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Capítulo XXVI

Eles não sabem


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Maria Dolores

Se alguém te fere a vida,

Olha a fonte que passa, coração,

Beijando a pedra imerecida

Que se lhe atira à face,

Como se nada houvesse e nada lhe alterasse

O serviço de amor na beleza do chão!


Aquele que te odeia ou te persegue,

Embora mostre um cérebro perfeito,

Não vê a sombra espessa em que se envolve

E a ferida mortal que traz no peito.


Quem te agrava ou injuria

A cruz de provação que carregas na estrada,

Não sabe quanta dor lhe virá, no futuro,

Da atitude impensada.


A pessoa que inveja

Não percebe que alenta, dia a dia

Escondido no próprio coração,

O veneno minaz que lhe furta a alegria.


Quem te condena as lutas em que choras

Desconhece, de todo,

Que abre para si mesmo, ante os campos da Terra,

Uma estrada de lodo!


Para ofensa que surja e ofensa que ressurja,

Perdoa, esquece e ampara, outra vez e outra vez.

O tempo restitui, em conta viva e certa,

Todo bem que se dá, todo mal que se fez!


Se alguém te fere a vida,

Olha a fonte que passa, coração,

Beijando a pedra imerecida

Que se lhe atira à face,

Como se nada houvesse e nada lhe alterasse

O serviço de amor na beleza do chão.



Irmão Saulo

Os poemas de Maria Dolores têm a simplicidade, a forma e o ritmo largo de Rodrigues de Abreu em “Casa Destelhada”. Para a poética atual são expressões do passado. Não usam figuras audaciosas, nem jogo de palavras ou subentendidos. Mas isso porque Maria Dolores não pretende fazer simplesmente poesia, muito menos a poesia de efeitos gráficos e, portanto, sensorial de nossos dias. Longe de querer participar da chamada “poesia de vanguarda”, o que ela pretende é servir-se do verso espontâneo, quase na forma de prosa rimada, para comunicar-se com os homens e transmitir-lhes as suas experiências da vida espiritual.

O poema “Eles não sabem” é um belo exemplo disso. E se não tem atualidade poética, tem oportunidade ética. Publicamo-lo no momento certo, como um legítimo aparte do Além nos diálogos da Terra. E depois de lê-lo podemos replicar ao seu título com o título desta crônica. Sim, porque se eles soubessem — eles, os que ferem, injuriam, condenam, ofendem — “que o tempo restitui, em conta viva e certa, todo o bem que se dá e todo o mal .que se fez”, certamente prefeririam a prática do bem.

Expressiva a maneira por que ela repete o ensino evangélico do perdoar setenta vezes sete, acentuando: “Para ofensa que surja e ofensa que ressurja, perdoa, esquece e ampara, outra vez e outra vez…” Porque as ofensas surgem e ressurgem, sempre as mesmas, na boca dos que negam e acusam. Perdoá-las e esquecê-las é amparar os ofensores, evitando que eles se afundem na semeadura do joio.

A fonte que passa, cristalina, fecundando a terra e espelhando o céu, desvia-se da pedra que se lhe atira à face e continua a cantar. Se a fonte parasse, ofendida, para enfrentar a pedra agressiva, o seu curso benéfico seria interrompido sem nenhum resultado, pois as pedras surgem e ressurgem constantemente no leito das águas.

Chico Xavier segue o exemplo da fonte há quarenta anos. Os seus inimigos de sempre — e sempre gratuitos — repetem sem cessar as mesmas injúrias através do tempo. Mas Chico é a fonte que não para, como se nada houvesse e nada o alterasse.



Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier

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