Diálogo dos Vivos
Versão para cópiaHora de descrença
Amigos que nos visitavam, em conversação conosco, reportavam-se ao grande número de pessoas que, na atualidade do mundo, mostram-se desinteressadas pela fé religiosa.
Incluíam entre elas a parcela de companheiros do nosso ideal que, embora continuem amparados pelas convicções espíritas-cristãs, afastam-se das atividades doutrinárias.
Detivemo-nos sobretudo na consideração dos irmãos de humanidade que se dizem afastados da ideia de Deus, que se declaram ateus, que afirmam preferir a condição de materialistas à de religiosos, espíritas, médiuns ou doutrinadores, em vista de conservarem os defeitos inerentes à natureza humana.
Detivemo-nos também no caso dos muitos que se dizem descrentes em vista das conquistas científicas do nosso tempo.
Após tais considerações preliminares, foram iniciados os estudos da noite, com O Livro dos Espíritos oferecendo-nos a questão 148, () que suscitou muitos comentários instrutivos. Encerrando nossas tarefas, Emmanuel escreveu a página Materialismo e Atualidade.
Nos mais diversos grupos religiosos temos companheiros que se confessam desolados por desenganos e se retiram da fé, asseverando-se dispostos a viver sem Deus.
Viver sem Deus para eles significa a demissão das disciplinas e obrigações que nos frenam os impulsos inferiores e nos impõem os deveres da educação própria.
Livres tais quais somos, procedem assim acreditando que se farão mais felizes pela adoção de semelhante atitude. No entanto, não se sabe de nenhum deles que haja chegado com isso à paz íntima, alicerce fundamental da felicidade.
É que a consciência ocupa em nós muito mais espaço que todas as estruturas que nos constituem o corpo e a alma.
Na Terra de hoje, em nos reportando ao veículo físico, transplantam-se peças determinadas e até mesmo certos órgãos podem ser extraídos sem prejuízo para a existência da criatura. Não existe, porém, qualquer cirurgia que atinja as forças da consciência. Será possível alterar ou anestesiar funções do cérebro que lhes serve de moradia, impedindo-se-lhes temporariamente as manifestações, mas todo processo de sedação do campo mental, que não se filie ao critério científico para efeitos de tratamento ou de cura, resultará sempre em desequilíbrio do qual a vítima voltará à revisão de si mesma para o necessário reajustamento.
Nenhum de nós foi criado para a irresponsabilidade.
Urge observar ainda que não somos tão ingênuos a ponto de admitir que basta crer em Deus para que nos sintamos anjos, ao invés de criaturas humanas.
Justamente por isso é que nos conhecemos nos débitos, defeitos, imperfeições, deficiências e inclinações menos felizes que ainda nos caracterizem a individualidade.
Entretanto, vale muito mais aceitarmo-nos como somos e aceitarmos os outros como ainda são, trabalhando pelo bem de todos, sob a inspiração da confiança em Deus, do que, a pretexto de virtude ou superioridade, nos declararmos contra Deus, caindo na rebeldia ou no ódio, na violência ou na sovinice, na inveja ou na criminalidade, no alcoolismo ou na toxicomania, na sexualidade descontrolada ou nos desvarios da inteligência.
Há quem diga, e com razão, que milhões de companheiros da Humanidade se bandeiam neste século para o materialismo. Todos eles, porém, permanecem no tumulto e na insegurança, procurando a paz e a alegria que não encontram. E isso ocorre, inelutavelmente, porque toda vez que nos arvoramos contra Deus optamos pela desorientação de nossa própria vida.
