Conversa Firme
Versão para cópiaPenas depois da morte
Assunto difícil este, Meu caro Gino Salerno, Comentarmos de outra vida O que existe sobre o inferno. Em tempos que já se foram, Eu também pensava assim: O inferno, depois da morte, Seria fogo sem fim. Mais tarde, a luta crescendo, Olvidei o mundo antigo Mas nunca larguei de todo De certo medo a castigo. Acreditava que a morte Depois de nossos fiascos, Colocasse à nossa frente, Algemas, troncos, carrascos… Sofrimentos, em verdade, Não faltam no Mais Além: Impedimentos, prisões E adversários do bem. Espíritos infelizes Inventam charcos e dores Criando painel imenso Das trevas exteriores. No entanto, por mais abismos A que a pessoa se lança, A Lei de Deus determina Que a ninguém falte esperança. Tal qual sabemos na Terra, Para além da sepultura, O que se tem no caminho É aquilo que se procura. A culpa é desequilíbrio Sob impulsos insensatos, E a mente resguarda, ao vivo, A conta de nossos atos. O inferno, por isto mesmo, Seja ele o mais atroz, É o conflito dos conflitos Que surgem dentro de nós. Cada qual transporta em si — Do mais crente ao mais ateu, — O resultado infalível De tudo quanto escolheu. Por simples anotações E ensinamentos gerais, Recordarei com você Vários casos infernais. Você lembra a sovinice Do fazendeiro Adão Noce, Desencarnado, agarrou-se Aos sofri mentos da posse. Querendo vingar o filho Enlouqueceu Dona França, Mas vive depois da morte Atarracada à vingança. Morreu pisando nos outros, Nhô Lino do Lumaréu, Sem corpo, mora no barro Mas pensa que está no Céu. Finou-se atracado à gula O nosso Antonino Lodi; Agora, enxerga a comida, Que tocá-la mas não pode. Foi-se a tóxicos violentos, Juquita de Dona Altina; No Além, anda alucinado, Reclamando cocaína. De tanto excesso em bebida Morreu Nhô Nico da Alfafa; Hoje, vê tudo o que encontra, Sob a forma de garrafa. Morreu Nhô Juca, usurário No Roçado da Moenda; Mesmo assim, vive ligado Nas porteiras da fazenda. Ódio e briga? Escute esta: Desencarnado, o João Fava Foi chamado a proteger O genro que detestava. O assunto é isso, meu caro, Sem engano e sem talvez, Só se recolhe da morte A vida que a gente fez. Céu, inferno e purgatório, Sejam daí ou daqui, Cada pessoa carrega O que buscou para si. |
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