Estamos Vivos
Versão para cópiaJúlio Brasílio Moraes
Querida mãezinha Eva, abençoe-me.
Associando o papai Jerônimo aos meus votos a Jesus por sua saúde e paz, felicidade e bom-ânimo, venho pedir-lhe fortaleza e fé vigorosa na bondade infinita de Deus.
Querida mãezinha Eva, aquela minha queda sob o impacto de um projétil disparado sem a intenção de alcançar-me, é o quadro que lhe ficou na memória, como se aí estivesse incrustado em linhas de bronze.
Mãe, não chore mais, nem pense assim. O autor do disparo não tinha consciência de que as dificuldades no assunto seriam minhas e não da outra pessoa, talvez a pessoa que ele desejava atacar, e isso nos obriga a compadecer-nos dele e a entregá-lo a Jesus na enfermaria da oração.
Quando me vi horizontalizado, justamente quando vinha para um estágio temporário com a família, no Brasil, para em seguida regressar à América, onde a irmã Vera Lúcia me aguardava, eis que um projétil me rouba a vida física.
A princípio, senti muita revolta no coração, mas, sem pronunciar palavra, quando as minhas últimas energias entravam em exaustão, na penumbra a que me reconhecia atirado, vi que uma senhora se abeirava de mim, impelindo-me a descansar.
Era a vovó Clotildes, nas afirmações dela própria, aconchegando-me ao peito, qual se eu lhe fosse novamente uma criança.
Não resisti à diminuição de minha resistência e dormi um sono pesado, do qual não despertei senão depois de alguns dias.
A voz era apenas um cochicho em minha garganta, quando a vó Clotildes me falou que não estranhasse. Achava-me num posto de socorro espiritual, deixado pelo irmão Ricardo Campos, que era respeitado em Rio Verde por pai espiritual dos desamparados, e ali recebi tratamento e assistência, até que um dia, considerado portador de melhoras apreciáveis, pude ir vê-los ou revê-los em casa.
Doeu-me o seu suplício de mãe, ao lembrar-me, e roguei a Jesus, em preces, lhe renovasse as forças, porque o que eu experimentara, em Rio Verde, era o retorno de meu próprio passado espiritual. Contraí aquela dívida e foi justo respeitá-la.
Por iniciativa da vovó Clotildes, me foram mostrados a mim painéis e retratos do tempo em que eu fizera o mesmo com um rapaz recém-diplomado em Coimbra, e que voltava ao nosso país, com o raciocínio enfeitado de sonhos.
As fotos e os quadros não me enganavam. Era eu mesmo a perpetrar a barbaridade que me desfigurava, e um sentimento de alívio me penetrou o Espírito ainda rebelde e inconformado.
Compreendi a minha dívida e aceitei-a, e agora venho pedir-lhe esquecer o que sucedeu no sudoeste de Goiás, tanto quanto procuro olvidar tudo e começar uma vida nova.
Mãezinha, auxilie-me. Não se desespere. Pensemos em Natal e Ano Novo. Reúna-se com a família, recordando-me a paz.
Deus nos concede sempre o melhor e confio em que receberemos do Céu tudo aquilo de melhor que possamos receber. Não guarde ressentimentos.
Meditemos no sofrimento moral das mães que lutam ao ver os filhos culpados nas grades da prisão, e note que isso não aconteceu comigo.
Não fui vítima, porque somente liquidei um dívida que me conturbava; rendo graças a Deus pela paz que veio habitar em meu coração.
Tanto quanto possível, peço-lhe para que o assunto não seja lembrado em nossa casa, porque o esquecimento é o melhor recurso para apagar todos aqueles que me recordem caído e amarrotado, quando isso era e foi um benefício de Deus para mim.
Venho desejar-lhes um Feliz Natal e um Feliz Ano Novo, repletos de bênçãos. Todos os dias são novas oportunidades de renovação e serviço.
Peço aos queridos irmãos José Carlos, João Bosco e a todos os demais, inclusive os nossos queridos Paulo Estêvão e Victor, para que estejamos todos alegres e esquecidos do episódio infeliz.
A nossa Vera Lúcia, tanto quanto me aconteceu, vinculou-se à comunidade norte-americana, e decerto não voltará ao nosso país, a fim de residir.
E eu, transferido para a Vida Espiritual, sob a proteção dos amigos fiéis que encontrei, passarei à condição de cooperador dos irmãos que se fazem mensageiros do Pai, ao lado de nosso irmão Ricardo Campos e de outros benfeitores.
