Contos e Apólogos

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Capítulo XXXI

Judiciosa ponderação


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Dispúnhamo-nos a escrever uma série de apontamentos acerca de nossas ligeiras excursões ao redor de outros mundos, com a intenção de trazê-los aos amigos terrestres, quando abnegado orientador falou, sensato:

— Vocês não se desenvolveram suficientemente para tratar o assunto com a precisa autoridade. Para relacionar as múltiplas manifestações da vida noutros planetas, não podemos prescindir da consciência cósmica, que ainda estamos construindo, através de sucessivos estágios na Terra, e, nesse sentido, quaisquer impressões de nossa parte serão fragmentárias e imperfeitas, desnorteando a curiosidade sadia das almas bem intencionadas.

E, ilustrando a judiciosa observação, contou, sorridente:

— A Humanidade evolvida de um astro que se localiza a milhões de quilômetros da Terra, contemplando-a na feição de minúscula estrela avermelhada, reuniu alguns dos seus sábios mais eminentes, a fim de estudá-la com as minudências possíveis.

Guardando avançados conhecimentos, no domínio da força gravítica, os competentes pesquisadores mobilizaram o tentame, enviando ao nosso mundo diversas expedições, de tempos a tempos.

A primeira veio até nós, depois de complicadas peripécias no Espaço, condicionando-se, como é lógico, à limitada provisão de recursos que trazia, elementos esses que lhe asseguraram a permanência de três dias sobre a face do nosso globo.

Acontece, porém, que os viajantes alcançaram os céus de Paris e, depois de analisarem a refinada capital da França, por mais de setenta horas, anotando-lhe os patrimônios artísticos e culturais, voltaram ao ponto de origem, anunciando que o nosso mundo era centro de notável civilização, com importantes agrupamentos humanos.

A ideia causou grande alvoroço e, tão logo se fez possível, nova comissão nos foi remetida para a complementação de informes.

Os excursionistas, no entanto, em vez de alcançarem Paris, desceram sobre vasta e inculta região africana e regressaram, alarmados, desmentindo as conclusões existentes, porquanto, para eles, a Terra era um simples formigueiro de criaturas primitivistas, singularmente distanciadas da educação.

Ante as controvérsias, novo grupo de investigadores veio ao plano terrestre, examinando justamente larga extensão da Sibéria e, por isso, voltou asseverando que o nosso domicílio não passava de um cemitério gelado.

Nova expedição foi levada a efeito. Contudo, dessa vez, os estudiosos planaram sobre a região triste e seca do Saara, sendo levados a crer que a Terra se reduzia a imenso deserto, sob pavorosas tempestades de areia.

Outros pioneiros entraram em lide e, auscultando-nos a residência, esbarraram com as águas do Pacífico, retornando a penates, comunicando a quem de direito que o nosso mundo era puramente líquido, solitário e inabitável.

Diante das informações contraditórias e estranhas, a autoridade superior resolveu sustar as expedições, de vez que os relatórios não concordavam entre si e que não valia ausentar-se da intimidade doméstica para voltar com problemas insolúveis e inquietantes, alusivos à casa alheia.


O orientador fez uma pausa, mergulhou em nós o olhar muito lúcido e rematou:

— Como vemos, não será bom precipitar noticiários e conclusões. Cada viajante pode falar simplesmente daquilo que vê, e o que podemos observar é ainda muito pouco daquilo que, mais tarde, nos será concedido ao conhecimento. Assim sendo, construamos com os homens, nossos irmãos, pelo trabalho perseverante na cultura e no bem, as asas com que remontaremos às Esferas superiores, sem antecipar-nos às decisões divinas, porque o Senhor sabe quando convirá modificar os programas de serviço, a nosso próprio respeito. “Ir lá” é muito diferente de “lá estar”. Quando pudermos estar nos cimos da evolução, saberemos examinar e compreender, através do justo discernimento. Até lá, estudemos e sirvamos.

Mais não disse o mentor, contudo expressara-se o bastante para que nos acomodássemos à obrigação de prosseguir trabalhando na edificação do Reino do Espírito, de cuja luz conquistaremos, felizes, o galardão da Vida Maior.


(.Humberto de Campos)


Irmão X
Francisco Cândido Xavier

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