Colheita do Bem

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Capítulo XVII

Manoel da Nóbrega e Públio Lentulus


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03/08/1949


Meus caros filhos, Deus abençoe a vocês todos, concedendo-lhes muita paz e alegria aos corações.

Sem dúvida, meu caro Rômulo, não me seria lícito o alheamento às suas emoções de estudioso à face da “volta espiritual” ao passado, através dos recursos milagrosos do livro.

O Padre Nóbrega, indiscutivelmente, nos merece a melhor atenção e carinho. Aí na Esfera da carne é muito difícil ao educador a fundamentação de princípios para transmitir à mente infanto-juvenil as tradições respeitáveis de quantos nos prepararam o ninho coletivo na formação da Pátria.

Quantas vezes, em minha condição de professor, fui defrontado por esses problemas torturantes dos hiatos históricos, que impossibilitavam a partitura verbal dos grandes amigos da nacionalidade no pretérito distante! Aqui, no entanto, restabelecemos o espírito de sequência e confiando-nos às tarefas pedagógicas, libertos de muitas das convenções asfixiantes que aí nos esterilizam os melhores propósitos de ensinar com fidelidade, podemos operar verdadeira transformação em nossos métodos de serviço, ligando as existências (quando é possível) de muitos personagens importantes do mundo numa só linha de evolução e realização, quando nos é dado reunir na Terra diversas contas diferentes.

Devidamente entendidos, é agradável comentar o esforço de Emmanuel na vanguarda do serviço de evangelização, pelo Espiritismo, nos domínios da língua portuguesa. Vemos agora que a obra de qualquer natureza, quando merece a aprovação das autoridades superiores, cresce com o seu fundador. Nesse sentido, é importante meditar nos pontos de contato entre a vida de Manoel da Nóbrega e a de Públio Lentulus.

Pelo amor profundo, devotado por ele à inesquecível figura de Paulo, poderá você concluir das razões que levaram o esforçado jesuíta a dar o nome do grande apóstolo à cidade que lhe mereceu especiais cuidados no lançamento, a ponto de esperar o aniversário da conversão do doutor de Tarso, em janeiro, para iniciar os primórdios da grande metrópole brasileira, colocando-a sobre a proteção do amigo da gentilidade.

É que também Paulo, na vida espiritual, jamais descansou. Quando o senador romano desencarnou extremamente desiludido em Pompeia, foi contemplado com os favores do sublime convertido. Paulo sempre se consagrou às grandes inteligências afastadas do Cristo, compreendendo-lhes as íntimas aflições e o menosprezo injusto de que se sentem objeto, no mundo, ante os religiosos de todos os matizes, quase sempre especializados em regras de intolerância.

Amparado pelo apóstolo dos gentios, conseguiu Públio Lentulus transitar nas avenidas obscuras da carne, em existências várias, até encontrar uma posição em que pudesse servir ao divino Mestre com o valor e com o heroísmo daquela que lhe fora companheira no início da era cristã.

E assim temos em Manoel da Nóbrega o homem de raciocínio elevado, entregue a si mesmo em plena selva, onde tudo se achava por fazer.

Noutro tempo, os livros prontos e as tribunas construídas, os direitos de família pré-estabelecidos e o dinheiro fácil, a sociedade constituída e o pedestal do poder para brilhar. Aqui, porém, eram a improvisação necessária e o deserto, as inibições do corpo deficiente, que lhe apagavam a voz de tribuno, e a insolência dos selvagens, recordando as feras do circo, à frente dos quais devia imolar-se, consumindo as próprias forças para doar-lhes uma vida nova.

Surgiam, ainda, a devassidão e o crime, a ignorância e a audácia, os perigos e ameaças mil, que o hábil político transformado em missionário deveria vencer, exibindo não mais a toga do poder e as armas dos seus guardas pessoais, mas sim o sinal da cruz, sem mais ninguém que não fosse a sua pertinácia nos compromissos assumidos.

Entretanto, superou os óbices de toda espécie, lutou, sofreu e venceu, não para estagnar-se, mas para prosseguir, séculos adentro, reesculpindo, com os poderes da ideia cristianizada, um povo diferente e um novo mundo dentro do mundo.

Você tem razão emocionando-se ante o contato revelador. Não é por acaso que isso acontece. Um trabalhador nunca opera só na continuidade dos serviços. Nóbrega podia ter vivido isolado no seu tempo, contudo, desde cedo agregaram-se a ele multidões de amigos, exaustos de mando, de poder e dominação, e a teia dos destinos foi convertendo em trabalho para a coletividade tudo o que era cristalização: do “eu” em luz quanto era sombra, em libertação espiritual o que era cárcere físico.

Da rocha emerge o diamante, no curso dos milênios. Também a luz divina fluirá de nós outros um dia, quando a escória estiver abandonada no carvão que servirá de berço a outros diamantes no curso longo e paciente das eras.

O serviço do nosso amigo está longe de acabar. “É preciso criar espírito para o gigante”, costuma dizer. O gigante é a terra em que hoje nos situamos e o espírito é a luz com que devemos continuar erguendo os padrões de fraternidade mais alta e de mais avançado serviço com Jesus no Brasil todo.

Prossigamos, marchando à frente. Anos e dias correrão. Estejamos certos da brevidade de tudo o que se movimenta sobre a Terra para agirmos com segurança e paciência. Para construir é preciso lutar. E para colher é indispensável haver semeado.

O nosso receitista é de opinião que você use o Lachesis e o Staphysagria por uma semana. É uma boa providência medicamentosa para a sua máquina orgânica.

Boa noite para vocês, com os meus votos de muita tranquilidade para todos. Com um forte abraço de carinho e saudade, sou o papai muito amigo e reconhecido de sempre,




Notas da organizadora:

Nota da organizadora: em referindo-se à reencarnação de Emmanuel como o Padre Manoel da Nóbrega, jesuíta em missão evangelizadora no Brasil, no século XVI. Para maiores detalhes sobre o assunto, vide a obra Deus conosco, páginas 37-38 (VINHA DE LUZ, 3. ed., 2010).


Vovô Arthur se refere à cidade de , hoje São Paulo, fundada em 25 de janeiro de 1556, pelos jesuítas Manuel de Paiva, Manoel da Nóbrega, José de Anchieta, entre outros.


Em referindo-se a Lívia Lentulus, esposa de Públio, cuja história inesquecível é narrada por Emmanuel no Há 2000 anos…, romance psicografado por Francisco Cândido Xavier, em 1939 (FEB).


Nota da editora: Essa mensagem consta como (VINHA DE LUZ, 3. ed., 2010, p. 29-32).



A. .Joviano
Francisco Cândido Xavier

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