Querida mãezinha, tenho recebido as vibrações de paz e entendimento que me buscam em nome do papai Jerônimo, e agradecendo ao seu coração de mãe todos os recursos de renovação e paz que me envia em suas orações, beija-lhe a face querida o filho e servidor de sempre, sempre ao seu lado com todo o meu coração,
De nossa entrevista com D. Eva Lemes Moraes, residente em Goiânia, GO, à Avenida Tocantins, 1.121, Edifício Tambaú, Apartamento 903 — CEP 74000, fone
Júlio Brasílio Moraes, filho do Dr. Jerônimo Carmo de Moraes, distinto advogado, e de D. Eva Lemos de Moraes, nasceu em Rio Verde, Estado do Goiás, no dia 9 de junho de 1957, e aí desencarnou, no dia 16 de janeiro de 1986, em decorrência de choque hemorrágico por vários ferimentos por projéteis no tórax, conforme Atestado de óbito, firmado pelo Dr. Eraldo Ribeiro de Moraes, não tendo deixado bens.
1 — “Querida mãezinha Eva, aquela minha queda sob o impacto de um projétil disparado sem a intenção de alcançar-me, …” — Realmente, quando Júlio entrava num bar, onde dois indivíduos discutiam, um desses elementos, que se encontra desaparecido até hoje, na tentativa de alvejar o seu adversário, atingiu em cheio o tórax do estudante em férias no Brasil, tendo este chegado sem vida física no hospital para onde foi transferido.
2 — “Quando me vi horizontalizado, justamente quando vinha para um estágio temporário com a família, no Brasil, para em seguida regressar à América, onde a irmã Vera Lúcia me aguardava, …” — De fato, Júlio, há seis anos e meio se encontrava nos Estados Unidos da América do Norte, fazendo um curso de Inglês, e, tão logo terminasse a colheita, no Brasil, passando pela Itália, retornaria a São Francisco da Califórnia, onde reside sua irmã, há cinco anos, completados em dezembro de 1987, a advogada e cidadã norte-americana Dra. Vera Lúcia Moraes Henrique, casada com o Sr. Jadir Henrigue, jogador profissional de futebol, natural de Crisciúma, Estado de Santa Catarina.
3 — Vovó Clotildes — Avó materna, D. Clotildes Pereira Lemes nasceu em Rio Verde, GO, a 22 de fevereiro de 1909, desencarnando em Goiânia, GO, a 8 de maio de 1984, em consequência de acidente vascular cerebral. Muito apegada ao neto, não pôde este vê-la em seus últimos momentos neste mundo, por já se encontrar nos Estados Unidos da América do Norte.
4 — “Achava-me num posto de socorro espiritual, deixado pelo irmão Ricardo Campos, que era respeitado em Rio Verde por pai espiritual dos desamparados, …” Dr. Ricardo Campos nasceu e desencarnou em Rio Verde, respectivamente, a 27 de setembro de 1891 e 18 de abril de 1932, aí exercendo influência na vida pública, na condição de político, advogado e seguidor autêntico do Cristo e de Allan Kardec. Foi casado com D. Placidina Arantes Campos, tendo deixado os seguintes filhos:
a) Dalvanira Campos Cruvinel, já desencarnada;
b) Dr. Paulo Campos, atual presidente do Centro Espírita e ex-político de nomeada;
c) Lauro Campos, já desencarnado;
d) Amanda Campos, presidente do Instituto dos Menores Abandonados de Rio Verde;
e) Luzia Campos, já desencarnada.
Segundo nos informa o Dr. Jerônimo Carmo de Moraes, genitor de Júlio Brasílio de Moraes, Dr. Paulo Campos e o patrono do Edifício do Fórum da cidade de Rio Verde, que tem o seu nome, e do Centro Espírita da cidade de Santa Helena de Goiás.
5 — “Contraí aquela dívida e foi justo respeitá-la. Por iniciativa da Vovó Clotildes, me foram mostrados a mim painéis e retratos do tempo em que eu fizera o mesmo com um rapaz recém-diplomado em Coimbra, e que voltava ao nosso País, com o raciocínio enfeitado de sonhos.” — Não nos sendo possível entrar em detalhes a propósito da Lei de Causa e Efeito, de que trata a obra prima Ação e Reação, recebida pelo médium Xavier e editado pela Federação Espírita Brasileira, em 1957, pedimos vênia ao leitor para transcrever o seguinte trecho do Espírito de Humberto de Campos, a respeito da desencarnação de Joaquim José da Silva Xavier, na obra Brasil, (págs. 109-110 da 1ª Edição, FEB, 1938), também recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier:
“Tiradentes entrega o espírito a Deus, nos suplícios da forca, a 21 de abril de 1792. Um arrepio de aflitiva ansiedade percorre a multidão, no instante em que o seu corpo balançava, pendente das traves do cadafalso, no campo da Lampadosa.
