Contos Desta e Doutra Vida
Versão para cópiaExame de fé
Certo homem que passou a destacar-se dos outros, evidenciando largo entendimento de fraternidade e de fé, a par de grande compreensão, atribuía a Deus a propriedade de todos os bens da vida.
Acabara de construir o lar, iniciando a formação da sua família, e associava-se, com toda a alma, a empreendimentos religiosos, tanto quanto lhe era possível.
Em semelhantes iniciativas, começou a ensinar a fidelidade ao Senhor Supremo, compondo discursos admiráveis em que comentava a excelência da confiança no Céu.
— “Deus — dizia ele, convicto —, Deus é o Criador de Todo o Universo e, por isso mesmo, é o Dono de Tudo e de tudo somos simples usufrutuários em Seu nome. Almas, constelações e mundos Lhe pertencem por toda a parte. Recebemos, por empréstimo santo de Sua Infinita Bondade, o berço em que nascemos, o lar que nos acolhe, as afeições do mundo, o conforto e a alegria…”
A palavra dele inflamava imenso fervor nos ouvintes, que passavam a refletir com segurança sobre a grandeza do Amor Divino. E tão grande se fez a sua influência que o Senhor, sensibilizado com tamanhas demonstrações de fé, enviou à Terra alguns mensageiros para lhe examinarem a verdadeira posição.
Os referidos instrutores começaram permitindo que a maledicência e a calúnia lhe amargassem a vida.
O herói da lealdade padeceu golpes terríveis que lhe enodoaram a dignidade, mas atribuiu todos os percalços do caminho a manifestações indiretas da Celeste Bondade e acabou exclamando, sinceramente:
— Meu nome pertence a Deus. Que Deus seja louvado!
Os emissários que o seguiam, observando-lhe a firmeza, deixaram que a perseguição gratuita lhe envolvesse o roteiro; no entanto, o ódio injustificável como que lhe acendrou a confiança. Entre nuvens de sofrimento, o devoto concluiu que o ideal da perfeição é fruto da Magnanimidade Divina e afirmou, convencido:
— O bem é obra do Senhor! Louvado seja o Senhor!
Os aludidos educadores concordaram em que fosse ele experimentado pela incompreensão e o pupilo da fé se viu envolvido de aflição e ridículo, sentindo-se dilacerado e sozinho no seio do próprio lar. Contudo, reconhecendo que todo apreço e toda estima devem ser erigidos essencialmente ao Criador, asseverou, conformado:
— Toda a glória deve ser dada ao Pai que está nos Céus!… Louvado seja o Pai que está nos Céus!
Os examinadores em lide decidiram que a enfermidade lhe visitasse o corpo, e o amigo da prece foi relegado ao leito em extrema penúria física; todavia, em meio da própria angústia, reparou que seu corpo era um depósito do Todo-Compassivo e disse, imperturbável:
— Meu corpo é um empréstimo do Todo-Poderoso. Que o Todo-Poderoso seja louvado!…
Continuaram os enviados celestes no campo da experiência e o homem de fé resistiu valoroso, superando amargura e desolação, tristeza e necessidade…
Porque um dia recolhesse ele a presença da morte na pessoa de um dos filhos, acatando, submisso, a Vontade Celestial, os mensageiros da Esfera Superior endereçaram ao Pai Sublime, através de canais competentes, conciso relatório sobre a lealdade inflexível do crente valoroso que se encontrava na Terra…
Logo após, receberam ordem expressa da Casa do Senhor para que lhe entregassem grande quantidade de ouro, como suprema prova de obediência.
O homem recebeu a dádiva generosa, sob a aparência de um negócio feliz, e entregou-se ao conforto da nova situação.
Parecia anestesiado, quando orava, e ébrio de alegria em todos os movimentos.
Decorrido algum tempo, os instrutores espirituais trouxeram-lhe um companheiro em dificuldade, que lhe implorou, humilhado e triste:
— Meu amigo, tenho quatro filhos doentes e venho pedir-lhe, em nome de Deus, por empréstimo, algum dinheiro para solucionar meus problemas. Espero resgatar minha dívida em dois ou três meses…
Ante o silêncio do interpelado, reiterou quase em pranto:
— Socorra-me por amor ao nosso Pai de Bondade!…
Mas, com indisfarçável espanto, os professores divinos ouviram-no dizer, impassível e entediado:
— Não posso, não posso!… Meu dinheiro é um patrimônio que custei muito a ganhar.
(.Humberto de Campos)
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