Caderno de mensagens
Versão para cópiaUm espinho na carne histórica da França
(…) Voltando ao passado, quando ocorreu o desastre que vitimou, aqui no Rio, D. Aparecida Bittencourt, (Vide o do livro Luz Bendita) D. Esmeralda recebeu carinhosa mensagem de Chico Xavier, datada de 17-1-1951, cheia de conforto e portadora de vida e paz:
“Minha bondosa amiga: Deus nos proteja.
Não sei como começar esta carta, em face do lutuoso acontecimento de ontem. Tenho o meu coração infinitamente dolorido e, por mais me esforce, a palavra não traduz o que minhalma deseja dizer. Tenho procurado, de vários modos, estabelecer alguma ligação telefônica, de modo a ouvir-lhe a voz, mas debalde…
A Cia. Telefônica dá sempre um atraso de muitas horas, impedindo-me a comunicação com a querida amiga. Não esmorecerei. Continuarei tentando, até podermos estabelecer algum intercâmbio.
Esperando que o meu pobre telegrama lhe tenha chegado às mãos, continuo rogando a Jesus lhe fortaleça o dilacerado coração de mãe, ao lado do nosso devotado Sr. Quito, a quem desejo igualmente muita fortaleza, na hora difícil que vamos atravessando. Na sexta-feira última, quando tive a alegria de abraçar pessoalmente o nosso Antônio, no instante de nossas preces, vi Agar com o Dr. Bezerra de Menezes. Ela não quis escrever, apesar de haver pedido a ela endereçar ao seu carinhoso coração algumas palavras, alegando que só escreveria se pudesse escrever muito, de acordo com o desejo de seu coração, tomando o Dr. Bezerra a dianteira e endereçando ao Antônio uma pequena página.
Agora sei que o nosso abnegado missionário estava junto de Agar para receber mais um coração sublime que parte…
Elevemos nossos pensamentos ao Alto para auxiliar aquela que, tão jovem, tanto fez pela caridade, recebendo a chamada divina, em serviço, quando justamente se preparava ao trabalho do bem… Dolorosas foram as circunstâncias em que a sua ternura de mãe a viu partir, entretanto, minha amiga, nós sabemos que a justiça do Céu nunca surge sem misericórdia. Confiemos na 1nfinita Bondade. Temos a eternidade à nossa frente, e a nossa fé representa uma luz a guiar-nos. Aquela Mãe Sublime que chorou aos pés da cruz virá consolá-la… Ela sabe onde se ocultam as lágrimas dos corações como o seu, que tudo tem dado ao bem de todos, no verdadeiro sacrifício, recebendo da Terra os espinhos e as aflições em troca. Ao anjo Tutelar da Humanidade envio minhas preces, em nosso favor. Que Ela nos abençoe.”
