Na Seara do Mestre
Versão para cópiaA multiplicação dos pães
O caso impressionou profundamente os discípulos, razão por que os quatro Evangelhos a ele se reportam. Realmente, tratando-se do problema do pão, que é o problema da Humanidade, constituindo o pivô em torno do qual vêm girando, em todos os tempos, as atividades e as agitações humanas mais acentuadas, justifica-se aquela particularidade.
Tomemos o relato de Marcos (6: 32 a
44) para nossa meditação: E foram, Jesus e seus discípulos, num barco, para um lugar deserto, em particular. Mas a multidão, vendo-os partir, muitos o reconheceram, e correram para lá a pé, de todas as cidades, e chegaram primeiro do que eles.
E Jesus, vendo a grande multidão, teve compaixão dela, pois parecia um rebanho sem pastor. Começou, então, a ensinar-lhes muitas coisas.
Como o dia fosse já adiantado, os discípulos, chegando-se ao Senhor, disseram-lhe: Este lugar é deserto, e o dia já declina; despede essa gente, para que, indo às aldeias circunvizinhas, comprem pão, pois aqui não há o que comer.
Jesus respondeu: Dai-lhes vós de comer. E eles retrucaram: Iremos nós, então, comprar duzentos denários de pão para lhes dar de
• comer? — Disse o Senhor: Quantos pães tendes? Ide ver. E, verificando eles, informaram: Apenas cinco pães e dois peixes.
Ordenou-lhes Jesus que fizessem assentar a todos, em ranchos, sobre a relva verde. E assentaram-se, repartidos de cem em cem e de cinquenta em cinquenta. E tomando Jesus os cinco pães e os dois peixes, levantou os olhos ao Céu, abençoou e partiu os pães, e deu-os aos discípulos para que os distribuíssem. E repartiu também os dois peixes para todos.
E todos comeram, e se fartaram, sobrando ainda doze cestos cheios de pedaços de pão e de peixes. E os que comeram eram quase cinco mil homens, não contando mulheres e crianças.
O Mestre, chamando os seus, retirou-se com eles, numa barca, para um sítio distante a fim de repousar. Mas o povo, reconhecendo-o, rumou, por atalhos, para onde Ele se dirigia, chegando primeiro. Jesus, contemplando aquela multidão ignara, sofredora, enferma e faminta, moveu-se de grande compaixão. Ao influxo desse sentimento que o absorvia, o Filho de Deus começou a agir, esquecendo o repouso que buscara. Dando início às providências que julgou corresponder às necessidades prementes daqueles párias, ensinava-lhes muitas coisas. Começou, pois, abrindo brechas de luz naquelas mentes entenebrecidas, porque bem sabia que todos os sofrimentos, privações e vicissitudes que flagelam os homens procedem da ignorância da verdade.
As primeiras sombras da noite desenhavam-se já no horizonte, e o Senhor prosseguia no desempenho da sua missão, ensinando e atendendo os enfermos que lhe imploravam a cura das suas mazelas. Nesse passo vieram os discípulos dizer-lhe: "Mestre, o dia já vai adiantado, e este lugar é deserto; despede, portanto, o povo, para que procure as aldeias mais próximas onde todos poderão alimentar-se, porque, aqui, não há o que comer. " Retruca Jesus, com precisão: "Dai-lhes vós de comer".
Como vemos, os apóstolos não tinham ainda a noção da maneira como haviam de colaborar com o Mestre na obra da redenção. A tarefa que lhes estava destinada era pre cisamente a de despenseiros do pão da vida, desse pão que sintetiza todas as legítimas necessidades do homem, considerado sob sua dupla natureza: humana e divina. Como, pois, eles, os celeiros ambulantes do trigo celeste alegavam que ali não havia recurso para atender aos reclamos da multidão? O imperativo do Senhor — dai-lhes vós de comer — encerra implicitamente o papel que compete aos discípulos do Mestre desempenhar, em todas as épocas da Humanidade. Mas os homens louvam-se sempre na impressão dos sentidos. Tratava-se, segundo supunham, dum caso positivamente material: dar de comer à multidão que tinham diante dos olhos. Onde encontrar pão para tanta gente? Duzentos denários, alegavam, não bastariam para resolver a situação. Eles não sabiam que, em verdade, não existem problemas materiais, todos são espirituais, e que só espiritualmente se resolvem, mesmo aqueles que mais de perto se relacionam com a carne e com o sangue. Laboravam no velho erro de que é com dinheiro, e só com dinheiro, que se soluciona o problema do pão. Jesus mostrou-lhes que está no sentimento, e não no cálculo, a incógnita do magno problema que tinham diante de si. Ele teve compaixão da turba famélica.
