ENTRE DUAS VIDAS
Versão para cópiaElvira Abrigatto Grisi
Meu bem, louvado seja Deus que nos permite esta hora abençoada de reencontro, ao lado de nossos filhos.
Amparada por nossa abnegada Mariana e por outros amigos, aqui me encontro, na tentativa de escrever-lhe esta carta, que desejo mais longa.
Sinceramente, as lágrimas me sobem do íntimo, dificultando-me os movimentos. Nossos Benfeitores, porém, auxiliam-me, como é necessário, e procurarei expressar a você os meus sentimentos, na alegria e na saudade que me tomam o coração.
Venho pedir a você e aos nossos para que a fé realize, em nosso favor, a indispensável produção de fortaleza e esperança.
Sei que a paciência e a resignação permanecem conosco; entretanto, por mais firme a nossa confiança no Alto, a separação é sempre uma prova aflitiva e inquietante.
De minha parte, venho fazendo quanto me é possível. O possível para acomodar-me em espírito com as nossas realidades novas. A princípio, confesso que o choque final me feriu muito.
Não era somente o trabalho pelos nossos irmãos sofredores, a sombra que me dilacerava o espírito… Era também você, meu bem, nossos filhos, nossa casa, nossos planos…
Sem dúvida, sua companheira estava preparada à frente da grande viagem, mas o amor da esposa e o carinho materno me transformavam numa árvore, profundamente enraizada na Terra.
Quem pode sondar a misteriosa ternura do coração humano, nas despedidas da morte?
Saiba que só a vida vitoriosa me esperava, que o corpo físico havia cumprido a própria missão, que não seria justo prolongar os cuidados que a minha presença exigia; no entanto, se alguém me perguntasse algo, quanto aos últimos desejos, decerto que a minha resposta expressaria o anseio de ficar, de permanecer em nossa união sublime que, em verdade, foi sempre o melhor paraíso para a minha alma.
Contudo, compreendi, de imediato, que a conformação deveria ser a nossa atitude. Sob a dedicação afetuosa do nosso Romeu de Ângeles e de nossa Mariana, tanto quanto sob a proteção generosa de outros amigos, transferi-me sem resistência.
Até hoje, ainda me vejo na convalescença semelhante à dos enfermos que se recuperam, pouco a pouco, depois de grave moléstia. Ainda assim, gradativamente, venho retomando o meu bom humor e a minha alegria.
Sei, agora, mais que nunca, quão sublime é a Bondade de Jesus e, nessa confiança, procuro descansar a mente, quando as lembranças do mundo se agigantam dentro de mim.
Peço a você, meu bem, a você e especialmente aos nossos filhos Romeu e Hilda para que a nossa tarefa não seja interrompida.
Daquele santuário de amor em que situávamos nossas preces e nossos ideais, a benefício de nossos irmãos perturbados, retirei a paz de consciência que hoje me felicita.
Bem-aventuradas foram para mim todas aquelas horas, tão poucas, em comparação com as bênçãos que hoje recebo, nas quais procurávamos, de algum modo, aliviar a flagelação espiritual de quantos nos batiam às portas da fé, suplicando socorro.
E com vocês, espero continuar, tão logo me veja plenamente fortalecida, na tarefa começada por nosso grupo doméstico. Amparada nos valores mediúnicos de vocês três, conto com a felicidade de prosseguir trabalhando. Agora sinto como é bela a sementeira da caridade.
No mundo, a sombra do próprio mundo como que nos obscurece a visão. Mas as realidades eternas, efetivamente, nos reajustam e reconhecemos que o nosso verdadeiro lucro procede invariavelmente daquilo que sabemos espalhar no campo do bem.
Uma só lágrima que enxugamos nos olhos alheios, uma frase de consolo e de estímulo, uma prece que oferecemos ao próximo em dificuldade, uma gota de remédio ao doente ou uma simples conversação em que buscamos reerguer o ânimo abatido de quem jaz caído nos espinhos do sofrimento ou nas trevas do desânimo, falam de nós aqui, a benefício de nossa felicidade real, enriquecendo-nos a estrada de luz e de incentivos santos.
Meu bem, você não se deixe abater hora alguma. Reúna suas forças e esteja convencido de que prosseguimos sempre juntos.
Romeu, filho querido, você e Hilda encorajem-se. O serviço é grande e não podemos desertar.
A ventura, como a sonhamos, pode ser alicerçada na Terra, mas não pode ser encontrada aí no mundo em seus pontos mais altos. E como é preciso merecê-la com Jesus, cuja bondade infinita nos segue, atualmente, em toda parte, confio em vocês dois, cada vez mais unidos, saberão vencer obstáculos e pedras da senda para que, intimamente associados, consigamos adquirir a vitória de nossa comunhão perfeita do amor divino.
