Chico Xavier - Mandato de Amor
Versão para cópiaEntrevista ao jornal “Estado de Minas”
Tudo pronto para o início da entrevista. O gravador ligado, mil perguntas elaboradas no papel e na mente e, Chico Xavier, solícito, à disposição. Mas ele pede um tempo, tira um calhamaço de papéis e mostra ao repórter. São as escrituras de cessões de direitos autorais de todos os livros do médium que ele transfere para várias instituições, como a Federação Espírita Brasileira, sediada no Rio de Janeiro; Fundação Marietta Gaio (Rio de Janeiro); Grupo Espírita Emmanuel, Sociedade Civil Editora (São Bernardo do Campo — SP); Ideal — Instituto Divulgação Editora André Luiz (São Paulo — SP); Comunhão Espírita Cristã (Uberaba — MG) e tantas outras. Em jornal, é impossível registrar os termos de todas as escrituras, mas fica o registro, pois é uma preocupação de Chico Xavier em divulgar o assunto, face ao volume de livros: até hoje foram publicados 183 títulos, com mais de 9 milhões de exemplares vendidos, inclusive em edições estrangeiras. A entrevista foi dividida em duas partes. A primeira sobre assuntos gerais (publicada hoje) e uma segunda parte sobre a Doutrina Espírita e a vida particular do médium (que encerrará esta série). Os assuntos abordados tiveram colaboração de vários jornalistas do ESTADO DE MINAS, que redigiram perguntas sobre os mais variados assuntos e que Chico Xavier, durante uma hora, respondeu calma e objetivamente. Eis aí Chico Xavier.
— A Doutrina Espírita é acusada de, ao se preocupar somente com a vida no Além, ajudar a manter o sistema político vigente, por não se preocupar com o progresso material e político do homem na Terra. O que acha?
— É muito interessante isso, mas não desejamos abusar, desprestigiar, desprimorar mesmo a figura de Jesus Cristo. É importante considerar que Jesus cogitou muito da melhora da criatura em si. Auxiliou cada companheiro no caminho a ter mais fé, a amar os seus semelhantes, ensinou os companheiros a se entre-ajudarem, de modo que nós vimos Jesus sempre preocupado com o homem, com a alma. Não nos consta que ele tivesse aberto qualquer processo de subversão contra o Império Romano, nem mesmo contra a Palestina ocupada. Então, o espírita não é propriamente uma pessoa conformada do ponto de vista negativo. Conformismo em Doutrina Espírita tem o sinônimo de paciência operosa. Paciência que trabalha sempre para melhorar as situações e cooperar com aqueles que recebem a responsabilidade da administração de nossos interesses públicos. Em nada nos adiantaria dilapidar o trabalho de um homem público, quando nosso dever é prestigiá-lo e respeitá-lo tanto quanto possível e também colaborar com ele para que a missão dele seja cumprida. Porque é sempre muito fácil subverter as situações e estabelecer críticas violentas ou não em torno das pessoas.
Nós precisamos é da construtividade. Não que estejamos batendo palmas para esse ou aquele, mas porque devemos reverenciar o princípio da autoridade, porque sem disciplina não sei se pode haver trabalho, progresso, felicidade, paz ou alegria para alguém. Veja a natureza: se o sol começasse a pedir privilégios e se a Terra exigisse determinadas vantagens, o que seria de nós com a luz e o pão de cada dia?
— Há uma preocupação mundial por uma nova ordem econômica e social no mundo (inclusive o Papa João Paulo II já chegou a pedi-la ao presidente Jimmy Carter). Na sua opinião, para onde caminha a Humanidade? Haverá possibilidade de, em breve, atingirmos um grau de igualdade e fraternidade entre os homens?
— Creio que mesmo que isto nos custe muitos sofrimentos coletivos, nós chegaremos até a confraternização mundial. As circunstâncias da vida na Terra nos induzirão a isso e nos conduzirão para essa vitória de solidariedade humana. Não é para outra coisa que o Cristianismo, nas suas diversas interpretações, dentro das quais está a nossa faixa de doutrina espírita militante, terá nascido, não é? Eu creio que acima de nossas governanças, todas elas veneráveis, temos o Governo de poderes maiores que nos inspira e que, naturalmente, nos enviará recursos para que essa vitória da fraternidade universal se verifique.
