Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho

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Capítulo II

A Pátria do Evangelho


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D. Henrique de Sagres abandonou as suas atividades na Terra em 1460.

Estava realizado, em linhas gerais, o seu grande destino. Da sua casa modesta da Vila-Nova do Infante, onde se encontra ainda hoje uma placa comemorativa, como perene homenagem ao grande navegador, desenvolvera ele, no mundo inteiro, um sentimento novo de amor ao desconhecido. Desde a expedição de Ceuta, o Infante deixou transparecer, em vários documentos que se perderam nos arquivos da Casa de Avis, que tinha a certeza da existência das terras maravilhosas, cuja beleza haviam contemplado os seus olhos espirituais, no passado longínquo. Toda a sua existência de abnegação e ascetismo constituíra uma série de relâmpagos luminosos no mundo de suas recordações. A prova de que os seus estudos particulares falavam da terra desconhecida é que o mapa de André Bianco, datado de 1448, mencionava uma região fronteira à África. Para os navegadores portugueses, portanto, a existência da grande ilha austral já não era assunto ignorado.

Novamente no Além, o antigo mensageiro do Mestre não descansou, chamando a colaborar com ele numerosas falanges de trabalhadores devotados à causa do Evangelho do Senhor. Procura influenciar sobre o curto reinado de D. Duarte estendendo, com os seus cooperadores, essa mesma atuação ao tempo de D. Afonso V, sem lograr uma ação decisiva a favor das empresas esperadas. Aproveitando o sonho geral dos tesouros das Índias, a personalidade do Infante se desdobra, com o objetivo de descortinar o continente novo ao mundo político do Ocidente. Enquanto a sua atuação encontra fraco eco junto às administrações de sua terra, o povo de Castela começa a preocupar-se seriamente com as ideias novas, lançando-se à disputa das riquezas entrevistas. Eleva-se então ao poder D. João 2, cujo reinado se caracterizou pela previdência e pela energia realizadora. Junto do seu coração, o emissário invisível encontra grandes aspirações, irmãs das suas. O Príncipe Perfeito torna-se o dócil instrumento do mensageiro abnegado. A mesma sede de além lhe devora o pensamento. Expedições diversas se organizam. O castelo de São Jorge é fundado por Diogo de Azambuja, na Costa da Mina; Diogo Cão descobre toda a costa de Angola; por toda parte, sob o olhar protetor do grande rei, aventuram-se os expedicionários. Mas o espírito, em todos os planos e circunstâncias da vida, tem de sustentar as maiores lutas pela sua purificação suprema. Entidades atrasadas na sua carreira evolutiva se unem contra as realizações do príncipe ilustre. Depois do desastre no Campo de Santarém, no qual o filho perde a vida em condições trágicas, surgem outras complicações entre a sua direção justiceira e os nobres da época, e D. João 2 morre envenenado em Alvor, no ano de 1495.

Todavia, os planos da Escola de Sagres estavam consolidados. Com a ascensão de D. Manuel I ao poder, nada mais se fez que atingir o fim de longa e laboriosa preparação. Em 1498, Vasco da Gama descobre o caminho marítimo das Índias e, um pouco mais tarde Gaspar de Corte Real descobre o Canadá. Todos os navegadores saem de Lisboa com instruções secretas quanto à terra desconhecida, que se localizava fronteira à África e que já havia sido objeto de protesto de D. João 2 contra a bula de Alexandre VI, que pretendia impor-lhe restrições ao longo do Atlântico, por sugestão dos reis católicos da Espanha.

No dia 7 de Março de 1500, preparada a grande expedição de Cabral ao novo roteiro das Índias, todos os elementos da expedição, encabeçados pelo capitão-mor, visitaram o Paço de Alcáçova, e na véspera do dia 9, dia este em que se fizeram ao mar, imploraram os navegadores a bênção de Deus, na ermida do Restelo, pouso de meditação que a fé sincera de D. Henrique havia edificado. O Tejo estava coberto de embarcações engalanadas e, entre manifestações de alegria e de esperança, exaltava-se o pendão glorioso das quinas.