Meus filhos, abençoem a dor. É por ela que nos renovamos para o trabalho de redenção que nos cabe realizar. Juntos, devotar-nos-emos à paz de todos.
Nosso Rubens, os meninos, todos receberão de nossa perseverança a força precisa de que carecem para a compreensão mais clara da vida.
Em todos os problemas e dificuldades, reunir-nos-emos na faixa de luz da oração.
Nossa oportunidade de melhoria para o futuro é preciosa e grande demais para que venhamos a perdê-la, por simples receio da luta.
Creio que o nosso Romeu, realmente, abraçará, por agora, tarefas diferentes, mas nós, com o auxílio dele, embora distante, e com a cooperação de outros companheiros, continuaremos o bom combate.
Guardem nosso velho otimismo. Nada de pranto, de aflição, de tristeza. Somos chamados à honra de servir aos nossos semelhantes necessitados e, com Jesus por sol de nossas aspirações e atitudes, venceremos no grande caminho.
Não escrevo mais por hoje, em vista de não me ser possível continuar. Nossa querida Mariana lembra-me o ponto final e devo obedecer.
Hilda, rogo a você, minha filha, coragem e confiança. Romeu, meu filhinho, não desanime. Estarei com vocês, tanto quanto me seja possível.
Meu bem, sou muito grata ao devotamento do nosso bom amigo Dr. Plínio, em meu favor, e agradeço a ele quanto fez por nós.
Minha gratidão ao nosso Gerson, que nos partilha as preces desta hora de carinho e comunhão.
Mais tarde conversaremos. Mais tarde, reconheceremos juntos a felicidade de receber a bênção do Senhor que nos reaproxima, trazendo-nos do passado ao esforço do presente, para a construção de nosso abençoado futuro.
Meu bem, confie em Deus e receba o meu coração reconhecido por todo o seu amor e por toda a sua abnegação junto de mim.
Com o meu beijo de carinho e agradecimento em seu coração e em suas mãos, ao seu lado e em nossa nova luta, sou e serei sempre
(Pedro Leopoldo, 2 de julho de 1954)
Antes de quaisquer considerações em torno do conteúdo doutrinário da própria mensagem, vejamos algo de sua história com as palavras do Sr. Carmelo Grisi.
“Chegando a Belo Horizonte, — diz ele — procuramos saber se Chico Xavier se encontrava em Pedro Leopoldo e se havia possibilidade de nos atender pessoalmente. Como a resposta ao nosso telefonema fora afirmativa, dirigimo-nos, sem perda de tempo, à Fazenda Modelo, próxima à cidade de Pedro Leopoldo, onde Chico já nos esperava. Do alpendre da fazenda, veio ao nosso encontro e disse-me:
— Carmelo, D. Elvira se acha aqui, em companhia de três entidades amigas, pois que ela ainda está em convalescença. A primeira entidade chama-se Camilo Matos, vocês o conhecem?
— Sim, de nome. Trata-se de um militante da Doutrina Espírita, que residiu em Ribeirão Preto.
— A segunda entidade, prosseguiu Chico, é D. Gracinda Batista e a terceira D. Mariana, vocês a conhecem?
— Sim, respondeu Carmelo Grisi, a primeira só de nome, e a segunda é minha tia Mariana Agreli.
— Não, retrucou Chico, os Espíritos estão me dizendo que a terceira entidade tem o nome de Mariana Aurora Ferreira. Vimos então que se tratava de uma velha amiga e companheira da irmã Elvira, em São José do Rio Preto.”
D. Elvira Abrigatto Grisi nasceu em Jaboticabal, Estado de São Paulo, no dia 17 de julho de 1901, e desencarnou em São Paulo, Capital, a 12 de fevereiro de 1954.
Num curto espaço de tempo, residiu na cidade de Nova Granada, Estado de São Paulo, passando o resto de sua vida terrena a residir na cidade de São José do Rio Preto, no mesmo Estado. Militou no trabalho espírita, no setor da Desobsessão, durante trinta e oito anos ininterruptos.
Fato digno de se notar na mensagem recebida pelo médium Xavier, ao final da reunião pública do Centro Espírita Luiz Gonzaga, na noite de 2 de julho de 1954, cinco meses somente após a desencarnação, é que a autora espiritual se refere a dois Romeus, sendo o primeiro deles o seu Espírito Guia, durante o jornadear terreno, Romeu de Ângeles, confirmando as questões n.os 489 a 521 de , de Allan Kardec, a respeito dos Espíritos protetores, familiares ou simpáticos.
Expressiva, sem dúvida, esta advertência aos filhos que ficaram no mundo:
“A ventura, como a sonhamos, pode ser alicerçada na Terra, mas não pode ser encontrada aí no mundo em seus pontos mais altos”, enfatizando: “Meus filhos, abençoem a dor. E por ela que nos renovamos para o trabalho de redenção que nos cabe realizar”.
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