Contos e Apólogos

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Capítulo VIII

O remédio objetivo


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Isidoro Viana, colaborador nos serviços da caridade cristã, não obstante o devotamento com que se entregara aos princípios evangélicos, torturava-se, infinitamente, ante os golpes da crítica.

Nas sessões do grupo, vivia em queixas constantes.

Tão logo se incorporava Policarpo, o benfeitor espiritual que dirigia a casa, intervinha Isidoro, reclamando:

— Irmão Policarpo, estou exausto! Que me aconselha? O mau juízo sufoca-me. Se cumpro minhas obrigações, chamam-me bajulador; se me afasto do dever durante alguns minutos, acusam-me de preguiçoso. Se tomo a iniciativa do bem, declaram-me afoito, e, se aguardo a cooperação de alguém, classificam-me de tardio. Que fazer?

O mentor desencarnado contornava o problema, delicadamente, e acabava asseverando:

— O Plano terrestre, meu amigo, ainda é de enormes contrastes. A luz é combatida pelas trevas, o mal pelo bem. A hostilidade que a ignorância nos abre favorece o trabalho geral de esclarecimento. Tenhamos calma e prossigamos a serviço de Nosso Senhor, que nos ajudou até à cruz.

O companheiro choramingava e, na próxima reunião, voltava a pedir:

— Irmão Policarpo, que tentar em favor da harmonia? Minha boa vontade é inexcedível, entretanto, como proceder ante os adversários gratuitos? O cerco dessa gente é insuportável. Não consigo caminhar em paz. Se rendo culto à gentileza, abrindo o espírito à ternura dos amigos, dizem que sou explorador da confiança alheia e, se busco isolar-me, atento aos compromissos que assumi, afirmam que não passo de orgulhoso e mau irmão.

O protetor respondia, tolerante:

— A tarefa, meu amigo, será mesmo assim. Quem conhece Jesus deve desculpar a leviandade daqueles que ainda o não conhecem. Aliás, a obra de evangelização das almas demanda paciência e perdão, com o sacrifício de nós mesmos. Se não nos dispusermos a sofrer, de algum modo, pela causa do bem vitorioso, quem nos libertará do mal? Tenhamos suficiente valor e imitemos o exemplo de suprema renúncia, do Mestre.

Isidoro gemia, concordando a contragosto; contudo, na semana seguinte, repisava:

— Irmão Policarpo, que será de mim? A opinião do mundo é obstáculo intransponível. Não aguento mais. Em tudo a censura castiga. Se dou recursos materiais, contribuindo nas obras da compaixão fraternal, sou apontado por vaidoso com mania de ostentação, e, se procuro retrair-me, de alguma sorte, gritam por aí que tenho um coração empedernido e gangrenado. A incompreensão dá para enlouquecer. Como agir?

O amigo generoso replicava, sereno:

— Semelhantes conflitos são injunções da luta santificante. Quem muito fala aprenderá, mais tarde, a calar-se… Não se prenda às desarmonias alheias. Ligue-se ao bem e acompanhe as sugestões mais nobres. Enquanto a imperfeição dominar as almas, a crítica será um estilete afiado convocando-nos à demonstração das mais altas virtudes. Coloque sua mente e seu coração na 5ontade do Senhor e caminhe para a frente. As árvores ressequidas ou estéreis jamais recebem pedradas. Não têm fruto que tente os que passam. Avancemos corajosos no trabalho cristão.

Isidoro lamentava-se e o assunto transferia-se à reunião imediata.

De semana a semana, o aprendiz chorão multiplicava perguntas, até que, certa noite, agastado talvez com os incessantes apelos à serenidade que o instrutor lhe propunha, exclamou, desesperado:

— O que eu desejo, irmão Policarpo, é uma orientação decisiva contra os ataques indébitos. Que medida adotar para não sermos perturbados? Como anular a reprovação desalentadora? Por que processo nos livrarmos dela? Como furtar-nos ao remoque, à deturpação, à maldade?

O benfeitor espiritual sorriu, magnânimo, e acentuou:

— Ah! já sei… Você pede um remédio objetivo…

— Isto mesmo! — tornou Isidoro, ansioso.

— Pois bem — concluiu o amigo espiritual, benevolente —, a única medida aconselhável é a paralisia da consciência. Tome meio quilo de anestésicos por dia, descanse o corpo em poltronas e leitos, durma o resto da existência, despreocupe-se de todos os deveres, fuja à aspiração de elevar-se, resigne-se à própria ignorância e cole-se a ela, tanto quanto a ostra se agarra ao penedo, e, desde que você se faça completamente inútil, por mais nada fazer, a crítica baterá em retirada. Experimente e verá.

Isidoro escutou a estranha fórmula, de olhos arregalados e, daí em diante, começou a servir sem perguntar.


(.Humberto de Campos)


Irmão X
Francisco Cândido Xavier

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