No oceano largo, o capitão-mor considera a possibilidade de levar a sua bandeira à terra desconhecida do hemisfério sul. O seu desejo cria a necessária ambientação ao grande plano do mundo invisível. Henrique de Sagres aproveita esta maravilhosa possibilidade. Suas falanges de navegadores do Infinito se desdobram nas caravelas embandeiradas e alegres. Aproveitam-se todos os ascendentes mediúnicos. As noites de Cabral são povoadas de sonhos sobrenaturais e, insensivelmente as caravelas inquietas cedem ao impulso de uma orientação imperceptível. Os caminhos das Índias são abandonados. Em todos os corações há uma angustiosa expectativa. O pavor do desconhecido empolga a alma daqueles homens rudes, que se viam perdidos entre o céu e o mar, nas imensidades do Infinito. Mas a assistência espiritual do mensageiro invisível, que, de fato, era ali o divino expedicionário, derrama um claror de esperança em todos os ânimos. As primeiras mensagens da terra próxima recebem-nas com alegria indizível. As ondas se mostram agora, amiúde, qual colcha caprichosa de folhas, de flores e de perfumes. Avistam-se os píncaros elegantes da plaga do cruzeiro e, em breves horas, Cabral e sua gente se reconfortam na praia extensa e acolhedora. Os naturais os recebem como irmãos muito amados. A palavra religiosa de Henrique Soares de Coimbra eles a ouvem com veneração e humildade. Colocam suas habitações rústicas e primitivas à disposição do estrangeiro e reza a crônica de Caminha que Diogo Dias dançou com eles nas areias de Porto Seguro celebrando na praia o primeiro banquete de fraternidade na Terra de Vera Cruz.

A bandeira das quinas desfralda-se então gloriosamente nas plagas da terra abençoada, para onde transplantara Jesus a árvore do seu amor e da sua piedade, e, no céu, celebra-se o acontecimento com grande júbilo. Assembleias espirituais, sob as vistas amorosas do Senhor, abençoam as praias extensas e claras e as florestas cerradas e bravias. Há um contentamento intraduzível em todos os corações, como se um pombo simbólico trouxesse as novidades de um mundo mais firme, após novo dilúvio.

Henrique de Sagres, o antigo mensageiro do Divino Mestre, rejubila-se com as bênçãos recebidas do Céu. Mas, de alma alarmada pelas emoções mais carinhosas e mais doces, confia ao Senhor as suas vacilações e os seus receios:

— “Mestre — diz ele — graças ao vosso coração misericordioso, a terra do Evangelho florescerá agora para o mundo inteiro. Dai-nos a vossa bênção para que possamos velar pela sua tranquilidade, no seio da pirataria de todos os séculos. Temo, Senhor, que as nações ambiciosas matem as nossas esperanças, invalidando as suas possibilidades e destruindo os seus tesouros…”

Jesus, porém, confiante, por sua vez, na proteção de seu Pai, não hesita em dizer com a certeza e a alegria que traz em si:

— “Helil, afasta essas preocupações e receios inúteis. A região do Cruzeiro, onde se realizará a epopeia do meu Evangelho, estará, antes de tudo, ligada eternamente ao meu coração. As injunções políticas terão nela atividades secundárias, porque, acima de todas as coisas, em seu solo santificado e exuberante estará o sinal da fraternidade universal, unindo todos os espíritos. Sobre a sua volumosa extensão pairará constantemente o signo da minha assistência compassiva e a mão prestigiosa e potentíssima de Deus pousará sobre a terra de minha cruz, com infinita misericórdia. As potências imperialistas da Terra esbarrarão sempre nas suas claridades divinais e nas suas ciclópicas realizações. Antes de o estar ao dos homens, é ao meu coração que ela se encontra ligada para sempre.”

Nos céus imensos, havia clarões estranhos de uma bênção divina. No seu sólio de estrelas e de flores, o supremo Senhor sancionara, por certo, as bondosas promessas de seu Filho.

E foi assim que o minúsculo Portugal, através de três longos séculos, embora preocupado com as fabulosas riquezas das Índias, pôde conservar, contra flamengos e ingleses, franceses e espanhóis, a unidade territorial de uma pátria com oito milhões e meio de quilômetros quadrados e com oito mil quilômetros de costa marítima. Nunca houve exemplo como esse em toda a história do mundo. As possessões espanholas se fragmentaram, formando cerca de vinte repúblicas diversas. Os Estados americanos do norte devem sua posição territorial às anexações e às lutas de conquista. A Luisiana, o Novo México, o Alasca, a Califórnia, o Texas, o Oregon, surgiram depois da emancipação das colônias inglesas. Só o Brasil conseguiu manter-se uno e indivisível na América, entre os embates políticos de todos os tempos. É que a mão do Senhor se alça sobre a sua longa extensão e sobre as suas prodigiosas riquezas. O coração geográfico do orbe não se podia fracionar.


(.Irmão X)


Humberto de Campos
Francisco Cândido Xavier


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