— Então o senhor não acredita no Apocalipse previsto por Nostradamus e outros videntes para o ano 2.000?
— Respeito os estudos sobre o Apocalipse mas não tenho ainda largueza de pensamento para interpretar o Apocalipse como determinados técnicos o interpretam e situam. Mas, acima do próprio .Apocalipse, eu creio na bondade eterna do Criador que nos insuflou a vida imortal. Então, acima de todos os apocalipses, eu creio em Deus e na imortalidade humana e essas duas realidades preponderarão em qualquer tempo da Humanidade.
— Sendo assim, o mal nunca vencerá o bem?
— O bem sanará o mal, porque este não existe: é o bem, mal interpretado. Muitas vezes aquilo que julgamos como mal, daqui a dois, quatro, seis anos, é um bem. Um bem cuja extensão não conseguimos avaliar. Portanto, o mal está muito mais na nossa impaciência, no nosso desequilíbrio quando exigimos determinadas concessões, sem condições de obtê-las. De modo que o mal é como se fosse o frio. Este existe porque o calor ainda não chegou. Mas chegando o aquecimento, o frio deixa de existir. Se a treva aparece é porque a luz está demorando, mas quando acendemos a luz ninguém pensa mais nas trevas. Não creio na existência do mal em substância. Isso é uma ficção.
— Pode-se afirmar que todos os homens que habitam hoje a Terra já tiveram uma experiência anterior de vida?
— Todos os que estão acima da inteligência submediana são espíritos reencarnados. Agora, os Espíritos nos explicam que aquelas criaturas demasiadamente primitivas, que às vezes nem mesmo se deslocam para o serviço de autoalimentação, essas criaturas estarão talvez na primeira experiência de existência humana. Mas, desde que a criatura já nasça com determinadas tendências, essas revelam que as pessoas já viveram em outras fases, em outras instâncias.
— Como se explica, então, que o mundo tivesse no ano 1.500, vamos supor, 500 milhões de habitantes e agora, no limiar do ano 2.000, estarmos com uma população em torno de 4 bilhões de pessoas?
— O próprio Jesus disse: “A casa de meu Pai tem muitas moradas.” (Jo
— Atualmente, fala-se muito nos contatos de seres extraterrenos. O senhor acredita na existência de discos voadores?
— Eu acredito que existem naves interplanetárias. Mas o assunto é um tanto quanto difícil, porque pertence ao campo da ciência. Nós não podemos ignorar que, depois da Segunda Guerra Mundial, as superpotências experimentaram determinadas máquinas, mormente máquinas voadoras, naturalmente com segredos de Estado que são compreensíveis. Possivelmente, teremos máquinas de formas esféricas para voar e concorrer com nossos aviões, com nossos “Concordes” e talvez estejam esperando a hora certa para surgir. Se entrarmos aí numa contenda sobre discos voadores, que dependem de outros mundos, de outras regiões de nossa galáxia, e se as sedes desses engenhos não permitirem que eles venham visitar a Terra durante muito tempo e aparecerem as máquinas esféricas das superpotências, então com que rosto vamos aparecer? Vamos deixar que a ciência resolva este problema.
— O que poderá acontecer ao mundo se continuarem as atuais agressões contra a natureza?
— Acontece que estamos agredindo, não a natureza, mas a nós próprios e responderemos pelos nossos desmandos. É importante pensar que se criou a Ecologia para prevenir estes abusos. Aqueles que acreditarem na Ecologia acima de seus próprios interesses nos auxiliarão nessa defesa do nosso mundo natural, da nossa vida simples na Terra, que poderia ser uma vida de muito mais saúde e de muito mais tranquilidade se nós respeitássemos coletivamente todos os dons da natureza. Mas, se continuarmos agredindo-a demasiadamente, o preço será pago por nós próprios, porque depois voltaremos em novas gerações, plantando árvores, acalentando sementes, modificando o curso dos rios, despoluindo as águas, drenando os pântanos e criando filtros que nos liberem da poluição. O problema será sempre do homem. Teremos que refazer tudo, porque estamos agindo atualmente contra nós mesmos.
