Coração e Vida

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Capítulo XXVII

Paterno amor


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Na entrada do asilo,

Um homem robusto, jovem e tranquilo,

Apresentava o pai, um velho que contava

Oitenta e dois janeiros de existência,

À funcionária atenta que o ouvia…

Após sentá-lo num pequeno banco,

Falou à moça em tom seguro e franco:


— “O velho já não sabe o que pensa ou o que diz,

A gritar e a gemer de exigência à exigência,

Formou de minha casa

Um recanto infeliz,

Cujo clima de luta é fogo que me arrasa.

Não quero ver meu filho

Crescendo com o avô inconveniente,

Quero-lhe a internação

De modo permanente.

Quanto custa a pensão?”

A moça respondeu indiferente:

— “A pensão é de quatro mil cruzeiros

A serem pagos mensalmente”.


O senhor fez o cheque

Fazendo o pagamento da quantia

E depois de informar que voltaria,

Foi-se ao pai fatigado, explicando ao velhinho:

— “Meu pai, aqui é a nossa casa de descanso

Terás aqui mais sossego e carinho,

Ao voltarmos da Europa

Virei buscar-te, imediatamente”


O pranto deslizou sobre a face enrugada

E o velho respondeu em voz tremente:

— “O que será, meu Deus? Que medonho empecilho!…

Estar aqui a sós, sem te encontrar, meu filho!…

E como aguentarei a falta de meu neto?

Não queria afastar-me de meu teto!…

Peço por Deus!… Não te demores

E vem logo buscar-me…”

O filho replicou, quase asperamente:

— “Sem dúvida, meu pai, que podes esperar-me,

Mas não faças alarme…

Nada fará de mim um filho diferente,

Creio que ao fim do mês que vem,

Regressarei como convém…”


Mas o moço partiu e nunca mais voltou,

E ante a expressão do velho, triste e amarga,

Notava-se que o filho ali se despedira

Como quem se desliga de uma carga,

Agindo alegremente.

O velhinho viveu por lá, três anos,

De saudade, de dor e desenganos

A esperar pelo filho desertor;

A fadiga alterara-lhe a memória

Não sabia contar a própria história,

Declarava-se um rico possuidor

De terras e fazendas produtivas,

Mas entregara tudo ao filho sem amor

Numa procuração,

Sem julgá-lo capaz de alguma ingratidão,

E embora o filho lhe pagasse o asilo,

Sem questionar o preço,

Não lhe enviava notas de endereço…

Após trinta e seis meses de clausura,

O velhinho ralado de amargura,

Morreu clamando a falta da família…

O cadáver desceu à vala da indigência,

Por fim se lhe acabara a penosa existência.


Mas o tempo não para em parte alguma…

Quarenta anos passados,

De coração batido e passos retardados,

O homem que internara o esquecido velhinho,

Nota que a morte chega a cercar-lhe o caminho,

Poderoso senhor, não consegue expressar-se

Sob qualquer disfarce,

Tomba, inerme, no leito,

E ante o infortúnio da separação,

Grita por Deus, quer vida e proteção,

Mas a morte o reclama… O corpo se lhe esfria…

Vê-se desencarnado, em noite atroz,

Terrível e sombria… Chora quase sem voz,

Quando sente que alguém lhe toma o cérebro cansado,

E lhe diz brandamente:

— “Filho do coração, não te aflijas, nem temas,

Acabaram-se agora os teus problemas;

Confia em Deus, não percas a esperança,

Acalma-te e descansa…”

E beijando-lhe os cabelos,

Dedos mostrando carinhosos zelos,

Exclamou com ternura:

— “Agora, sim, achei minha ventura,

Eu sou teu pai!… Meu filho, estou aqui…

Amo-te agora, mais do que te amava,

E só Deus sabe a dor com que eu chorava

Com saudades de ti!…”




Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier

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