Compaixão é uma das modalidades do amor; e é só com amor que se resolverão os problemas da Humanidade. Amor é luz, é sabedoria, é poder. Enquanto os homens se guiarem pelo egoísmo, viverão, como até aqui tem sucedido, na confusão e no caos. Serão pobres, fracos, doentes e incapazes no seio da abundância, da riqueza e da força.
Aos discípulos, contemplando os famintos, só ocorreu um pensamento: despedi-los, descartar-se deles, uma vez que o mal era irremediável. Mas o Mestre não pensou assim. É preciso que essa gente seja alimentada: Dai-lhes vós de comer!
Não havia ali dinheiro, esse elemento considerado como a chave de todas as questões terrenas. Havia, no entanto, alguém que trazia consigo cinco pães e dois peixes.
Mas que representa essa migalha, tratando-se de saciar cinco mil estômagos vazios? É nada e é muito. É nada, considerando como propriedade de um indivíduo. É muito, é tudo quando posto ao serviço da causa comum, do bem de todos, da felicidade coletiva. Assim o demonstrou o Mestre. "Trazei-me aqui esses cinco pães e dois peixes", disse Ele. Tomando-os em suas mãos, abençoou-os e deu graças.
Através desse gesto de reconhecimento e gratidão àquele que nos dá o "pão nosso de cada dia", consumou-se o milagre da multiplicação dos pães, tal como se dá no seio da terra, com a germinação da semente. O pão é a vida: desce do céu, não sobe dos campos.
Aos homens, em sua vaidade, passa despercebido esse milagre cotidiano, pois eles julgam que o grão se reproduz mercê do seu esforço e trabalho no amanho do solo, esquecidos de que a germinação se opera à sua inteira revelia, como sói, aliás, acontecer com a transubstanciação do pão em sangue, fenômeno este para o qual eles tampouco contribuem, antes, por vezes, o perturbam, com excessos, vícios e artificialismos.
O dia em que os homens, tomando em suas mãos o pão, cientes e conscientes donde ele vem, levantarem os olhos ao céu, não haverá mais fome, pobreza e miséria no mundo.
Saberão distribuí-lo como já sabem produzi-lo. Não basta que as leiras fecundas realizem continuamente o milagre, é necessário que haja olhos de ver, inteligência de entender e coração capaz de sentir — para que o debatido problema do pão seja solucionado de vez, deixando de ser causa de conflitos, ódios e guerras.
A solidariedade é a vara mágica que transforma a carestia em abundância, visto como importa no ajustamento à lei soberana e universal que tudo regula e equilibra.
Propositadamente deixamos para o fim o que para muitos encerra maior importância em virtude de afetar profundamente os sentidos: como Jesus conseguiu realizar a maravilha ora em apreço. Teria sido por sugestão? Os homens realizam verdadeiros prodígios por esse meio. O que não poderia lograr o Mestre com o seu extraordinário magnetismo pessoal? De outra sorte, o que sabemos nós sobre a manipulação e combinação de fluidos? Já disse Flammarion que aquilo que vemos é feito do que não vemos. A água resulta da combinação, em determinadas proporções, de dois gases fora do alcance da nossa visão. Não passa ela do estado líquido para o sólido, baixando a zero a sua temperatura?
E para o de vapor, elevando essa temperatura a cem graus?
A temperatura influi na vibração dos átomos e com essa alteração modifica-se o estado da matéria.
Jesus, pois, não infringiu nenhuma lei. Jogou apenas com possibilidades desconhecidas dos homens. O seu estupendo poder deriva do seu imenso saber. "E tudo que eu faço vós podeis fazer" (João
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João 14:12
Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço, e as fará maiores do que estas; porque eu vou para meu Pai.
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