— Estuda-se no Brasil uma forma de legalização do aborto. Qual sua opinião?
— O aborto é sempre lamentável, porque se já estamos na Terra com elementos anticoncepcionais de aplicação suave, compreensível e humanitária, porque é que havemos de criar a matança de crianças indefesas, com absoluta impunidade, entre as paredes de nossas casas? Isto é um delito muito grave perante a Providência Divina, porque a vida não nos pertence e, sim, ao poder divino. Se as criaturas têm necessidade do relacionamento sexual para revitalização de suas próprias forças, o que achamos muito justo, seria melhor se fizessem sem alarme ou sem lesão espiritual ou psicológica para ninguém. Se o anticoncepcional veio favorecer esta movimentação das criaturas, por que vamos legalizar ou estimular o aborto? Por outro lado, podemos analisar que se nossas mães tivessem esse propósito de criar uma lei do aborto no século passado, ou no princípio e meados deste século, nós não estaríamos vivos.
— De vez em quando aparece alguém que, em virtude de algum problema social mais grave — a violência, por exemplo, — pede a pena de morte. O senhor concorda?
— A pena deveria ser de educação. A pessoa deveria ser condenada mas é a ler livros, a se educar, a se internar em colégios ainda que seja, vamos dizer, por ordem policial. Mas que as nossas casas punitivas, hoje chamadas de casas de reeducação, sejam escolas de trabalho e de instrução. Isto porque toda criatura está sentenciada à morte pelas leis de Deus, porque a morte tem seu curso natural. Por isso, acho que a pena de morte é desumana, porque ao invés de estabelecê-la devíamos coletivamente criar organismos que incentivassem a cultura, a responsabilidade de viver, o amor ao trabalho. O problema da periculosidade da criatura, quando ela é exagerada, esse problema deve ser corrigido com educação e isso há de se dar no futuro. Porque nós não podemos corrigir um crime com outro, um crime individual com um crime coletivo.
— Qual a posição do Espiritismo, hoje, quando a Igreja amplia violentamente a evangelização, com a visita do Papa a várias regiões do mundo?
— Nós, brasileiros, temos para com a Igreja Católica uma dívida irresgatável, porque por mais de 400 anos nós fomos e somos tutelados por ela na formação do nosso caráter cristão. Quando nos lembramos que os primeiros missionários entraram pela terra brasileira adentro, não com lâminas ou objetos de guerra, mas com a cruz de Cristo, nós nos enternecemos profundamente e compreendemos que a nossa dívida é imensa. Se o nosso povo está tributando as homenagens merecidas e justas ao Papa, que nos visita em missão de Deus, nós devemos estar satisfeitos e rejubilar-nos com essas manifestações, porque isso mostra que nosso povo é reconhecido a uma instituição que nos deu e dá tanto. Hoje, podemos ser livres pensadores espíritas, espiritualistas, evangélicos, podemos matricular nossos corações nas diversas escolas que são derivadas do próprio Cristianismo, mas não podemos esquecer aquele trabalho heroico dos primeiros tempos, dos primeiros séculos. A Igreja até hoje tutela a comunidade brasileira, com muito amor.
— A pompa e o luxo com que recebem o Papa e até mesmo a exploração comercial que fizeram com sua vinda, o senhor acha certo?
— Não podemos pensar nestes termos, porque é a primeira vez que o chefe supremo da Igreja Católica Apostólica Romana visita o nosso país. Nós gastamos fortunas imensas, com todo o nosso respeito, no futebol, que é uma instituição mundial. No futebol, os grandes favoritos são até considerados como embaixadores. Se no futebol, gastamos, às vezes, bilhões em determinadas partidas e nos sentimos felizes com nossas festas nos grandes estádios, porque não podemos reverenciar o Papa com a alegria popular das nossas medalhas, das nossas bandeiras, dos nossos acenos de carinho para com um homem extraordinário, que tem beijado o chão de tantas terras, que tem-se mostrado tão grande pelo coração e a quem devemos tanto respeito? Creio que os brasileiros estão cumprindo um dever e o que se gasta, no Brasil, para receber o Papa não vai fazer falta a ninguém. Como o dinheiro que se gasta no futebol também não faz. Ou no Carnaval, onde também se gastam bilhões, uma grande festa folclórica que é uma exibição de História do Brasil e de respeito aos grandes acontecimentos da Nação. Enfim, por que o Papa deveria aparecer no Brasil pedindo esmolas?