Mas, nesse momento, Ismael recebia em seus braços carinhosos e fraternais a alma edificada do mártir.
— Irmão querido — exclama ele — resgatas hoje os delitos cruéis que cometestes quando te ocupavas do nefando mister de inquisidor, nos tempos passados. Redimiste o pretérito obscuro e criminoso, com as lágrimas do teu sacrifício em favor da Pátria do Evangelho de Jesus. Passarás a ser um símbolo para a posteridade, com o teu heroísmo resignado nos sofrimentos purificadores. Qual novo gênio surges, para espargir bênçãos sobre a terra do Cruzeiro, em todos os séculos do seu futuro. Regozija-te no Senhor pelo desfecho dos teus sonhos de liberdade, porque cada um será justiçado de acordo com as suas obras. Se o Brasil se aproxima da sua maioridade como nação, no influxo do amor divino, será o próprio Portugal quem virá trazer, até ele, todos os elementos da sua emancipação política, sem o êxito das revoluções feitas à custa do sangue fraterno, para multiplicar os órfãos e as viúvas na face sombria da Terra…
Um sulco luminoso desenhou-se nos espaços, à passagem das gloriosas entidades que vieram acompanhar o Espírito iluminado do mártir, que não chegou a contemplar o hediondo espetáculo do esquartejamento.”
Num livro escrito entre 1900 a 1914, editado em 1920, intitulado Folhas que Ficam (Emoções e Pensamentos), o ensaísta e crítico literário, ficcionista e poeta Nestor Victor (Paranaguá, Paraná, 12 de abril de 1868 — Rio de Janeiro, RJ, 13 de outubro de 1932), a nosso ver, compreendeu a essência do assunto de que estamos tratando, na belíssima página “Os Nossos Dois 5ultos Supremos”, referindo-se a Anchieta e Tiradentes (in Nestor Victor— Prosa e Poesia—, por Tasso da Silveira, Livraria AGIR Editora, Rio de Janeiro, 1963, “Nossos Clássicos” Nº 74, pp. 37-38), da qual extraímos este passo:
“Anchieta tem proporções para, pelo seu prestígio espiritual, fazer do Brasil um mundo e desenvolver nesse mundo uma humanidade melhor.
Tiradentes é, para a liberdade, o que foi Anchieta para a caridade e para a fé, simboliza o civismo brasileiro do modo mais puro, mais ideal possível.
Ele enlouqueceu de loucura sublime pelo sentimento pátrio como o jesuíta enlouquecera pelo amor de Deus e das gentes.
Desde que se apoderou daquele ser a ideia que o levou ao patíbulo, Tiradentes esqueceu-se de si, como quem já propriamente não existe. O que torna irresistível é justamente sua imprudência, a cegueira com que ele tomava já pela própria realidade o que era unicamente o seu sonho.
Quiseram fazê-lo acordar, com o fato de encarcerá-lo, de submetê-lo a um longo martírio, a demoradas inquisições, à tentação de trair os outros conjurados. Tudo foi em vão. Ele continuou mergulhado em seu sonho. Denunciou-se a si próprio com a candura de uma criança. A única coisa que o molestava era ver que outros sofriam com ele também. Esses outros, na sua triste fraqueza, atiraram sobre o rústico caboclo todo o peso da culpabilidade maior. Tiradentes, entretanto, recebeu-a, acolheu-a com quem recebe uma graça. Por fim, sabendo que seria ele o único a pagar com o último suplício o tremendo crime (que assim se considerou sua ingênua tentativa), alegrou-se pela primeira vez desassombradamente, qual se houvesse conseguido uma suprema vitória. Morreu, sabendo que ia ser esquartejado, infamado até a terceira geração, como quem morre no apogeu da glória, sob aclamações cujo eco nunca mais se perderá.”
6 — “Pensemos em Natal e Ano Novo” — D. Eva explicou-nos que seu filho Júlio era católico, e todas as vezes que telefonava para ele, quando estava em Brasília, servindo o Exército, ou já nos Estados Unidos da América do Norte, ele sempre dizia que estava rezando e tinha grande entusiasmo por ocasião das comemorações natalinas.
