Cartas do Alto

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Capítulo XVII

Em saudação à Casa de Ismael


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As rivalidades de Tróia eram o assunto palpitante de cronistas e guerreiros do mundo antigo, culminando com a perseguição dos gregos, famintos de vingança. Entretanto, da corte de Príamo, do arrojo de Páris, da beleza de Helena, da bravura de Aquiles e da habilidade de Filoctetes restam apenas os livros admiráveis de Homero, que brilham na cultura terrestre há quase três milênios.

Condenado pelos preconceitos de sua época, Sócrates, o filósofo eminente, foi constrangido a morrer pela cicuta. Todavia, enquanto o recinto da Acrópole encerra hoje consigo tão-somente o mausoléu da glória de Atenas do passado, as ideias do grande pensador continuam vivas na atualidade através dos livros de Platão.

O primeiro século do Cristianismo sofreu a presença de tiranos dignos de piedade, mas da espessa camada de cinza em que desapareceram o capricho de Tibério, a loucura de Calígula e a insânia de Nero ressurgem os livros imortais de Horácio e Virgílio, Tito Lívio e Salústio, plasmando as mais nobres expressões do gênio latino.

Os séculos 16 e XVII anotaram, estarrecidos, os processos da Inquisição que estenderam garras de cativeiro e crueldade sobre o corpo da Europa. Contudo, das fogueiras e calabouços do Santo Ofício, renascem, plenos de beleza, os livros de Shakespeare e Cervantes, Lafontaine e Racine, definindo os anseios da humanidade.

O século XIX, iniciado sobre o sangue da revolução e da guerra, contemplou transições violentas e rudes, fustigado pelas sombras do ateísmo e da negação. No entanto, da luta aberta dos generais e dos ditadores, e do pessimismo exagerado de escritores e cientistas que o túmulo encobre, destacam-se os livros de Allan Kardec, revivendo o Evangelho de Jesus no Espiritismo, em pletora sagrada de sublimes consolações.

Só o livro é a claridade que fica entre os homens como herança dos homens que ensinam e passam.

Sem ele, as civilizações de ontem dormiriam nas trevas. Ele é a voz reveladora da Índia no Maabarata, o canto da Pérsia no Zend-Avestá, a palavra do Egito no Livro dos Mortos, a experiência da China no Yi-King e a fidelidade do povo hebreu no Velho Testamento.

Nele, conserva Pitágoras a flama da ciência.

Por ele, flui o pensamento de Sidarta, o santo instrutor do Budismo.

Com ele, Jesus, o divino governador da Terra, acende a lâmpada imperecível do seu Evangelho de redenção e de amor.

Celebrando, pois, o primeiro centenário de O Livro dos Espíritos, reverenciamos a memória de Allan Kardec, saudando igualmente a Federação Espírita Brasileira que, em três quartos de século do Espiritismo codificado, vem construindo no silêncio e no trabalho de sua obra impessoal, sob a égide dos mensageiros da Vida Superior, o santuário moral do livro espírita dentro da dignidade doutrinária, clareando consciências e inspirando corações para o serviço do Cristo como roteiro de claridade, fonte de esperança e celeiro de luz.




Reformador — Abril de 1957.



Irmão X
Francisco Cândido Xavier


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