— O povo hoje tem uma certa incredulidade diante das definições tradicionais do céu e inferno. Na sua visão, como eles seriam?
— Dentro da visão espírita-cristã, céu, inferno e purgatório começam dentro de nós mesmos A alegria do bem praticado é o alicerce do céu. A má intenção já é um piso para o purgatório e o mal devidamente efetuado, positivado, já é o remorso que é o princípio do inferno.
— Deve-se aceitar a lei do carma passivamente ou temos condições de modificá-la, talvez, para uma condição melhor?
— Aquilo que ficou estabelecido como sendo nos,a dívida é uma determinação que devemos pagar. Se comprei e assumi a dívida, devo pagar. É o que consideramos destinação, é o carma. Mas isso não impede a lei da criatividade com a qual nós podemos atuar todos os dias para o bem, anulando o carma chamado de sofrimento. Vamos supor que uma criatura está doente e precisa de uma intervenção cirúrgica. É o caso de perguntarmos: ela deve ou não se submeter à intervenção cirúrgica, o que tem todas as possibilidades de êxito? Ela deve sim, deve preservar o seu próprio corpo, é um dever procurar a medicina e se valer do socorro médico para a reabilitação do seu próprio organismo. Então, aí está uma resposta a esta questão. A misericórdia de Deus sempre nos proporciona recursos para pagar ou reformar os nossos títulos de débito, assim como uma organização bancária permite que determinadas promissórias sejam pagas com grandes adiantamentos, conforme o merecimento do devedor. Assim como temos grande número de amigos avalistas a nos tutelar nos Bancos, temos também os espíritos extraordinários que são os santos, os anjos, os nossos amigos espirituais que pedem por nós, que auxiliam, que nos dão mais oportunidade para que a gente tenha mais tempo. Por isso que a pessoa deve cuidar bem de seu corpo, porque ele é a enxada com a qual a criatura está semeando e lavrando o terreno do tempo e das boas ações. De modo que existe o carma, mas existe também o pensamento livre, porque nós somos livres por dentro da cabeça.
— Existe alguma maneira de uma pessoa desenvolver a sua mediunidade sem precisar frequentar um Centro ou mesmo aprofundar-se na Doutrina?
— Nós temos, por exemplo, o esoterismo em determinadas doutrinas espiritualistas com processos semelhantes aos da ioga, pelos quais a criatura se aperfeiçoa nas suas faculdades psíquicas e consegue ser, por exemplo,um intérprete do mundo espiritual sem as características do médium espírita-cristo propriamente considerado. Mas nos moldes em que eu me vi na necessidade de encontrar um socorro para os meus problemas psicológicos e espirituais, não vejo outras entidades no momento capazes de, do ponto de vista popular, trazer para o nosso coração tanto benefício como um Centro Espírita Cristão, orientado com segurança por amigos de Cristo e de Allan Kardec, capazes de ponderar as responsabilidades que eles assumem. De modo que eu me sinto uma pessoa feliz com o tratamento da mediunidade na estação em que trabalho e me encontro, mas cada qual tem o seu próprio caminho. Eu não desconheço que toda religião tenha os seus processos de apoio para a sublimação de seus adeptos, e respeito todas elas.
— Nota-se de uns tempos para cá um interesse maior nas pessoas em conhecer alguma coisa do Espiritismo. Como o senhor vê essa situação?
