Cartas do Alto
Versão para cópiaApontamento justo
Mostra-se você injustificavelmente surpreendido com os empreendimentos de notável sacerdote, que para combater a heresia espírita, expressão por ele usada, viaja agora, de cidade em cidade do nosso vasto país, ilustrando as próprias conferências com espetáculos de hipnotismo vulgar. Escolhe aqui e ali sujeitos neuróticos ou extremamente sensíveis e, colocando-os em sono provocado, compele-os a visões e alucinações diversas, à maneira dos poderosos obsessores que manobram vítimas indefesas, com o doentio propósito de obscurecer a mediunidade e desacreditar o Espiritismo em sua feição clara e simples.
Barateando o culto de sua própria fé, o clérigo eminente, erguido à categoria de mago comum, improvisa e impinge-as, afoito, à mente passiva dos instrumentos que lhe acatam as ordens, plasmando quadros de sabor religioso, aos quais não escapa nem mesmo o vulto sagrado de nossa Mãe Santíssima, operando insólitas atitudes em seus pacientes extáticos e arrancando, com isso, gargalhadas e aplausos de quantos lhe prestigiam as estranhas exibições.
Do que possa pensar ou concluir sobre o assunto a venerável autoridade da Igreja Católica, de que é ele zeloso representante, nada nos ocorre dizer, porque, quase sempre, quem persegue a verdade costuma flagelar a si mesmo.
Acontece, porém, que após a demonstração popular a que se afeiçoa proclama nosso irmão que o Espiritismo se resume a feixe de fenômenos miseráveis, congregando bonzos e idiotas em torno dos médiuns que, na apreciação do elegante orador, não passam de histriões e pelotiqueiros.
E afirma com estertor que apenas abraçamos um conjunto de extravagâncias, sem qualquer ligação com o Cristianismo, que ele pretende defender e honorificar.
Esquece-se o distinto religioso de que a Doutrina Espírita é um santuário de princípios morais, em que o ensinamento de Jesus brilha, renascente, restaurando a integridade e a pureza da fé cristã no caminho dos homens, sublimando o coração e redimindo a inteligência, e de que a mediunidade é expressão natural da vida, em toda parte, seja na existência dos santos, cuja memória as igrejas perpetuam, seja no apostolado ingente dos médiuns respeitáveis dos templos espíritas ou na provação dos obsessos que se abrigam nos manicômios.
Espíritos sábios e ignorantes, felizes e infelizes, corretos e transviados podem surgir em qualquer lugar do planeta, assimilados por aqueles que lhes comungam as opiniões e as tendências.
Em razão disso, segundo é fácil verificar, os eventos medianímicos e o Espiritismo são essencialmente diversos, sem ser antagônicos entre si.
Importa, contudo, reconhecer que se a nossa Doutrina redentora utiliza os fenômenos dessa ordem, disciplinando-lhes as manifestações para ajudar e consolar, fortalecer e instruir, não foi ela quem começou semelhante obra de educação e benemerência em socorro das criaturas, e sim o nosso divino Mestre, que encetou o seu ministério sublime metamorfoseando a água em vinho nas bodas de Caná, passando ao magnetismo divino com que levantou paralíticos e limpou leprosos, restaurando enfermos, restituindo a visão aos cegos e chamando à vida corpos que a morte já começara a necrosar. Foi ele, Nosso Senhor, quem se entreteve a doutrinar os desencarnados desditosos que residiam nos sepulcros, quem se compadeceu dos obsidiados, soerguendo-lhes o ânimo, quem materializou Espíritos sublimados no Tabor e quem voltou da sombra do túmulo para dizer aos companheiros desalentados e aflitos que a vida prossegue, vitoriosa, além das cinzas terrestres, conferindo a cada um de nós o resultado de nossas próprias obras, em perenidade de justiça e ressurreição.
Entretanto, se o nosso preclaro sacerdote, por agora, não se lembra disso, não se preocupe você e continuemos estudando e servindo, em nosso campo de ação, porque o tempo tomará conta dele e qual aconteceu a todos nós, os Espíritos recalcitrantes da vida humana, conduzi-lo-á, um dia, imperturbavelmente, até o grande rio da morte, em cujas águas profundas encontrará ele a grande revelação.
Reformador — Agosto de 1957.
[Alusão velada ao Padre Quevedo]
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