Entre Irmãos de Outras Terras

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Capítulo XVI

Entrevista em Nova Iorque


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Passeando no Central Park, em Nova Iorque, surpreendi um amigo espiritual de olhar sereno e doce, entre os obreiros desencarnados que repousavam, após o dia.

— Você conhece? — perguntou-me o Serpa, colega que me partilhava a pequena excursão.

E espicaçando-me a curiosidade :

— Aquele é Horace Greeley, observador do Espiritismo, na América…

Não pude sopitar o impulso afetivo que me requisitava para ele e aproximei-me.

— Horace Greeley? — indaguei, emocionado — mobilizando o meu péssimo inglês, praticado nos últimos tempos.

— Sim, para servi-lo.

Percebendo-me as dificuldades no ensaio do tratamento, ele mesmo desembaraçou-me:

— Chame-me por irmão. Somos companheiros de jornada. Já ultrapassamos os velhos marcos dos preconceitos.

O nosso diálogo deslizou, então, claro e simples:

— Meu amigo — recomecei —, tenho visitado frequentemente os Estados Unidos, junto de , antigo lidador do Espiritismo no Brasil, que habitualmente me fala do seu apostolado… Semelhantes viagens adquiriram expressão de rotina para mim. Agora, no entanto, acompanhamos amigos do Brasil, em tarefa espiritual, num encontro fraterno com o povo norte-americano, e estimaria ouvir-lhe algumas palavras…

— Em que lhe poderia ser útil?

— Não lhe será incômodo dizer-nos algo, em torno do movimento espírita em seu país?

— De modo algum. A Nova Revelação, que passou a ser conhecida, entre nós, como sendo o moderno “Espiritualismo”, enfrenta valorosamente aqui os obstáculos que o materialismo acumula contra nós todos, no presente século, e vai concretizando a sua benemérita obra missionária.

— Crê o senhor que ela se acha aparelhada com todos os recursos precisos para superar os empeços da nossa época?

— Não. Não devo superestimar a nossa capacidade de concepção e de ação. O apego aos fenômenos, em nossa esfera de luta, determinou o surgimento de entraves com que não contávamos. A fome de demonstrações para os olhos físicos, até certo ponto, deixou para trás a visão da alma. Realizamos e continuamos a realizar excelentes construções no terreno científico, de maneira a patentear a sobrevivência da alma; contudo, talvez detidos demais na feição unilateral do problema, não nos lembramos de que a edificação mora.l exige de nós a mesma força de serviço e persuasão.

— Mas, o Espiritualismo, na América do Norte, está, alimentado pela seiva do Cristianismo…

— Sem dúvida. É necessário frisar, porém, que temos dado ênfase excessiva ao Cristianismo estático da crença que aprecia Jesus por salvador externo, sem admiti-lo na condição de mestre da alma, com instruções e disciplinas para o mundo íntimo. Faltam-nos os esclarecimentos incisivos de Allan Kardec, capazes de induzir-nos à fé raciocinada e à aceitação do Evangelho de Jesus por sistema de renovação e aperfeiçoamento do campa individual.

— Isso quer dizer que o senhor tem estudos meditados sobre a Codificação Kardequiana.

— Como não?

— Julga o senhor que a Codificação Kardequiana seja inatacável?

— Na essência do ensino de que se faz portadora, ela se ergue sobre indicações e diretrizes incorruptíveis como a própria vida, mas na superfície que as palavras entretecem é natural que ela venha, com o tempo, a sofrer revisões como qualquer construção, por mais respeitável, que passe na Terra por mãos humanas. De qualquer modo, vocês, os nossos irmãos latinos, devem a Allan Kardec benefícios inapreciáveis do plano moral, principalmente porque ele foi fiel aos Espíritos 1nstrutores que lhe presidiram a obra, apresentando a Doutrina Espírita como doutrina deles, de caráter universal, na revivescência do Evangelho do Cristo… Nós, os companheiros do mundo anglo-saxônio, destacamos dois pontos de fundamental importância de que Allan Kardec não se descuidou, em favor da Humanidade: a vinculação do Espiritismo ao Cristianismo dinâmico e a obrigação da mediunidade gratuita. O Cristianismo dinâmico é uma escola de orientação que interfere nos processos da consciência, despertando cada criatura para a responsabilidade de viver, e a mediunidade gratuita é o único meio de assegurar a livre manifestação do Mundo Espiritual.

— Que diz o senhor da mediunidade remunerada?

Greeley sorriu, na pausa com que pareceu refletir no delicado assunto que a nossa inquirição levantava, e considerou, franco:

— Não podemos esquecer que, nas áreas de língua inglesa, temos tido médiuns abnegados, em todos os tempos, que tudo deram de si à causa da verdade, sem a recompensa de um ceitil, e que, ao lado deles, outros muitos terão tido necessidade de amparo material para o serviço a que foram chamados; entretanto, somos constrangidos a reconhecer que a mediunidade será gratuita ou a Nova Revelação será abafada ou prejudicada por interesses inferiores ou exclusivistas.

— Sabemos que o senhor conheceu as …

— Perfeitamente.

— Desejaria aditar algum apontamento de sua parte à história delas?

— Nenhum. Elas experimentaram, como quaisquer pioneiros do progresso, as vicissitudes do clima terrestre em que viveram. Não será lícito desconhecer-lhes as fulgurações e nem reprovar-lhes as fraquezas… Eram, como nós, criaturas humanas, entre as atrações da sombra e as exigências da luz.

Compreendi que estava transformando a minha pesquisa num inquérito demasiado longo e abreviei:

— Meu amigo, que nos pode falar acerca da reencarnação nesta parte do continente?

— A certeza da reencarnação avança, cada vez mais, em nosso campo de serviço. O tema concerne à verdade e a verdade, a pouco e pouco, se revela de modo irreversível.

— O senhor tem alguma sugestão para nós, os irmãos brasileiros?

— Quanto nos seja possível, cultivemos o esforço da aproximação recíproca. Aprendamos e sirvamos juntos. Conheçamo-nos. Permutemos estudos e conclusões. Evolução é trabalho de Espíritos reunidos.

Fixei, com mais enternecida atenção o fundador do “Herald Tribune” e rematei:

— Estamos sumamente satisfeitos. Muito gratos por sua palavra sincera e persuasiva. Possuímos em sua presença uma das glórias mais altas do jornalismo americano e não será justo esquecer que Nova Iorque lhe honorifica a memória com uma estátua no Greeley Square…

O entrevistado, no entanto, cortou-me a ponderação, exclamando:

— Não me diga isso. Sou apenas um Espírito consciente, buscando a execução do próprio dever…

E acrescentou sorrindo:

— Se você admite a existência de glórias humanas, observe, quando passar na praça referida, a estátua de que me fala e verá que a poeira e os pombos não acreditam nisso.

Em seguida, Horace Greeley pronunciou expressões de amizade e bênção, que profundamente nos comoveram, e afastou-se, a passo rápido, como quem seguia ao encontro de tarefas inadiáveis, sob a noite de cinza.


(.Humberto de Campos)


(Nova Iorque, N.I., EUA, 12, Julho, 1965.)

(Psicografado por Francisco C. Xavier.)



Irmão X
Francisco Cândido Xavier


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