— Eu creio que o número de adeptos da Doutrina Espírita tem crescido em função das provas coletivas com que temos sido defrontados, acidentes dolorosos, provações muito difíceis, desvinculações familiares tremendas, transformações muito rápidas nos costumes sociais e tudo isto tem induzido a comunidade a procurar uma resposta espiritual a estes problemas que vão sendo suscitados pela própria renovação do nosso tempo. Eu creio que, por isso mesmo, a Doutrina Espírita tenha alcançado este campo de trabalho cada vez mais amplo, que considero também não como êxito, mas como amplitude e responsabilidade para aqueles que são os companheiros da seara espírita e evangélica.
— Como ficará a Doutrina Espírita após a sua morte? O senhor acha que ela ficará abalada? Quem poderá substituí-lo na liderança?
— A Doutrina Espírita estará tão bem depois da minha desencarnação quanto estava antes, porque eu não sou pessoa com qualidades especiais para servi-la. Eu sou um médium tão comum, tão falível como qualquer outro. Não me sinto uma pessoa necessária e muito menos indispensável. Outros médiuns estarão aí interpretando o pensamento e a mensagem dos nossos amigos espirituais, e eu peço a Deus apenas que não me deixe dar “mancadas” em minha tarefa.
— Os espíritas raramente dizem a palavra pecado. Este não existe para a Doutrina? Por exemplo, o sexo não seria um pecado?
— Quanto ao pecado, nós temos na Doutrina Espírita a Lei de Causa e Efeito, que é a lei, como dizem os hindus, a lei do carma. Lei essa pela qual as nossas faltas serão reparadas por nós mesmos. Nós criamos os nossos próprios impedimentos. Por exemplo, se eu pratico o suicídio nesta vida, naturalmente que na próxima eu devo ressurgir num corpo com as características de sofrimento que eu próprio terei criado para mim. De modo que nós não vamos dizer que não existe o conceito de pecado na Doutrina Espírita, mas os espíritas habìtualmente não abusam desta palavra porque nós não podemos desconhecer a misericórdia de Deus em Sua própria justiça. Se estamos ainda em uma fase de desenvolvimento e de evolução ainda razoavelmente imperfeita, por que é que a perfeição divina haveria de nos punir com castigos eternos, quando um pai humano promove sempre meios para que o seu filho doente ou faltoso seja amparado com o remédio ou com o socorro psicológico? De modo que nós não consideramos o pecado como sendo uma afronta à bondade de Deus mas, sim, a falta que cometemos, uma afronta feita a nós mesmos, pois cada um de nó, carrega em si a presença divina.
— E o sexo?
— Quanto ao sexo, nós todos estamos conscientes de que é tão importante um órgão genital como é importante o órgão da visão, da audição. Por exemplo, se um homem estabelece um processo de malícia contra alguém, naturalmente que o culpado não é o olho desse homem, mas sim a sua mente que foi quem ideou a malícia. De modo que, se o sexo tem alguma falha, esta falha está em nossa mente, não no órgão que nos deu especialmente o privilégio do título de filhos, filhos de mães sempre maravilhosas, porque nossas mães são sempre almas grandes, anjos humanos que nos acalentam nos braços e que nos abrem caminhos para a existência humana. E pelo sexo é que a Divina Providência nos deu esse santuário.
— Se o senhor tivesse que dar uma mensagem a uma criança, ou mesmo a um filho, para que ele pudesse vencer espiritualmente na vida, o que diria?
— Se eu tivesse um filho (tive na minha vida algumas crianças que cresceram sob a minha responsabilidade), ensinaria nos primeiros dias da vida desse filho o respeito à existência de Deus e o respeito à justiça e amor ao trabalho. E, em seguida, ensinaria que ele não seria, e não será, melhor do que os filhos dos outros.
— O senhor acredita que viverá ainda muitos anos?
— Acredito que quem chegou ao septuagésimo quilômetro na rodovia do tempo não pode esperar muito, mas estou na condição do trabalhador que, tendo apenas uma enxada para lavrar o campo, tem todo o cuidado com o instrumento, para que este instrumento possa ser usado em proveito do trabalho que possivelmente possa desempenhar com muito carinho.
