Contos e Apólogos
Versão para cópiaJustiça de Cima
Quatro operários solteiros, quase todos da mesma idade, compareceram ao tribunal da Justiça de Cima, depois de haverem perdido o corpo físico, num acidente espetacular.
Na Terra, foram analisados por idêntico padrão.
Excelentes rapazes, aniquilados pela morte, com as mesmas homenagens sociais e domésticas.
Na vida espiritual, contudo, mostravam-se diferentes entre si, reclamando variados estudos e diversa apreciação.
Ostentando, cada qual, um halo de irradiações específicas, foram conduzidos ao juiz que lhes examinara o processo, durante alguns dias, atenciosamente.
O magistrado convidou um a um a lhe escutarem as determinações, em nome do Direito Universal, perante numerosa assembleia de interessados nas sentenças.
Ao primeiro deles, cercado de pontos escuros, como se estivesse envolvido numa atmosfera pardacenta, o compassivo julgador disse, bondoso:
— De tuas notas, transparecem os pesados compromissos que assumiste, utilizando os teus recursos de trabalho para fins inconfessáveis. Há viúvas e órfãos, chorando no mundo, guardando amargas recordações de tua influência.
E porque o interpelado inquirisse quanto ao futuro que o aguardava, o árbitro amigo observou, sem afetação:
— Volta à paisagem onde viveste e recomeça a luta de redenção, reajustando o equilíbrio daqueles que prejudicaste. És naturalmente obrigado a restituir-lhes a paz e a segurança.
Aproximou-se o segundo, que se movimentava sob irradiações cinzentas, e ouviu as seguintes considerações:
— Revelam os apontamentos a teu respeito que lesaste a fábrica em que trabalhavas. Detiveste vencimentos e vantagens que não correspondem ao esforço que despendeste.
E, percebendo-lhe as interrogações mentais, acrescentou:
— Torna ao teu antigo núcleo de serviço e auxilia os companheiros e as máquinas que exploraste em mau sentido. É indispensável resgates o débito de alguns milhares de horas, junto deles, em atividade assistencial.
Ao terceiro que se aproximou, a destoar dos precedentes pelo aspecto com que se apresentava, disse o juiz, generoso:
— As informações de tua romagem no Planeta Terrestre explicam que demonstraste louvável correção no proceder. Não te valeste das tuas possibilidades de serviço para prejudicar os semelhantes, não traíste as próprias obrigações e somente recebeste do mundo aquilo que te era realmente devido. A tua consciência está quite com a Lei. Podes escolher o teu novo tipo de experiência, mas ainda na Terra, onde precisas continuar no curso da própria sublimação.
Em seguida, surgiu o último. Vinha nimbado de belo esplendor. Raios de safira claridade envolviam-no todo, parecendo emitir felicidade e luz em todas as direções.
O juiz inclinou-se, diante dele, e informou:
— Meu amigo, a colheita de tua sementeira confere-te a elevação. Serviços mais nobres esperam-te mais alto.
O trabalhador humilde, como que desejoso de ocultar a luz que o coroava, afastou-se em lágrimas de júbilo e gratidão, nos braços de velhos amigos que o cercavam, contentes, e, em razão das perguntas a explodirem nos colegas despeitados, que asseveravam nele conhecer um simples homem de trabalho, o julgador esclareceu, persuasivo e bondoso:
— O irmão promovido é um herói anônimo da renúncia. Nunca impôs qualquer prejuízo a alguém, sempre respeitou a oficina que se honrava com a sua colaboração e não se limitou a ser correto para com os deveres, através dos quais conquistava o que lhe era necessário à vida. Sacrificava-se pelo bem de todos. Soube ser delicado nas situações mais difíceis. Suportava o fígado enfermo dos colegas, com bondade e entendimento. Inspirava confiança. Distribuía estímulo e entusiasmo. Sorria e auxiliava sempre. Centenas de corações seguiram-no, além da morte, oferecendo-lhe preces, alegrias e bênçãos. A Lei Divina jamais se equivoca.
E porque o julgamento fora satisfatoriamente liquidado, o tribunal da Justiça de Cima encerrou a sessão.
(.Humberto de Campos)
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