Caminhos do Amor, Os
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Desencantado, quanto à própria vida, Resolvera, agitado, Colocar todo escrúpulo de lado E fazer-se suicida. Caíra a noite muito fria E ele pensava: De que lhe valeria Tanta posse que, há muito, desfrutava? De que lhe serviria A bela moradia, Tocada de supremo reconforto, Se trazia no peito O coração cansado e semi-morto? Vivia desgostoso e insatisfeito… A esposa o abandonara Com sinais evidentes de loucura E arrancara-lhe a filha Que lhe era tão cara Para o campo de sombra e de aventura… Dizendo adeus aos mimos familiares, Deixou o próprio carro e demandou a rua, Queria caminhar com os seus próprios pesares E seguiu, sob a noite f ria e escura, No intuito de alcançar antiga ponte, De seu conhecimento, Que se lhe erguia agora, em desafio Para a liquidação de todo sofrimento Ante a morte no rio… Não havia avançado muitos metros, Quando ouviu na calçada A voz de pobre mãe agoniada: — Senhor, salve meu filho, Por amor a Jesus, e lhe rogo socorro… Parou, vendo a mulher e a criança doente, Tendo a pedra por leito e a marquise por forro… Tateou o pequeno Que lhe enviava o olhar quase sem brilho E entendeu num instante Que o menino lutava contra a morte, Sob a pneumonia fulminante. Cedeu farta moeda à mãe aflita E depois de chamar por táxi vizinho, Instalou mãe e filho com carinho No carro que os levasse ao próximo hospital. Que lhe importava agora o ouro da carteira, Se admitia estar na hora derradeira? Não dera muitos passos E encontrou um ancião deitado a um canto, A lhe pedir em voz recortada de pranto: — Uma esmola, senhor! Um café que me aqueça! Deus lhe dará em dobro o bem que me fizer… Entregou ao pedinte uma certa quantia E ao notar-lhe a alegria, Indagou espontâneo: — O senhor tem família? E o velhinho falou, de olhar vago e incomum: — Esse luxo, hoje em dia, não me cabe, Não sei se o senhor sabe Que um mendigo não tem parente algum. E pondo-se de pé, A erguer-se devagar, Arrastou-se, pensando no café, À procura de um bar… O nosso companheiro Continuou a caminhar; Surgia a ponte à vista, Mas na parte de cima havia muita gente Dedicada ao lazer. Ele surpreendido e descontente, Ágil, pôs-se a descer Buscando a solidão das grandes águas Para a extinção de suas próprias mágoas… Mas nisso, foi detido, Por um colega conhecido Que lhe informou com gentileza: Amigo, mais prudência, Há sob a ponte enorme delinquência, Dizem que aí por baixo há cenas revoltantes De foragidos e assaltantes… E sei que sob a guarda de uma bruxa Moram juntos aí, dois terríveis bandidos, Claramente escondidos… O interpelado agradeceu E disfarçou dizendo estar ali somente À busca de um parente. Atingindo, porém, o local que buscava Viu tristes mãos ao seio aconchegando Criancinhas em bando A chorarem com frio… Já não mais contemplou a vastidão do rio E passou a estudar O apoio que lhes era necessário. Examinando o ambiente Divisou de repente Um pequeno recanto solitário Qual barraca formada de improviso… Avançou para lá, mas tristonha senhora Disse-lhe em alta voz: — Senhor, não se aproxime!… Ele obtemperou: — Corre-se aqui o risco de algum crime? A velhinha, no entanto, respondeu: — Não, senhor!… É que eu Tenho comigo aqui meus dois filhos leprosos, Quis somente avisá-lo… O senhor, entretanto, pode vê-los. Ele fitou os jovens deformados, As feridas em sangue entre os cabelos, A pele em chaga, as magras mãos A sorrirem na prova que sem dedos os feria Demonstrando, decerto, A valorização da própria luta, No fel do dia a dia. “Ah!…” — refletiu — “seriam eles Os estranhos segredos Que se ocultavam sob a ponte antiga, Ante os cuidados da mendiga…” Ao sentir, de tão perto, o sofrimento, Mudou-se-lhe, de chofre, o pensamento… Medita, sob a angústia que o invade: “Por que morrer, chorando a esposa e a filha, Se elas duas Apenas lhe pediam a liberdade? Por que aniquilar-se, inutilmente, Se podia amparar a tanta gente? Por que menosprezar a vida alheia?” Então, ajoelhou-se sobre a areia, Orando a soluçar… O rio parecia acompanhar Os gemidos que o homem desferia… E, como a expulsar de si, em tremenda agonia, A própria dor que atingira apogeus, Relegou o suicídio às sombras do passado E gritou, renovado: — Obrigado, meu Deus!… |
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