— É voz corrente que Chico Xavier sabe a data em que vai morrer…
— Não. Os Espíritos amigos me dizem que isto não me é conveniente, porque a nossa mente, mesmo de modo indireto, pode atuar sobre o nosso campo celular, estabelecendo processos destrutivos que não convêm de modo algum a pessoa nenhuma, mesmo àquela que se sinta preparada para deixar o Plano físico. Nós devemos ignorar esta data, porque poderíamos criar antecipações de caráter negativo e isso é impróprio para nós.
— Qual a tiragem, em números atuais, de todos os seus livros?
— Francamente, o problema editorial eu desconheço por completo na questão de cifras, estatísticas, de procura ou de oferta. É um mercado no qual não entro, pois estou na produção. Mas as organizações editoriais que se encarregam desses livros naturalmente estão prontas a responder a qualquer indagação nesse sentido. Nos próprios livros, eles colocam sempre, em cada um, quantos já saíram, em tantas ou quantas edições. De maneira que isso é fácil de se verificar, através dos próprios livros.
— Os direitos autorais sobre eles foram totalmente doados?
— Todos eles, sem exceção de qualquer um.
— Como o senhor vive, então, financeiramente?
— Dos proventos de minha aposentadoria. E, naturalmente, são muitos os amigos que nos obsequiam, de maneira tão direta e espontânea que seria uma ingratidão, por exemplo, desprezar um terno de roupa, uma camisa, um par de meias, um par de sapatos. De modo que eu vivo muito bem com os meus vencimentos e com os amigos que eu tenho, que, graças a Deus, são muitos, e não me sinto nem uma pessoa rica para desperdiçar, nem pobre para desejar o que seja alheio.
— No início de sua missão mediúnica, o senhor foi muitas vezes incompreendido e até caluniado. Como faria uma análise disso, já que hoje sua imagem tem uma outra aceitação?
— Minha atitude perante a opinião pública foi sempre a mesma, de muito respeito ao pensamento dos outros. Porque nós não podemos esperar que os outros estejam ideando situações e problemas de acordo com nossas convicções mais íntimas. De modo que não posso dizer que sofri essa ou aquela agressão, porque isso nunca aconteceu em minha vida. Sempre encontrei muita gente boa. Vamos procurar um símbolo: dizem que os índios gostam muito de simbologia por falta de termos adequados para se expressar. Como me sinto uma pessoa bastante inculta, eu gosto muito de recorrer a essas imagens. Vamos pensar que eu seja uma pedra que foi aproveitada no calçamento de uma avenida. Colocada a pedra no piso da avenida, naturalmente que essa pedra vai se sentir muito honrada de estar ali a serviço dos transeuntes e, naturalmente, que essa pedra não poderá se queixar dos martelos que lhe tenham quebrado as arestas. Todos eles foram benfeitores.
— Fisicamente, como suporta essa verdadeira maratona espiritual que é a sua vida?
— Há 53 anos tenho esta tarefa, que me traz muito reconforto, muita alegria mesmo. Atualmente, com o tratamento de saúde, durante 5 dias da semana eu me abstenho de contatos maiores com o público, porque reservo minhas energias para as sextas e sábados. Mas, dentro desse equilíbrio, não me sinto com qualquer carência de forças, porque a alegria dos amigos também é remédio e compreensão.
— Poderia nos contar um fato ou uma passagem de sua vida que lhe traz melhores recordações e que mais lhe tocou o coração?
— Peço permissão para contar um caso que para mim foi um dos mais expressivos, que mais parece uma história infantil. Eu estava em Uberaba, há uns dois anos, esperando um ônibus para ir ao cartório. Da nossa residência até lá tem uns três quilômetros. Nós, com o horário marcado, não podíamos perder o ônibus. Mas, quando o ônibus estava quase parando, uma criança, de uns cinco anos, apresentando bastante penúria, gritava por mim, de longe. Chamava por Tio Chico, mas com muita ansiedade. O ônibus parou e eu pedi, então, ao motorista: “Pode tocar o ônibus, porque aquela criança vem correndo em minha direção e estou supondo que este menino esteja em grande necessidade de alguma providência. O ônibus seguiu, eu perdi, naturalmente, o horário. A criança chegou ao meu lado, arfando, respirando com muita dificuldade. Eu perguntei: “O que aconteceu, meu filho?” Ele respondeu: “Tio Chico, eu queria pedir ao senhor para me dar um beijo”. Esse eu acho que foi um dos acontecimentos mais importantes de minha vida.
