ENTRE DUAS VIDAS

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Capítulo V

Fernando Antônio Leão


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Querida mãe, minha querida mãezinha, peço a Deus nos envolva em sua bênção.

Não sei ainda, mas tudo aconteceu de repente. Sou trazido à sua presença para tranquilizá-la.

Escrevo com auxílio. É muito pouco, muito pouco o tempo de que venho dispondo para ver tudo claro. Mas a senhora está sofrendo demais e suas aflições me alcançam na casa de recuperação onde estou.

Vejo-a quase todas as noites, a chamar-me e querendo morrer.

Se o seu coração amoroso pudesse ver o que sofro ao ver a senhora sofrendo tanto, penso que tudo estaria diferente.

Não chore mais assim, pensando que está sozinha. Temos Deus, mamãe, Deus não morre, Deus não desaparece. Ajude-me. Acalme-se. Não tenha receio da solidão.

Fortalecidos na fé, estaremos mais juntos. Não peça com tanta dor pela presença de seu filho.

Não julgue que a sua tarefa terminou. Lembre-se, mãezinha. Quando meu pai veio para a vida em que estou, conversávamos sobre nossos ideais de fazer o bem ao próximo. Eu sei que a senhora somente viveu para nós dois, meu pai e eu, e afinal, está sem nós, mas isso é só no Plano físico. Temos uma grande família para zelar, os mais necessitados que nós, para quem espero venhamos a trabalhar mais unidos.

Não tome refeições fora de casa. Não tenha medo de nosso ninho doméstico. Não sinta a nossa casa vazia.

Pense, mamãe. Pense naqueles que não possuem senão a provação e a necessidade e para quem um pão, às vezes, é um tesouro completo. Viva. Viva querendo viver para atender ao que as Leis do Senhor esperam de nós. Auxilie seu filho a recuperar-se.

Choremos porque as lágrimas são orações sem palavras, mas tão somente aquelas que não guardam a labareda da revolta.

Sei que a senhora em nossa fé nunca foi revoltada; no entanto, quando ficamos por conta da aflição, como se não tivéssemos mais Deus por nós, a nossa dor é também uma rebeldia.

Ajude-me. Não contemple o meu retrato, conversando em pranto de angústia.

E agradecendo o seu imenso carinho, peço-lhe para que não me recorde como me viu em nosso último encontro em Batatais. Tudo passou.

O dia é novo. Confiemos Naquele que acende a luz para que nunca estejamos nas trevas.

Não tenho meios para contar-lhe o que sucedeu. Recordo-me de que viajei pensando em regressar para estarmos juntos pelo Natal.

Compreendi que a senhora tinha razão em querer reduzir as nossas atividades para concentrar-nos com mais segurança no Rio ou em outra cidade.

Creia, mãezinha, que não contava com o desenlace. Saímos de automóvel despreocupadamente para alcançar o sítio.

O Guerra e o Clodoveu conversavam animadamente comigo. De quando a quando, notava que a velocidade era muita, mas queríamos chegar mais cedo e descansar convenientemente para ver o trabalho que nos esperava no dia seguinte.

A certa altura, lembro-me de que o Clodoveu me falava sobre preços de terras no sudoeste, depois da instalação de Brasília. Contava-me opiniões do Clóvis e de outros amigos e ouvíamos com atenção…

Depois, somente ouvi um barulho que ainda percute dentro de mim, sempre que me proponho a rememorar o que aconteceu.

Nada senti, nem nada vi. Era um sono o que eu sentia? Não sei.

Posso apenas dizer à senhora que acordei em casa do Tio Beni, quando a sua voz me chamava. Mas quem diz que eu poderia responder?

Vi um padre amigo, que depois vim a saber que era o padre Ângelo, que eu não conheci. Dizia auxiliar-me, a pedido de benfeitores, mas não entendi nada. Para mim era tão natural e tão confortador encontrar um sacerdote amigo, como alegre me sentiria encontrando um padre amigo no mundo, nas horas de crise e dificuldade.

Vi muita gente e acreditei que tinha ocorrido um desastre.

Queria falar com a senhora que eu estava bem, entretanto, não pude. A cabeça estava em fogo, quando vi meu pai e compreendi o que acontecera… Mas abati-me demais com a surpresa e fui carregado para o tratamento devido, na casa onde estou.

Do Guerra e do Clodoveu, nada sei. Peço a Deus para que estejam bem.

Não posso fazer perguntas. Sou ainda um doente e não devo abusar.

Mas vim até aqui, a fim de pedir-lhe fé e coragem. Não estou morto. Estou diferente. Só isso.

Se a senhora me ajudar, ficarei melhor mais depressa.

A senhora fala em suas preces, que lamenta não me haver prestado assistência e pergunta porque Deus teria permitido a minha transformação fora de casa. Entretanto, mamãe, recordemos Jesus. Ele também, Nosso Senhor e Mestre, conheceu a morte fora do lar, sob o céu que é o teto de todos.

Pensemos em Jesus e a conformação virá para nós dois. Ajude-me. Abençoe-me.

Viveu a senhora sempre especialmente para mim. Quero viver agora para o seu coração querido.

Nossos Amigos, que me auxiliam, não permitem que eu escreva por mais tempo.

Receba, querida mãe, meu abençoado Anjo da Guarda na Terra, todo o amor e toda a confiança de seu filho


Fernando Antônio

(Uberaba, 5 de fevereiro de 1972)



Em palestra com a genitora do comunicante, minutos após a recepção da mensagem, na noite de 5 de fevereiro de 1972, inteiramo-nos de que Fernando Antônio Leão nasceu em Ribeirão Preto, Estado de São Paulo, a 6 de novembro de 1940, filho único de Agenor da Silveira Leão e de D. Eneida Tondella Leão, e desencarnou a 8 de dezembro de 1971, em desastre de automóvel, ocorrido entre Goiânia e Rio Verde, Estado de Goiás, juntamente com mais dois passageiros, seus amigos. O carro era guiado pelo Guerra.

Foi sepultado em Batatais, Estado de São Paulo.

De família católica, acreditava em Deus. Contudo, não era praticante.

Depois da desencarnação do seu pai, exatamente em 26 de julho de 1970, sentia Fernando Antônio medo de ficar sozinho, passando, em razão disso, por problemas emocionais que o levaram a um tratamento psiquiátrico, submetendo-se à terapêutica adequada, incluindo a sonoterapia.

D. Eneida, que reside hoje no Rio de Janeiro, Estado da Guanabara, diz-nos que padre Ângelo era de Rio Verde, Goiás, e que o pai tinha ciúmes do filho, achando que a mãe dava mais atenção ao filho que a ele, marido.

Submetida a assinatura da mensagem à apreciação da genitora de Fernando Antônio, esta reconheceu a sua autenticidade, e se emocionou, principalmente com o seguinte trecho da página mediúnica:

“Choremos porque as lágrimas são orações sem palavras, mas tão somente aquelas que não guardam a labareda da revolta”.


Elias Barbosa


Fernando Antônio
Francisco Cândido Xavier

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