Diálogo dos Vivos

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Capítulo III

Consulta sobre o amor


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Francisco Cândido Xavier

As páginas de Cornélio Pires, enriquecidas com os seus apontamentos doutrinários, caro Professor, têm motivado interessantes comentários e solicitações.

Assim é que, em uma de nossas reuniões públicas, tendo O Livro dos Espíritos nos dado para estudo a questão 296, () e depois das explanações a respeito, por uma de nossas irmãs presentes, o nosso amigo Cornélio respondeu à carta de um companheiro que o consultou acerca do amor no Plano Espiritual, resposta que lhe enviamos desejando vê-la divulgada com os seus comentários.


— Sugerimos, a propósito, a consulta dos livros anteriores desta série: Chico Xavier Pede Licença, Na Era do Espírito, Astronautas do Além.



Cornélio Pires

Recebi o seu pedido,

Prezado amigo Antenor,

Você deseja saber

O que pensamos do amor.


Falarei do amor terrestre,

Não daquele que conduz

Nossa vida e pensamento

Para a união com Jesus.


É verdade que não tenho

Direito algum que me assista;

Por isso, exponho a você

Meu simples ponto de vista.


Conforme acredito hoje,

Nos pobres estudos meus,

O amor na totalidade

É a natureza de Deus.


No entanto, pelo que vejo,

Quanto ao que sinto e ao que faço,

O amor é Deus em nós todos…

Cada qual tem um pedaço.


De tudo, porém, que amamos,

Até quanto conhecemos,

Quanto menos possessão

Maior a porção que temos.


O amor, quando chega, alcança

Nossa vida rotineira,

Parecendo o orvalho à noite,

Quando cai na laranjeira.


Mas é preciso cuidado

Por dentro do coração.

Toda afeição caprichosa

Traz grande perturbação.


Quando a pessoa faz isso,

Lá se vai a luz do bem:

Carinho vira paixão

Que não dá paz a ninguém.


Olhe a história de Quinota:

Dizia adorar Lineu,

Porque o moço quis a prima,

A coitada enlouqueceu.


Delfim perseguindo Joana

Que, de fato, o não queria,

Atirou sobre o pai dela

E acertou Dona Maria.


Joaquim namorava Zélia;

A paixão nele era fogo…

Quando viu Zélia doente,

Colou-se à Tina Diogo.


Antônia clamava sempre

Que amava Zeca Vilaça,

Mas Zeca perdeu as pernas

E Antônia sumiu da praça.


Recorde o que sucedeu

Com Camilo Felisberto,

Desprezado por Joaquina,

Matou-se com tiro certo.


O amor, na Terra, em verdade,

Pode ter grande aconchego,

Mas para viver em paz

Não deve ter muito apego.


O amor, enfim, vem de Deus,

Mas se em nós vira paixão,

Parece cousa de louco

Ou trama de obsessão.



Irmão Saulo

O desapego é uma constante nas lições dos grandes mestres espirituais. E mesmo na vida terrena as pessoas sensatas e experientes compreendem os perigos do apego amoroso. Todas as escolas de Psicologia denunciam esses perigos e, desde os gregos até nós, os filósofos ensinam que a felicidade depende da nossa capacidade de libertar-nos do apego às coisas e aos seres. O ciúme é sintoma de apego e leva a desequilíbrios perigosos, podendo gerar doenças graves e acarretar crimes nefandos.

Lemos sempre nos jornais a expressão: “Matou por amor”. Mas a verdade é que o amor não mata, pois o amor é vida e não morte. O que mata é o ciúme, o apego amoroso, gerado por sentimentos inferiores de posse exclusivista da pessoa amada. Esses sentimentos são resquícios animais da espécie que racionalmente devemos expulsar de nós, ao invés de racionalmente aumentá-los, como em geral fazemos. Nossa imaginação pode levar os instintos animais a intensidade ameaçadoras, o que jamais ocorre nas espécies animais. Temos de aprender a amar sem apego.

Quando Cornélio escreve que “o amor na totalidade é a natureza de Deus”, () lembra-nos a afirmação de João, em seu Evangelho: “Deus é amor”. (1Jo 4:8) E Cornélio tira deste princípio a explicação do antigo mistério da presença de Deus em nós, afirmando: “O amor é Deus em nós todos, cada qual tem um pedaço” () . A seguir, adverte que quanto menos possessão pusermos no amor, mais amor teremos em nosso coração. É impossível dar-se uma lição tão elevada com palavras mais simples e de maneira mais natural.

Toda a dinâmica da evolução espiritual se esclarece na simplicidade caipira desses versos. Deus está presente em nós pela nossa capacidade de amar, mas enquanto não superarmos o nosso egoísmo, que tudo quer com exclusividade, o amor permanecerá sufocado pela vaidade, o desejo e a ambição. Poderíamos perguntar: mas se o amor é o próprio Deus, por que ele não vence o nosso apego? A resposta é clara: porque amor é liberdade. O amor é Deus chamando-nos para a liberdade, convocando-nos ao desapego por nossa própria compreensão e decisão. Deus não nos ama com apego, mas com liberdade e por isso não quer impor-nos a compreensão do amor que devemos atingir por nós mesmos.



Francisco Cândido Xavier


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