Na carta de 26-1-1951, após os saudares de conforto, escrevia o médium:
“Não mais tive notícias diretas de Agar, isto é, a presença dela, desde a noite de 19, em que tive o conforto de ouvir a sua voz (dela, Esmeralda) ao telefone. Ela (Agar) compareceu à cabina e declarou-me que desejava aproveitar a hora para dirigir-lhe algumas palavras. Não me cabia modificar o programa dela, e entreguei-me. Do que ela conversou com a bondosa amiga, não tenho a menor ideia. Lembro-me apenas que me achava em conversação com Bibi quando a nossa consoladora mensageira me envolveu num abraço fraternal e nada mais percebi, a não ser quando me achei escutando a sua voz. Voltei a casa, depois do telefonema, sob forte impressão, sentindo-me, porém, contente por haver servido de veículo à palavra de quem nos é tão querida e, na ligeira oração com que faço preceder o sono, vi-a distintamente ao meu lado. Perguntei-lhe, então, sobre a Dra. Aparecida, e ela me disse que o acontecimento se filiava ao passado e que era uma página escura a se converter em claridade. Afirmou que fora informada, há muito tempo, de semelhante prova, que não foi possível ser modificada e, na manhã do dia 16, dirigiu-se em companhia do Dr. Bezerra para junto dela, encorajando-a e fortalecendo-a espiritualmente, e tentando quanto lhe era possível pela oração, para auxiliar a todos, guardando, ainda, a esperança de que o acontecimento fosse desviado, mas, igualmente em lágrimas, viu a irmãzinha tombar sob a provação que se tornara inevitável e inflexível. Havia ou há alguma árvore no local do acontecimento doloroso? Assim pergunto, porque Agar me disse que ela, Dr. Bezerra e outros amigos permaneceram ao lado de uma árvore, onde puderam prestar socorro à abnegada irmã que partiu, com a urgência precisa, afirmando que a desencarnação foi imediata, mas que a retirada espiritual só foi realizada em seguida a algumas horas. Disse-me que o choque foi tão grande que ela não registrou os fenômenos de angústia e do sofrimento, sendo imediatamente anestesiada por recursos espirituais, com o Dr. Bezerra de Menezes operando na direção. Acrescentou que a irmã achava-se recolhida em organização da Esfera próxima, para tratamento, mas ainda incapaz de coordenar ideias sobre o ocorrido, mantendo-se numa situação de alheamento de tudo. Pedi a ela que eu desejava ver Dindinha, e, com a assistência de Emmanuel, sentindo-me em desdobramento, seguindo a ambos, como se estivesse correndo sem fazer esforço. Chegamos a um lugar arborizado com grande beleza, e penetramos em edifício enorme, cheio de movimento, mas silencioso. Agar abriu uma porta e entramos. Num leito muito amplo e muito branco estava uma jovem prostrada. Alguma cousa me pungiu o coração e nada pude falar. Fixei-a, em pranto, e só me lembro que a fisionomia muito delicada assemelhava-se bastante à do Antônio. Lembrei-me da senhora, do Dr. Mena Barreto, do Sr. Quito e de todos nós que tanta dor experimentamos com o fato inesperado, e minhas lágrimas se desataram e, com isso, notei que Emmanuel me arrebatou do aposento. Então, de volta, porque eu indagava sobre a causa de tamanho sofrimento, o nosso benfeitor espiritual, que se mostrava muito sereno, disse-me, paternal.
— Queres, então, saber?
Abracei-me a ele, como se eu fosse uma criança, e declarei que sim.
Ele pousou as mãos de leve na minha cabeça, como se a magnetizasse, e exclamou:
— Observa alguma cousa.
Senti como se uma força diferente me impulsionasse para cima, com um estalido que não posso descrever, e vi-me numa cidade enorme, de ruas sombrias, em estranha noite. Vozes em algazarra me chegaram aos ouvidos. e, com horror, observava um povo desvairado a matar, com ruído e gargalhadas, os próprios irmãos. Incêndios aqui e ali mostravam quadros terríveis que as badaladas dos sinos no ar tornavam mais impressionantes. De chofre, e que até então me parecia perdida. Era a , em Paris, em 1572…
Os gritos “massacrez! massacrez! O rei deseja! massacrez” me enchiam os ouvidos, e eu, em desespero, recordei alguém que talvez já estivesse nas sombras da morte e bati às portas de uma casa nobre, rogando socorro, reconhecendo aí muitas pessoas do nosso meio que se acham encarnadas. Não consegui o socorro almejado e pus-me a correr sem destino, mas a perturbação era enorme. As casas particulares eram invadidas por turmas de pessoas truculentas, e mulheres e crianças eram trazidas para morrer em praça pública. Muitos meninos eram atirados às águas do rio, depois de passarem na ponta dos sabres de homens embriagados. Muitas vítimas eram levadas às correntes do Sena, ainda vivas, para ali, encontrarem a morte. Por mais de uma vez, vi homens e mulheres, em grupos, atirando feridos à pata dos cavalos, os quais eram horrivelmente mutilados sob os carros que passavam, de quando em quando, em disparada. Depois de longa luta comigo mesmo, não mais suportei a situação e senti que a consciência de mim mesmo me faltava… Foi quando tornei a mim sob o olhar calmo de Emmanuel que me disse:
— Aí se encontram as nascentes da amargura de hoje. Bendigamos a dor que refaz o equilíbrio e reconstrói o destino.
