqui o início de sua carta: “Augusto amigo, a sua palavra de esperança no caminho dos jovens e das mães não terá alguma fatia de reconforto em auxílio aos velhos? Tenho oitenta janeiros. A viagem tem sido longa. Efetivamente, não posso me queixar dos filhos e descendentes que me enriquecem os dias, no entanto, sinto agora em mim o chamado conflito das gerações. De que modo agir para não suscitar nos outros a ideia de caducidade a meu respeito, quando manifesto os meus pontos de vista, simplesmente no anseio de harmonizar pessoas e acontecimentos para o bem? Muitos amigos da minha faixa de tempo já foram exilados em nobres institutos de assistência para socorro geriátrico, indiretamente apartados da família que adoram. De minha parte, não desejo isso e intimida-me a ideia de me afastar dos entes que mais amo…”
Sim, caro amigo, compreendo tudo aquilo que a sua mensagem me transmite. Todos nós esbarramos em ocorrências que nos induzem à renovação. O senhor me fala das suas dificuldades, no entardecer das forças físicas e, por minha vez, recordo os meus obstáculos de servidor, compelido a deixar a enxada do trabalho antes do meio-dia.
Caso me houvessem perguntado se era meu desejo separar-me dos familiares queridos, minha negativa seria imediata. Entretanto, diante de mim estava a lei da mudança e, por dentro de meu raciocínio, se me impunha a necessidade da aceitação.
Não voltei à Vida Espiritual mais cedo que .seria de desejar, por minha vontade, e o estimado companheiro está alcançando mais dilatado caminho na experiência física, por desígnios das leis que nos regem.
Se lhe posso pedir algo, pense em alegria e esperança. Deixe aos descendentes adultos a satisfação de escolherem as próprias vidas. Homens e mulheres no mundo, tão-logo passem a primeira juventude, querem tocar na face da realidade, ainda que, para isso, hajam de atravessar barreiras de fogo.
O senhor, porém, pode vê-los, com serenidade, das altas janelas de sua experiência. Pode anotar muito mais do que isso. Conseguirá fixar os cambiantes da luz em cada recanto do céu, admirar a beleza de uma flor ou registrar a presença dessa ou daquela andorinha retardatária no telhado próximo. E de cada vez que desça do seu elevado observatório, não se esqueça de que enorme assembleia de ouvintes está à sua espera, a assembleia das crianças.
Creia que nem todos os pequenos estão colados aos espelhos da televisão, recolhendo quadros de violência. Muitos aguardam alguém que lhes fale de Deus e da vida.
Para entretê-los e instruí-los, o senhor não precisará recorrer às histórias da carocha. Conte os seus problemas e recordações, mas lembrando sempre que está conversando com gente grande por dentro em tamanho mirim por fora.
O senhor notará com alegria como será querido e compreendido, porquanto os que caminharam longamente no dia da existência terrestre é que falam melhor aos que iniciam a jornada.
É por isso talvez que Deus criou com as mesmas tintas de palidez radiosa as luzes da tarde e as luzes do amanhecer.
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