Augusto Vive

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Capítulo XXIV

Filho adotivo


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Compreendo o que a senhora quer dizer. Manejando as melhores palavras, a sua sensibilidade feminina contorna o desgosto que lhe corrói os sentimentos. A senhora queria um filho adotivo e o seu marido, inesperadamente, foi constrangido por amigos a trazer-lhe um meninão crescido, em desacordo com o seu ideal. A senhora aceitou a decisão do esposo mas vem adiando a adoção definitiva. E, com isso, a prezada irmã, há dois anos, tem no lar um rapazinho difícil, complicado e rebelde.

Além da pedreira de inquietações que lhe impõe, parece um flagelo para os vizinhos. Aborrece crianças, espanca animais, destrói plantas e apedreja vidraças. Expressa-se em palavrões que lhe estragam as horas e tem horror ao banho, persistindo em manter a cabeleira em labirinto. O esposo, dedicado ao escritório, não lhe acompanha os momentos difíceis e quando a senhora lhe expõe os seus cuidados, ei-lo a lhe pedir paciência e tolerância. Creio que por isso é que lhe recebo as perguntas confiantes e afetuosas: — “Que fazer, meu amigo? Estou farta… Só por não ter filhos propriamente meus, devo suportar este que é um retrato da indisciplina?”

Entendo os seus contratempos, no entanto, coloco-me no lugar desse menino infeliz, a fim de lhe rogar benevolência para ele. A estimada irmã, em sua carta, se declara profundamente cristã, sempre apoiada na confiança em Jesus. Por que não dialogarmos na base da fé? Pensando nisso, peço-lhe permissão para transmitir-lhe uma historinha das que coleciono na 5ida Espiritual.

Conta-se que certa dama, extremamente ligada ao Cristo, foi impelida a acolher na própria residência um rapazelho de maus costumes, que passou a arrasar-lhe a tranquilidade. O pequeno era um feixe de impulsos lamentáveis, ao mesmo tempo que assombrava pelo absoluto desrespeito à higiene. A senhora começou a orar, pedindo a Jesus que a livrasse dele de maneira que o remorso não lhe pesasse na consciência.

Foi assim que, em certa noite, sonhou que se achava num campo engrinaldado de relva, onde Jesus se achava com uma legião de garotos. Ela abeirou-se do Eterno Amigo e cientificou-se de que todos os adolescentes, ali, se lhe faziam tutelados. Sinceramente enternecida, dirigiu-se ao Divino Mestre e inquiriu: — Senhor, que posso fazer para lhe ser útil? Não poderei ser mãe espiritual ou tutora, pelo menos de um dos seus protegidos?

Jesus respondeu afirmativamente e complementou: — Tenho aqui um pequeno companheiro a quem muito amo e só o entregaria a quem de igual modo me quisesse… Poderia o seu coração de mulher recebê-lo por filho, qual se fosse a mim próprio? — Como não, Senhor? — respondeu a dama lisonjeada. Estou pronta.

O Divino Benfeitor solicitou a presença do garoto a que se referia e apresentou-o. A senhora espantada notou que aquele era o mesmo rapaz agressivo e menos simpático que o marido lhe trouxera para dentro de casa. Fitou-o de alto a baixo sem esconder o próprio desagrado e, observando que Jesus a contemplava significativamente, voltou a perguntar: — Senhor, por que devo ficar com este e não outro?

O Cristo sorriu e considerou, por fim: — Porque se a senhora que diz amar-me não puder aceitar a ele, a quem tanto amo, já sei que ninguém mais o aceitará.

Nesse justo instante, a dama despertou em sua própria casa, guardando o ensinamento e, desde aquele dia, acolheu o jovem com carinho e tolerância, reconhecendo que a renovação dele, em bases de amor, era o serviço que Jesus lhe reservava.

Ai está o que lhe posso dizer com referência à sua carta sobre a adoção de um garoto desventurado e difícil. O resto, creio eu que a senhora interpretará.




Augusto Cezar
Francisco Cândido Xavier


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