No último Natal que passaram juntos, em 1985 (a sua desencarnação ocorreu a 16 de janeiro de 1986), D. Eva impressionou-se com a alegria dele no preparo de tudo. “Deixa a melancia para eu arrumar, mamãe!” lembra ela, com lágrimas nos olhos.
7 — “Peço aos queridos irmãos José Carlos, João Bosco e a todos os demais, inclusive os nossos queridos Paulo Estêvão e Victor, para que estejamos todos alegres e esquecidos do episódio infeliz.” — Irmãos de Júlio:
a) José Carlos Moraes, fazendeiro em Rio Verde, casado com D. Lucilene Martins Moraes;
b) João Bosco Moraes, comerciante em Rio Verde, casado com D. Jane Elmar Freitas Moraes;
c) Dra. Vera Lúcia Moraes Henrique — Cf. item 2, acima;
d) Jerônimo Carlos Moraes, psicólogo, residente em Goiânia;
e) Paulo Estêvão Moraes, comerciante, residente em Goiânia;
f) Jorge Fernando Lemes Moraes, comerciante, residente em Rio Verde.
Concluindo este já extenso capítulo, transcrevamos trechos de alguns cartões enviados por Júlio Brasílio de Moraes à sua querida mãezinha, muitos deles com pontos ilegíveis, devidamente assinalados:
1 — “Curitiba-PR, 04/01/1977. / Oi pessoal, aqui tudo está bem. / Tenho conhecido mil lugares bonitos e muita gente legal. / Mamãe, um grande abraço para você e para todos, de seu filho Júlio.”
2 — ”San Francisco, 10/03/1979. / Mãe, / Em primeiro lugar desejo-lhe um Feliz Aniversário e que tudo seja feliz para você, pois você merece toda a felicidade do mundo. / Comigo tudo está bem, graças a Deus e tenho certeza de que Ele também está olhando por você, e que tudo está bem. / Peço a sua bênção e lhe desejo tudo de maravilhoso. / Um beijo de seu filho que muito lhe quer, Júlio Brasílio.”
3 — “Florianópolis-SC, (…) / Oi gente, espero que por aí tudo esteja bem, pois por aqui está tudo legal, somente um pouco de chuva. Estou em Florianópolis, mas (…) hoje, irei para o Rio Grande do Sul. / Mamãe, aqui está tudo bem. / Dê um abraço a todos e um beijo no papai, de seu filho Júlio.”
4 — “Hollywood, 22/08/1983. / Oi para todos! Aqui estou nesta linda praia, nos arredores de Los Angeles. / Depois de todos esses anos, sinto pela primeira vez o calor e a delícia do mar, pois em San Francisco nunca se é possível, (…) / Tenho muitas lembranças de quando estive no Rio de Janeiro com o Jerominho, e com isso muitas saudades de todos vocês. / Sua bênção Pai, sua bênção, Mãe! / Beijos para todos! Júlio.”
5 — “Mãe, / É com grande fé que agradeço ao Nosso Senhor por tê-la comigo estes dias; também peço que Ele te acompanhe e proteja e que possa reservar-te muita saúde e paz de Espírito; foi maravilhoso senti-la novamente e saber que Mãe é a coisa pura para qualquer filho. / Deus nos abençoe. / Te amo mais e mais. / Cuida mais de você. / Viva mais a Vida, porque é ótimo viver! / Júlio. / San Francisco.”
A respeito deste último cartão, entregue, pessoalmente, à genitora, quando de sua visita ao filho, em San Francisco, depois de três anos de permanência dele naquela cidade (ele não pretendia voltar para o Brasil), explicou-nos D. Eva que ele, Júlio, disse, em voz alta, estas Palavras, depois de dar uma flor a ela, D. Eva, e outra a sua irmã que, na época, ainda residia no Brasil:
“Obrigado, meu Deus, o senhor trouxe a minha mãe até aqui!”
E, hoje, certa de que seu amado filho continua vivo, no Mundo Espiritual, integrando as hostes do bem, já com a sua pesada dívida cármica ressarcida, D. Eva, também trabalhando no socorro aos mais necessitados — físicos e moralmente —, em nome de Júlio Brasílio Moraes, estudando a abençoada Doutrina Espírita que tanto nos consola e esclarece, apenas se emociona quando relê no marcador de páginas, que foi distribuído por ocasião da Missa de 16 de janeiro de 1987:
“Nossa saudade embala o seu sono, filho querido!” — acrescentando:
— “Obrigado Chico Xavier, que Jesus te dê muita saúde para que possas continuar distribuindo consolo e esperança para os tristes deste mundo!
Que Deus te abençoe, Chico Xavier!”
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