Depois de entreter com ele uma palestra longa, retornei à vida habitual e, apesar de ver que esta carta está inconveniente e longa demais, julguei melhor relatar-lhe tudo, enquanto o assunto de minha experiência ainda está vivo na minha imaginação…”
E para finalizar este depoimento feito por alguém, dotado de sensibilidade mediúnica, assistido por tão augusta entidade, leiamos trechos da carta que D. Esmeralda Bittencourt recebeu, datada de 7-2-1951:
“(…) Realmente, a visão da noite de 19 de janeiro último me sensibilizou muito. e me lembro de haver corrido à residência de amigos do meu círculo familiar, e recordo-me que entrei por uma residência senhorial a dentro e a encontrei visivelmente preocupada. Lancei-me em seus braços, rogando socorro para alguém, mas a bondosa amiga, ao lado de pessoas muito importantes, afetuosamente disse: “Pobre criança! é muito tarde!”
Tentei forçá-la a dar-me atenção, mas, não consegui, porque havia muita gente ao seu lado. Reparei que a bondosa amiga me enviava a uma casa, que era alguma de sua residência, em companhia de uma pessoa de sua confiança, um homem alto, com um chapéu largo, onde se destacava uma cruz branca, que não pude observar muito bem, porque chorava muito, e de quem me afastei, fugindo pela via pública. Sei que o nome “Nemours” foi pronunciado várias vezes, como designando a sua residência. Para falar francamente, recordei que a estimada amiga me pareceu amiga íntima da Rainha e, como ela também, de origem italiana, desposando um alto dignitário da Corte francesa de então…”
“Ainda não tornei a ver Agar, mas o Doutor Bezerra de Menezes explicou-me que ela tentou materializar-se aos olhos do Dr. Mena Barreto, no Pronto-socorro, mas não conseguiu senão solicitar-lhe a atenção para a forma ectoplásmica, indefinida, com que ele se surpreendeu”.
Com a permissão do Alto, o fato aqui descrito com a minudência possível dá-nos uma ideia do que foi a “Noite de São Bartolomeu” e seu cortejo de horrores.
No plano das formas, vitoriou-se a Corte de Carlos 9, mas, no Plano espiritual, todos os responsáveis pelo massacre dantesco desciam à densidade espiritual, encontrando, na sucessividade dos séculos, expiações e provações inenarráveis, na urdidura das circunstâncias humanas, sem falar no sofrimento superlativamente grande nas Esferas invisíveis.
Mas, no dizer de Castro Alves, em “Parnaso de Além-Túmulo”, psicografado por Chico Xavier, no poema “”,
“É a dor que através dos anos,
Dos algozes, dos tiranos,
Anjos puríssimos faz,
Transmutando os Neros rudes
Em arautos de virtudes,
Em mensageiros de paz.”
(Vide artigo: )
Desencarnada por acidente, no Rio de Janeiro.
Como era carinhosamente chamada a Dra. Maria Aparecida Bittencourt Mena Barreto.
Paris, século XVI.
Regressão da memória, provocada magneticamente por Emmanuel.
O “encontrei” refere-se a D. Esmeralda, reencarnada como Duquesa de Nemours.
Tal fato se deu aqui, no Rio de Janeiro.
(Transcrito da Revista Espírita Mensal INFORMAÇÃO, Ano XXIX nº 341, págs. 3-5. FONTE: Boechat. Newton; “O ESPINHO DA INSATISFAÇÃO”, FEB)
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