Falando a Terra

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Capítulo XIX

Avançando


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Estando entre aqueles que desfrutaram a felicidade de trabalhar, quando o terreno se obstruía de pedrouços e espinheirais sem conto, volto a contemplar a construção da fé nova, rejubilando-me ante as realizações que o Espiritismo está consolidando em benefício das criaturas.

Dantes, era a excessiva preocupação do fenômeno, indefinível tortura intelectual, amontoando-se números e apontamentos em febril estatística; hoje, porém, uma compreensão mais sadia desponta, luminosa e providencial.

Indiscutivelmente, é força reconhecer que muitos círculos iniciais do nosso movimento, no Velho Mundo talado por guerras consecutivas, perderam de algum modo a fulguração primitiva, cedendo lugar ao marasmo expectante; contudo, o retrocesso aparente filia-se nas investigações ociosas e secas de inumeráveis estudiosos que fatigam o cérebro sem despertar o coração. Nesses acanhados redutos da inteligência, as críticas descabidas convergiram sobre o esforço nobilitante de alguns poucos e o desânimo coagulou temporariamente infinitas reservas de energia.

A ciência, por si só, é como a terra preciosa sem a semente. De que nos valeria o suor a empapar o chão lavrado, sem a possibilidade de produzir? A verdade tem a balança da sabedoria para analisar os seres e as coisas, mas só o amor possui a chave da vida.

Recordamo-nos, ainda, do tempo em que sob indisfarçável encantamento nos enamorávamos dos médiuns, como se fossem ídolos do Céu milagrosamente animados na Terra, pelo simples fato de ouvirem e verem criaturas desencarnadas que, no fundo, não apresentavam evolução muito mais avançada que a nossa. E, com o ciúme dos amantes apaixonados, reuníamo-nos em cardume, em torno do infeliz instrumento mediúnico, perturbando-lhe as peças preciosas ou trazendo-lhe muito cedo o desalento e a inutilização.

Admitíamos falsamente que a obra missionária pertenceria exclusivamente ao homem ou à mulher de virtudes psíquicas invulgares, esquecendo-nos de que, em muitos casos, semelhantes dons traduzem provação e sacrifício, que nos importa amparar, ao invés de explorar desapiedadamente.

Ainda existem muitos investigadores que não se compadecem com a realidade, examinando os Espíritos conscientes e livres, através da organização medianímica, como se observassem micróbios interessantes, por intermédio da lente dum laboratório. Para esses, o redescobrimento do mundo invisível é simples motivo para conceituosos pareceres, em que jamais atestam as verdades da Revelação; continuam acravados no estreito mundículo onde se agitam, entre a presunção e o temor, como autênticos exemplares do comodismo. Há, entretanto, cientistas e estudiosos, que, respeitáveis, descem à liça, abrindo brechas na velha Bastilha dos preconceitos, auxiliando o anseio popular de renovação. Grande exército de trabalhadores de boa vontade marcha impávido e um novo entendimento se espalha, iluminando consciências e corações, em todas as linhas da fé redentora que o Espiritismo acende nas almas.

Pouco a pouco, as responsabilidades se descentralizam. Os médiuns já não se afiguram pajés de tribo, senão que, nos quadros da fraternidade e da cooperação, todos os consideram companheiros da boa luta, com difíceis obrigações a desempenhar, dignos, portanto, do carinho e do acatamento geral.

O conceito da Doutrina Consoladora, como serviço do indivíduo à coletividade, vai-se ampliando para benefício desta; os antigos espectadores frios do fenômeno se incorporam ao trabalho ativo, permanecendo no esforço edificante que as bênçãos do Alto e as necessidades do mundo nos conferem.

A obra de esclarecimento tem sido árdua. Combate incruento, no seio de todos os povos, tem reclamado a abnegação de muitos.

Julgou-se a princípio que os mensageiros da Espiritualidade pretendessem arrebatar o homem para o Céu, e vários servidores da primeira hora se embriagaram na perspectiva de ingresso definitivo nos mundos felizes, com absoluto esquecimento do trabalho que os retinha na carne. Esses companheiros desprevenidos, de braços cruzados e cabeça inquieta, sondavam outros lares do sistema e exigiam notícias da imensidade de Júpiter e de Saturno, inconformados com o nosso domicílio singelo na Corte Solar.

Agora, porém, vamos compreendendo que os emissários do Cristo não nos exoneram da responsabilidade, nem nos desatam os compromissos, e, longe de pretenderem violentar a inteligência humana, constrangendo-a a demandar um Éden que ela não pode entender por enquanto, buscam fortalecê-la para que transforme a Terra em Paraíso.

Os ideais sublimes que albergamos na alma são forças vivas, que tentam sua própria materialização no Plano em que residimos.

Uma grande fé representa uma grande luz. Uma virtude firme é uma bênção indiscutível. Esclarece-nos, contudo, a experiência, que a missão da luz é o socorrer as trevas, e que o prover de conforto e esperança os deserdados é ministério da virtude.

Gradativamente estamos aprendendo, na tarefa de redenção e de aprendizado que fazemos, todos juntos, que o Espiritismo é claridade no indivíduo, a expandir-se deste para que as sombras da ignorância, e do sofrimento sejam expulsas da Terra.

Fazer algo pelo bem na extinção do mal é obrigação de todos, no apostolado comum. Onde houver um raio de certeza na sobrevivência da alma, aí deve aparecer mais justiça e mais alegria de ser útil.

A vida não cessa. O burilamento continua além da morte. E os objetivos últimos do Universo, por enquanto, transcendem as nossas possibilidades de compreensão.

Baste-nos a certeza de que a Justiça está funcionando e de que, tanto agora quanto depois, aqui como além, receberemos de acordo com as nossas obras.

Se o Espiritismo aboliu o Inferno de tormentos inextinguíveis, modificou profundamente a paisagem do Céu. Sabemos hoje que o homem é um anjo nascente e que séculos correrão sobre séculos antes de finda a empresa de seu apuro.

Graças a Deus, estamos avançando. Convertamos, assim, a contemplação em atividade benfeitora, a fé em serviço ativo, e, como células harmoniosas do divino organismo do mundo, transitaremos entre a existência e a morte, do berço ao túmulo e da espiritualidade ao renascimento, como filhos conscientes da Eterna Sabedoria, crescendo, felizes, para a vida imortal.



Luís Olímpio Teles de Menezes n
Francisco Cândido Xavier


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