— Como vê essa campanha em torno de seu nome para o Prêmio Nobel da Paz?
— A campanha nasceu da generosidade de amigos nossos, cujos nomes me lembro bem, como Augusto César Vannuci, homem de televisão, e Divaldo Pereira Franco, que é professor e também médium de muita responsabilidade na Bahia. Quando soube, o movimento já tinha idade de uns vinte dias. Eu não podia desapontar esses amigos. Então, estou dentro de uma campanha que não foi desfechada por mim, pois não teria coragem de suscitá-la, mas a vida é também participação e não omissão. E a gente vai com os amigos não para ganhar, mas para compartilhar as alegrias, as esperanças, as aspirações daqueles grupos a que pertencemos. Espero que tudo corra da melhor maneira possível, mas sem nenhuma ideia de ter ou ganhar esse ou aquele troféu, porque eu nunca fiz coisa alguma para merecer essa ou aquela honra. Absolutamente, isto não está em meu pensamento. Agora, considero interessante o assunto depois de desencadeado pela quantidade de amigos que aparecem, pela divulgação dos princípios cristãos, especialmente os princípios espírita-cristãos. Isto tudo eu acho um prêmio valioso, certo. O amigo é sempre uma remuneração que vem de Deus.
— O senhor analisa a campanha visando mais o lado da divulgação da Doutrina?
— Vejo mais o lado da movimentação dos assuntos. Porque eu não fiz coisa alguma. Os livros também não me pertencem e, sim, aos bons espíritos. Estou na condição quase de um espectador, porque eu não mereço e nem tenho méritos para isso. Quando os espíritos integraram o número de 100 livros em 1969, os amigos fizeram uma festa em Uberaba, lembrando os 100 livros mediúnicos. Alguns companheiros falaram com muito carinho sobre o assunto, e chegou a minha vez, quando eu devia agradecer. Então, eu disse assim: “Realmente estamos com 100 livros de nossos amigos espirituais e estou com 100, mas com “s”. E continuo sem.”
— Por que o senhor não quis mais voltar para Pedro Leopoldo?
— O problema não foi propriamente da vontade. Nos meus últimos dois anos em Pedro Leopoldo, fui acometido por uma labirintite muito violenta. Aliás, estive algum tempo sob o tratamento do distinto médico Dr. Costa Chiabi, otorrino em Belo Horizonte. Tratou-me com muita bondade, a ponto de não me cobrar coisa alguma. Aproveito esta oportunidade até para agradecer a ele, afinal nunca é tarde para sermos gratos, não é verdade? Mas eu precisava de um clima mais temperado, um pouco mais quente que o de Pedro Leopoldo. Então, Uberaba era a minha oportunidade, porque temos aqui o Parque Fernando Costa, que era subordinado à Inspetoria Regional de Fomento da Produção Animal em Pedro Leopoldo, de cujo quadro de funcionários participei durante o tempo regimental para a aposentadoria, 35 anos. De modo que vim para Uberaba e aqui completei o meu tempo de serviço, me adaptei à cidade e senti-me numa Pedro Leopoldo de maiores dimensões, mas com o mesmo coração de Pedro Leopoldo. Uberaba é uma cidade maravilhosa pela harmonia que reina entre os grupos religiosos e sociais. De modo que adquiri muitas amizades e fiquei sempre com o pensamento balançando entre as duas mãos: uma, que me deu o berço e a outra, que me deu o coração numa hora difícil, porque a doença é sempre um obstáculo que temos que revolver. Aqui, felizmente, sarei.
(Esta entrevista faz parte de um extenso trabalho de reportagem dos jornalistas Airton Guimarães e José de Paula Cotta, do jornal “Estado de Minas”, Publicado nas edições de 8, 9, 10 e 12 de julho de 1980. Fonte: “O Espírita Mineiro”, número 182, maio/agosto de 1980.)
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João 14:2
Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito: vou preparar-vos lugar.
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