Instruções Psicofônicas

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Capítulo XXXVII
Ilustração tribal

Mensagem de um sacerdote


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Em nossa reunião da noite de 18 de novembro de 1954, os recursos psicofônicos do médium foram ocupados pelo nosso Irmão C. T., n que fora, algum tempo antes, assistido em nossa agremiação.

Nosso amigo C. T., que não podemos designar senão pelas iniciais, por motivos facilmente compreensíveis [havia sido um dignitário da Igreja Católica], trouxe-nos interessante relato de suas próprias experiências, do qual salientamos o trecho em que se reporta à emoção de que se viu possuído, quando, ao fitar, compungido, um velho crucifixo, escutou a voz de um Amigo Espiritual, acordando-lhe a consciência para a verdadeira compreensão de Jesus; consideramos de indizível beleza semelhante tópico da presente mensagem por referir-se ao Cristo Vivo, fora dos santuários de pedra, servindo incessantemente em favor do mundo.


Irmãos.

A experiência dos mais velhos é auxílio para os mais jovens.

Quem atravessou o vale da morte pode ajudar aos que ainda transitam nos trilhos obscuros da existência carnal… A gratidão, por isso, impele-me a trazer-vos algo de mim.

Quando de meu primeiro contato convosco, saí vencido, não convencido… Acreditei fôsseis magnetizadores socorrendo um enfermo difícil.

E eu despertava de um pesadelo horrível… Acordava, identificando a mim próprio e, reconhecendo-me o sacerdote categorizado que eu era, ressurgia, revoltado e impenitente.

Debalde benfeitores espirituais estenderam-me os braços. Em vão, consoladoras vozes se me fizeram ouvir.

As ordenações e convencionalismos da Terra jaziam petrificados em minha cabeça-dura. Fizera da autoridade a minha expressão de força.

Usara a mitra com o orgulho do padre invigilante que se eleva nas funções hierárquicas, com o propósito de dominar o pensamento dos próprios irmãos. E por mais que a piedade me dirigisse cativantes exortações, recalcitrei, desesperado…

Não supunha fosse a morte aquele fenômeno de reavivamento. Minhas impressões do corpo físico mostravam-se intactas e minhas faculdades, intangíveis…

Reclamei meus títulos e exigi minha casa e, naturalmente, para se não delongarem através de conversação inútil, companheiros espirituais tomaram-me as mãos. Num átimo, vi-me à porta selada de meu domicílio, mas, agora, sem ninguém…

Decerto, meus caridosos condutores entregavam-me à própria consciência. Aflito, gritei por meus servidores, contudo, minhas vozes morreram sem eco.

A noite avançara… Desrespeitosa algazarra alcançou-me os ouvidos. Desafetos gratuitos pronunciavam sarcasticamente o meu nome, em meio da sombra espessa:

— “Abram a porta ao senhor bispo!”

— “Assistência para o dono da casa!…”

— “Atendam ao visitante ilustre…”

— “Lugar para Sua Eminência!…”

Isso tudo de permeio com irreverentes gargalhadas.

Receando o ridículo, busquei a igreja que me era familiar. Sacerdotes amigos vigiavam em oração. Contudo, por mais que apelasse para a minha condição de chefe, ninguém me assinalou as súplicas aflitivas.

Ajoelhei-me diante das imagens a que rendia culto, no entanto, jamais como naquela hora havia reparado com tanta segurança a frieza dos ídolos que representavam objetos sagrados de minha fé. Desejava fazer-me sentido, ouvido, tocado…

Então, como se um ímã me provocasse, retrocedi apressadamente… Em passos ligeiros, desci à pequena câmara escura. Fora atraído por meus próprios restos.

Ali descansava, na escuridão silenciosa, o corpo que me servira. O bafio repelente do túmulo obrigava-me a recuar…

Algo, porém, me constrangia a compulsória aproximação. Toquei as vestes rotas e senti que minhalma se justapunha aos ossos desnudados…

Queria reassumir a posição vertical entre os homens. Mas apenas vermes e mais vermes eram, ali, a única nota de vida.

Dominado de terrível pavor, tornei ao altar para as orações mais íntimas… Orações que brotassem de mim, diferentes daquelas que decorara para iludir o tempo.

Procurei um velho crucifixo. Ali, estava a cruz do Senhor. Não era um ídolo, era um símbolo.

Via-me sozinho, desanimado, e orei, compungidamente. Rememorei os ensinamentos do Mestre Divino, que recolhia as almas desarvoradas e enfermas para restituir-lhes o alento…

E uma voz à retaguarda, cuja inflexão de energia e brandura não conseguiria traduzir, exclamou para meu Espírito fatigado:

— Amigo, tua casa na Terra cerrou-se com teus olhos!… Teus poderes eclesiásticos estão agora reduzidos a um punhado de cinzas…

E de todas as atividades sacerdotais que exerceste, permanece tão só esta de agora — a de tua própria fé ressuscitada na humildade do coração!

Cristo não permanece crucificado nos altares de pedra, disputando a reverência daqueles que supõem prestigiar-lhe a memória, a preço de incenso e ouro…

Jesus está lá fora! Com as mães que se sentem desamparadas, com os discípulos que sustentam em si mesmos duro combate!…

O Senhor caminha ao longo da velha senda que o homem palmilha, há milênios, procurando aqueles que anelam amealhar fraternidade e luz, serviço e renovação…

Avança ao encontro das almas fiéis que repartem o tempo entre a lição que educa e o trabalho que santifica…

Busca as crianças sem ninho, asilando-as nos braços daqueles que lhe recordam a amorosa exortação…

Respira nas fábricas, onde o suor dos humildes pede socorro…

Ora nos círculos atormentados da luta redentora, onde corações restaurados no Evangelho intentam a construção de nova estrada para o futuro…

Cristo vive lá fora, reconfortando os caluniados e enxugando as lágrimas de quantos se sentem morrer na solidão dos vencidos…

O Senhor, ainda e sempre, é o Celeste Peregrino do mundo…

Nas noites frias, é o agasalho dos que não receberam a graça do lar…

Junto ao fogão sem lume, é o calor que regenera as energias dos que não puderam adquirir uma côdea de pão…

Enfermeiro nos hospitais, conchega de encontro ao peito os doentes em abandono…

Amigo infatigável dos cegos e dos leprosos, dos cansados e dos tristes, instila-lhes, generoso, a bênção da esperança…

O Mestre jamais envergou a túnica da ociosidade que lhe quadraria ao coração como um sudário de morte…

Vamos! Vamos em busca do Senhor Ressuscitado! Procuremos o Cristo, além da cruz, tomando a cruz que nos é própria, a fim de encontrá-lo na grande ressurreição!…

Aflito, mas devolvido a mim mesmo, senti frio…

Minha igreja estava gelada, mas, ao calor da prece, roguei ao Céu permissão para esposar novo roteiro, sob a luz viva do Evangelho restaurado, na religião do esforço humanitário e social, com o templo guardando a fé por base e a caridade por teto…

E abraçando convosco a senda renovada, tento agora avançar para o futuro sublime!… Que o Senhor nos ampare.




C. T.
Francisco Cândido Xavier

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