Diante dos irmãos que se afastam dos templos e oficinas da fé religiosa, oremos pela tranquilidade deles, porquanto se escolhem fugir de Deus, alegando obstáculos e tribulações na estrada real para a Vida Superior, muito maiores serão as dificuldades com que se observarão defrontados no terreno desconhecido em que se marginalizam. E prossigamos atentos nas obrigações que nos cabem, claramente convencidos de que todos aqueles companheiros nossos que pretendem a fuga de Deus continuam em Deus, ante a impossibilidade de viverem sem a própria consciência. Sofrem com a ausência de mais profunda intimidade com as tarefas alusivas à inspiração de Deus, suspiram pelo retorno à fé e se atormentam com a sede de harmonia inferior, motivos pelos quais à disciplina das Leis de Deus todos eles voltarão.
Não é por causa dos estudos e do progresso das ciências que os homens se tornam materialistas, mas por causa do orgulho e da vaidade. Isso afirma Kardec, em O Livro dos Espíritos, reproduzindo instruções espirituais, na questão 148. () E, a seguir, comenta: “Por uma aberração da inteligência, há pessoas que não veem nos seres orgânicos mais do que a ação da matéria, e a esta atribuem todos os nossos atos”.
Essa aberração da inteligência torna-se mais evidente em nossos dias. A diagnose de Kardec foi de absoluta precisão. No momento exato em que a cultura terrena perde as suas bases materiais e passa a girar na órbita do espírito — é absurdo, simples absurdo, lamentável prova da deformação da lógica pelo orgulho, a opção do materialismo. A matéria se desfez em energia, e, portanto, em vibração, nas mãos dos físicos; a descoberta da antimatéria revelou novo plano de vida; a astronáutica abriu-nos a possibilidade de contato com outros mundos habitados; os materialistas foram surpreendidos com a possibilidade de ver e fotografar o corpo espiritual do homem, e puderam constatar que esse corpo não se destrói com a morte.
Quais os dados que esses avanços do conhecimento oferecem a favor da concepção materialista? Só uma aberração da inteligência, uma deformação da razão, pode levar alguém a deduzir, dessa enorme revolução científica, que o materialismo saiu vitorioso. Os próprios filósofos materialistas, como no caso de Bertrand Russell, viram-se obrigados a estranhos malabarismos mentais para defender a sua concepção. Sartre, o filósofo do nada, perdeu popularidade em favor de Heidegger, até há pouco acusado de cair no misticismo.
É tolice dizer que o desenvolvimento atual das ciências favorece o materialismo. O próprio Einstein afirmou, bem antes desses avanços mais recentes: “O materialismo morreu por falta de matéria”. Quem opta pelo materialismo, nesta altura da evolução científica, revela falta de senso ou distúrbio do raciocínio. Seria o mesmo que Tomé dizer a Jesus ressuscitado: “Se toco as tuas chagas é porque não morreste”.
A tendência para o materialismo é ainda muito comum entre os jovens. “A juventude — disse Ingenieros — toca a rebate em toda renovação”. Os jovens trazem a missão de renovar o mundo e por isso lutam contra os princípios dominantes, rebelam-se contra os sistemas tradicionais. A luta da Ciência contra a Religião — o dogmatismo fideísta emperrando o progresso — mostra-lhes de que lado estão as forças renovadoras. Eles se alistam afoitamente desse lado. Mas o Espiritismo transformou esse quadro, revelando que a Ciência também pode frear o progresso. Os dogmas do materialismo científico são tão prejudiciais quanto os do fideísmo religioso. E os moços começam a compreender isso.
Temos de ajudar os jovens, mostrando-lhes que o Espiritismo não sofre dos prejuízos do dogmatismo fideísta ou do dogmatismo religioso. Temos de mostrar-lhes que a Ciência Espírita é hoje a posição de vanguarda. Mas para tanto é necessário desenvolvermos a Cultura Espírita, criando o clima adequado à compreensão da Doutrina em sua plenitude e não apenas no seu aspecto religioso. Ai dos que tentam afastar os jovens do Cristo, subordinando-os à rotina dos velhos. O Espiritismo é a juventude do mundo, é a rebelião contra os erros do passado. Ele nos propõe uma hora de fé, mas de fé racional, de fé pelo saber.
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